CONHECIMENTO PERFEITO DA VOZ DE NOSSO SENHOR. VISÕES
CELESTES
Foi em
Setembro de 1934 que eu compreendi que era a voz de Nosso Senhor e
não uma exigência, como julgava. Foi então que Ele me pediu e falou
assim:
«Dá-me as tuas mãos, que as quero crucificar;
dá-me os teus pés, que os quero cravar comigo;
dá-me a tua cabeça, que a quero coroar de espinhos como Me fizeram a
Mim;
dá-me o teu coração, que o quero trespassar com uma lança, como Me
trespassaram a Mim;
consagra-Me todo o teu corpo, oferece-te toda a Mim, que te quero
possuir por completo e fazer o que Me aprouver.»
Nosso
Senhor pediu-me isto duas vezes. Não sei dizer a minha aflição, pois
não queria escrever e não queria
dizer à minha irmã, mas também não
queria ficar calada, porque compreendia que não era a vontade de
Nosso Senhor. Tinha que dizer ao meu Pai espiritual. Resolvi-me a
fazer o sacrifício, pedindo à minha irmã que escrevesse em meu nome
tudo o que lhe ia ditar. Ela não olhava para mim, nem eu para ela e,
depois da carta escrita, tudo morreu para nós ambas, não falando
mais no assunto.
Até
esse tempo, sentia uma grande alegria para mim receber uma carta do
meu director espiritual. Desde então, toda essa consolação
espiritual desapareceu. Temia que ele me maltratasse, dizendo-me que
tudo era falso. Eu cedi ao convite de Nosso Senhor, mas pensava que
esses sacrifícios fossem só sofrimentos, embora maiores; não pensava
em nada de sobrenatural. O meu director obrigou-me a que escrevesse
tudo, e durante dois anos e meio não me disse que era Nosso Senhor –
o que me fez sofrer bastante, apesar dos meus poucos conhecimentos.
Desde
então, tinha Jesus à minha ordem, falando-me de dia e de noite.
Sentia grande consolação espiritual; não me assustavam os meus
sofrimentos. Em tudo sentia amor ao meu Jesus e sentia que Ele me
amava, pois d’Ele recebia carícias sem conta. Só me desejava
sozinha. Oh, como me sentia em no silêncio e muito unidinha a
Ele!...
Jesus
desabafava muito comigo. Dizia-me coisas tristes, mas as consolações
e o amor que me fazia sentir obrigavam-me a esquecer o Seus
desabafos. Passava noites e noites sem descansar, a contemplar
quadros que Jesus me mostrava e em conversa íntima com Ele. Umas
vezes, via Jesus como jardineiro a cuidar das florinhas, regando-as,
guiando-as, etc; passeava pelo meio delas, mostrando-me variedade de
flores. Noutras vezes, aparecia-me em tamanho natural, mostrando-me
o Seu Divino Coração cercado de raios de amor.
Também
vi a Mãezinha uma vez, representando Nossa Senhora do Carmo, com o
Seu Divino Filho nos braços. Outras vezes como Nossa Senhora da
Conceição. Oh, como era bela!... Só queria amá-la e a Jesus! Só me
sentia bem a sós com Eles!
COMO MARTIRIZAVA O MEU CORPO
Tudo
queria fazer por Seus amores e, para provar que Os amava, algumas
vezes fazia bolinhas de cera a atava-as na ponta de um lencinho e
com ele batia no meu corpo, escolhendo os lugares onde mais podia
sofrer, como fossem nos joelhos e sobre os ossos, ficando com o meu
corpo denegrido das pancadas.
Outras
vezes atava a trança dos meus cabelos aos ferros da minha cama e
puxava a cabeça com toda a força para a frente, para assim mais
sofrer.
Ou
então dava nós na ponta da trança, açoitando-me com ela nas costas,
no peito, nos braços e em todas as partes onde a trança chegava.
Na
tarde de um domingo, tinha tantas ânsias de amor divino, não cabendo
em mim de ansiedades, suspirava por ficar sozinha, vendo partir
todos os meus para a igreja. Como de costume, queriam fazer-me
companhia, mas eu preferia ficar sozinha, pois só com Jesus é que me
sentia bem. Logo que me deixaram a sós com Jesus, foi então que lhe
provei quanto O amava. Peguei num alfinete que segurava as minhas
medalhinhas espetando-o sobre o meu coração; mas como não visse
aparecer sangue, enterrei-o ainda mais e retorci as fibras até
rebentarem, surgindo sangue. Tomei a caneta e um santinho e com o
meu sangue escrevi assim:
«Com o
meu sangue Vos juro amar-Vos muito, meu Jesus, e seja tal o meu amor
que morra abraçada à cruz!
Amo-os
e morro por Vós, meu querido Jesus, e nos Vossos sacrários quero
habitar, ó meu Jesus.
Balasar, 14/10/1934.»
Logo
que acabei de escrever isto, foi tal a repugnância e aflição que
senti, tentando rasgar imediatamente o santinho, mas não seu o que
foi que me impediu de o fazer; não senti nenhuma consolação com esta
prova que Lhe dei. Quando minha irmã regressou da igreja, eu estava
numa grande inquietação; não lhe disse o que tinha feito, mas
mostrei-lhe o santinho, e ela exclamou:
«Ai,
minha marota, o que tu fizeste! Assim que o Sr. Pe. Pinho o souber…»
Eu
respondi-lhe:
«Ai,
não lho digo!»
Mas
contei isso e tudo o mais que tinha feito. Sua Reverência
perguntou-me quem tinha dado licença, ao que respondi:
«Não
sabia que era preciso pedir licença.»
Desde
então proibiu-me de voltar a fazer coisas deste género.
A PRIMEIRA MISSA CELEBRADA NO MEU QUARTINHO.
PRINCÍPIO DA PERDA DOS NOSSOS BENS
Em 20
de Novembro de 1933, tive a graça de ter pela primeira vez o Santo
Sacrifício da Missa no meu quarto. Principiou Nosso Senhor a
aumentar-me os Seus miminhos, para também aumentar o peso da minha
cruz.
Bendito
seja Ele e bendita a sua graça que nunca me faltou!
Começámos agora a sofrer muito com a perda dos nossos bens. Nesse
tempo, já a nada do mundo tinha apego, contudo sofria
amarguradamente por ver que tudo quanto possuíamos não chegava para
satisfazer as dívidas de que a mãe era fiadora. Eu dizia que não
queria ficar com o valor de um tostão, enquanto tivéssemos que
pagar. Faltou-me muitas vezes o alimento que melhor poderia comer e
só me alimentava daquilo que tínhamos, mas que prejudicava o meu
estado de físico. Sofria em silêncio e não dizia que comia dessas
coisas por não ter outras melhores, e minha família julgava que eu
comia com gosto e assim não a desgostava pedindo-lhe aquilo que não
tinha para me dar. Tudo que me ofereciam para comer cedia à minha
irmã, porque nessa altura ela encontrava-se bastante doente. Eu
pensava assim: já que não tenho cura, que ao menos ela possa
melhorar.
A minha
família chegou a passar muitas privações e até, por vezes, chegaram
a comer o caldo sem adubo, porque não contávamos a nossa vida a
ninguém. Chorei muitas lágrimas, mas procurava sempre que não me
vissem chorar. Era de noite que desabafava com o meu Jesus e com a
Mãezinha. Benditas lágrimas que mais me uniram a Jesus e a Maria e
mais firmaram a minha confiança n’Eles.
Esta
situação durou cerca de seis anos. Procurava ser o conforto da minha
família. Quantas vezes ela chorava em altos gritos e eu dizia-lhes
que confiassem em Nosso Senhor. Ele também tinha sido pobre e
alegrava-me por Jesus nos ter assemelhado à Sua pobreza.
Cheguei
a ter medo de ficar acompanhada pela minha mãe, porque ela procurava
estar comigo sozinha para desabafar e, por mais que a confortasse e
lhe dissesse que tivesse confiança, ela na sua dor dizia-me palavras
desagradáveis. Eu pedia quase continuamente a Jesus que nos valesse
e, no fim da Sagrada Comunhão, dizia a Jesus:
«Vós
dissestes: pedi e recebereis; batei e abrir-se-vos-á. Eu peço e
hei-de ser ouvida; bato e hei-de ser atendida. Ó Jesus, não Vos peço
honras, grandezas, nem riquezas, mas peço-Vos que nos deixeis a
nossa casinha, para que minha mãe e irmã tenham onde viver até ao
fim da vida, para que minha irmã tenha onde colher as florinhas para
compor o Vosso altar na igreja, aos sábados. Ó Jesus, todas as
florinhas são para Vós. Jesus, acudi-nos, que perecemos! Levai esta
notícia longe, a quem nos possa acudir! Não Vos peço este nem aquele
meio, porque não sei! Confio em Vós!»
É bem
verdade, nunca é demais a confiança! Em nossa casa não havia
momentos de alegria. Quantas vezes nos faltava aquilo que nos era
indispensável e eu, no fundo, estava sempre alegre com a vontade de
Deus. Confiava cegamente n’Ele. Escondia o mais possível a minha
dor, procurando em tudo animar os meus. A minha prece foi ouvida.
Passaram-se seis anos de aflições e de lágrimas. Jesus ouviu a nossa
prece. Foi mesmo longe, muito longe que uma senhora veio dar remédio
ao nosso mal, que não acabou por acanhamento meu. Não disse tudo
quanto devíamos, porque Nosso Senhor assim o permitiu, para que se
prolongasse por mais tempo o meu sofrimento. Deu-nos ela o bastante
para não vendermos a nossa casinha. Eu chorei mais de confusão do
que de contentamento ao receber tão grande graça de Nosso Senhor.
Não sabia como havia de Lhe agradecer. Parecia que estava louquinha
e dizia a Jesus:
«Muito
obrigada! Muito obrigada!»
É
indizível a alegria que a minha mãe e irmã sentiram quando receberam
a quantia que as aliviou das grandes preocupações em que viviam. É
impossível descrevê-las, pois foram tantas e tão grandes!... Que
Jesus aceitasse todas estas aflições, e bendito Ele seja por tudo.
Só com Ele se podia vencer! |