TRATAMENTO A SÉRIO DA
MINHA DOENÇA, VÁRIAS PRETENSÕES DE CASAMENTO
Com os
meus dezasseis anos, pouco mais ou menos, fui continuar o meu
tratamento para a Póvoa de Varzim.
Numa
manhã, quando me dirigia para a igreja, percebi que alguém
apressadamente se aproximava de mim. Era um militar que se dirigia a
mim a pedir-me namoro. Recusei imediatamente, mas como ele
insistisse e não deixasse de me acompanhar, disse-lhe que se
retirasse, que ia para a igreja. Pediu-me licença para estar comigo
quando voltasse da igreja. Prometi-lhe que estaria, só para me
livrar dele, com a ideia de trocar o caminho. Ao voltar, pus-me a
ver se o via e, como nada enxergasse, vim pela mesma rua. A certa
altura surgiu-me ele, não sei de onde, e disse-me: «Ó menina, você
que me prometeu?», e tratava de me acompanhar a casa. Parei e
falei-lhe, dizendo que era doente e que minha mãe não consentia que
eu namorasse. Custou-me muito a convencê-lo. De repente, apareceu a
minha irmã e ralhou-me, pensando que eu estava a namorar. Não voltei
mais por aquele caminho, com receio de me encontrar com ele. Com
isto, tudo terminou. Várias vezes me vi apoquentada por rapazes a
pedirem-me namoro, mas nunca aceitei. Cheguei a dizer a um que me
falava em casamento:
«Não
deixo a minha família por causa de um homem.»
Primeira fotografia da
Beata Alexandrina
Sendo
do conhecimento do Senhor Abade que um outro me pretendia, Sua
Reverência falou-me assim:
«Se
queres o rapaz, isso é tudo comigo.»
Eu
respondi-lhe:
«Eu
estou boa para casar!», pois já me sentia bastante doente e, além
disso, não tinha inclinação nenhuma para o casamento.
Às
vezes pensava, se um dia fosse casada, como educaria os filhinhos
para serem todos de Nosso Senhor.
VIGILÂNCIA DA QUERIDA
MÃEZINHA
Com os
meus dezoito anos, vi-me num perigo muito grande, inesperadamente.
Lembro-me que levava o meu tercinho na mão e que apertei uma medalha
da Nossa Senhora das Graças e, de repente, livrei-me do perigo. Foi
sem dúvida a Mãezinha do Céu a velar-me. Oh, como lhe estou
agradecida!...
DESEJOS DE SER CURADA,
CONFORMIDADE COM A VONTADE DE DEUS
Aos
dezanove anos acamei e, desta vez, não tive, como da outra, quem me
dissesse:
«Deixa
passar algum tempo, que ainda virás a levantar-te.»
Nesta
altura, o médico do Porto, Sr. Dr. João de Almeida, informou minha
mãe de que temia que eu entrevasse.
A
partir desta ocasião, comecei a ter por enfermeira minha irmã,
porque minha mãe ocupava-se em serviços do campo e minha irmã
costurava. Tive momentos de desânimo, mas nunca de desespero. Nada
no mundo me prendia, só tinha saudades do meu jardinzinho, porque
amava muito as flores. Algumas vezes fui vê-lo, matar essas
saudades, ao colo da minha irmã. Tinha muitas saudades de Jesus, da
nossa igreja e, quando havia festas do Sagrado Coração de Jesus ou
Missas cantadas, eu chorava amargamente. Como era cantora,
entristecia-me muito por ver a minha irmã, que também cantava, e eu
ficar. Quantas vezes ela me dizia:
«Se lá
pudesses estar deitadinha, eu levava-te ao colo!»
Chorava
ela por ir e eu ficar e chorava eu por a ver a sair e não poder
acompanhá-la, mas conformava-me sempre com a vontade de Nosso
Senhor. A pouco e pouco, fui-me habituando à cama e fui perdendo
todas as saudades.
Nos
primeiros anos, fazia por me distrair e até pedia que jogassem às
cartas comigo, outras vezes jogava eu sozinha. Tenho pena de não ter
pensado desde o princípio como penso agora, de viver só unida ao meu
Jesus.
Cheguei
a fazer algumas promessas para ser curada, como: cortar rente o meu
cabelo (que era para mim grande sacrifício), dar todo o meu ouro e
vestir-me de luto toda a minha vida, ir de joelhos desde a minha
casa até à igreja. Minha mãe, irmã e primas fizeram também grandes
promessas. Por fim, compreendi que a vontade de Nosso Senhor era que
estivesse doente. Deixei de pedir a minha cura. No decorrer dos
anos, estive várias vezes às portas da morte; preparava-me com os
últimos Sacramentos e esperava a hora da morte resignada. Na
medicina, não tinha outro alívio senão um bocadinho de morfina que
me injectavam.
A DEVOÇÃO À MÃEZINHA,
PREDILECÇÃO PELO MÊS DE MARIA
Todos
os anos, no mês de Maio, fazia o mês da Mãezinha. Gostava muito de o
fazer sozinha: meditava, cantava, rezava e chorava algumas vezes ao
mesmo tempo que pedia à Mãe do Céu que me libertasse da grande
tribulação que estava a passar. Cantava o «Tantum ergo» como se
estivesse na igreja e fosse receber a bênção de Nosso Senhor. Como
não tinha o Santíssimo Sacramento em casa, nem nenhum sacerdote que
me viesse dar a bênção, pedia a Nosso Senhor que ma desse do Céu e
de todos os sacrários. Oh, que momentos tão felizes!... Sentia cair
sobre mim todas as bênçãos e amor de Nosso Senhor! Nestes momentos,
pedia a Jesus para abençoar toda a minha família e todas aqueles que
me eram queridos.
Como
não tinha nenhuma imagem da Mãezinha, nos primeiros anos, vinha uma
de casa do Senhor abade – o Coração de Maria. Durante o mês, tudo
estava bem, mas ao terminar sentia grandes saudades quando tinha de
ficar sem a imagem. Principiei a pensar na maneira de arranjar uma
que fosse só minha. Como não tinha dinheiro, várias pessoas
ajudaram-me. Uma amiga deu-me uma franguinhas que minha irmã foi
criando até porem ovos, para mais tarde nascerem pintainhos. Assim
fui arranjando a quantia precisa para a imagem, redoma e altarzinho,
etc. Não sei descrever a consolação que senti ao ver que possuía
para sempre a imagem da querida Mãezinha e que ficaria a
contemplá-la dia e noite.
NOVOS DESEJOS DE SER
CURADA. INTEIRA CONFORMIDADE COM A VONTADE DIVINA
Como me
falassem dos milagres de Fátima e sabendo eu, em 1928, que várias
pessoas iam à Cova da Iria, nasceram em mim desejos de ir também. O
médico assistente e o meu pároco não me deixaram, dizendo que era
impossível ir tão longe, se eu mal consentia que me tocassem na
cama. O Sr. Abade dizia-me que pedisse daqui a acura e que, depois,
iria a Nossa Senhora de Fátima agradecer tão grande graça. O médico
prometeu passar o atestado se o milagre se desse.
Nesse
ano, o Sr. Abade foi a Fátima e perguntou-me o que queria de lá.
Pedi-lhe que me trouxesse uma medalha, mas ele ofereceu-me um terço,
uma medalha, o «Manual de Peregrino» e alguma água de Fátima. Sua
Reverência aconselhou-me a fazer uma novena a Nossa Senhora e a
beber água de Fátima com o fim de ser curada. Não fiz uma, mas
muitas. Cantava muito e dizia às pessoas vizinhas que me visitavam:
se um dia me vissem pelo caminho e me ouvissem cantar, era eu que ia
agradecer a Nossa Senhora o benefício que recebia. Pensava que seria
curada, mas enganei-me; era a minha grande confiança na Mãezinha e
em Jesus que me fazia falar. Pensava: se for curada, vou logo, logo
para religiosa, pois tinha medo de viver no mundo. Nem sequer
visitava a minha família. Queria ser missionária, para baptizar
pretinhos e salvar almas a Jesus.
Como
não consegui nada, morreram os meus desejos de ser curada e para
sempre, sentindo cada vez mais ânsias de amor ao sofrimento e de só
pensar em Jesus.
Um dia
em que estava sozinha e, lembrando-me de que Jesus estava no
sacrário, disse:
«Meu
bom Jesus, Vós preso e eu também. Estamos presos os dois: Vós preso
para meu bem e eu presa das Vossas mãos.
Sois
Rei e Senhor de tudo e eu um verme da terra. Deixei-Vos ao abandono,
só pensando neste mundo, que é das almas a perdição.
Agora,
arrependida de todo o coração, quero o que Vós quiserdes e sofrer
com resignação.
Não me
falteis, bom Jesus, com a Vossa protecção.»
OFERECI-ME A JESUS
COMO VÍTIMA
Sem
saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há
muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me
tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto
há no mundo. Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a
Jesus todos os meus sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação
das almas era o que mais me preocupava.
Com a
perda das forças físicas, fui deixando todas as distracções do mundo
e, com o amor que tinha à oração – porque só a orar me sentia bem –
habituei-me a viver em união íntima com Nosso Senhor. Quando recebia
visitas que me distraíam um pouco, ficava toda desgostosa e triste
por não me ter lembrado de Jesus durante esse tempo. |