A
PROTECÇÃO DESVELADA DE JESUS E DA MÃEZINHA
Durante
o mês de Maio, ficava sozinha e, para fazer as minhas rezas, acendia
umas velinhas com um acendedor. Uma vez aconteceu de cair um morrão
e incendiar a vela, fazendo grande labareda, podendo
incendiar as
toalhas do altarzinho ou estalar a redoma. Quis apagar com um
apagador que tinha junto de mim, mas nada consegui; quando estava
para deitar o castiçal ao chão, tudo se apagou. Não quero pensar na
aflição que senti por não poder levantar-me e pôr termo a uma
pequena coisa que podia ser a causa da ruína da nossa casa.
Um dia
em que houve necessidade de ficar sozinha por algum tempo, sofri um
grande susto. Veio junto de mim ma vizinha saber se eu precisava de
alguma coisa. Ao retirar-se, deixou a aporta da varanda aberta e,
pouco depois, entrava pela nossa casa uma cabrinha que tínhamos e
encaminhava-se para a sala onde tínhamos os vasos de begónias e
avencas muito floridos e viçosos. Com eles adornavam-se os altares
da nossa igreja por ocasião das festas. Ao vê-la dirigir-se para lá,
chamei-a, e ela, olhando para mim, não fez caso. Atirei-lhe uns
bocadinhos de maçã, mas não os comeu. Fui-lhe mostrando a maçã e
chamando por ela até que se aproximou de mim. Agarrei-a e dei-lhe a
maçã e fui sustentando nela duas horas, ora fazendo-lhe mimos, ora
dando-lhe sapatadas. Quando minha irmã chegou, ficou admirada como,
na minha cama, pude segurar o animal tanto tempo. Atribuo isto a um
milagre, pois a porta da sala estava aberta e, se a cabrinha não
(sic) comesse, estragaria tudo. Quanto devo a Jesus! Estava
presa no leito, mas Ele poupou-me este desgosto.
Pouco
tempo depois, sofri outro, mais doloroso. Minha irmã estava apara
fora da terra e minha mãe fora ao mercado da terra e eu fiquei com
uma pequena, à ordem da minha mãe, para me servir, até que esta
chegasse da feira. A pequena, apesar de ter mais de vinte anos,
entendeu que devia ausentar-se antes de minha mãe chegar e assim o
fez. Quando ela saiu, falei-lhe assim: «Querendo ir, vai, que elas
encontrar-me-ão aqui viva ou morta.»
Logo
que ela saiu, vieram para junto de mim uns gatinhos fazerem-me
festa, levantando as patinhas no ar para lhe dar a minha mão e
puseram-se em cima da minha cama. Mas, como os não quisesse ali,
sacudi-os e foram para o chão. Mementos depois, senti que um deles
caiu à água e morreu afogado. Ouvi-o lutar com a morte na água e
miava muito. A mãe dele miava também. E eu, que não tinha coragem
para ouvir tudo aquilo, principiei a chorar e dizia:
«Ó
Mãezinha, permiti que venha aqui alguém para lhes acudir. Valei-me,
Jesus, Santa Teresinha e vários santos!»
Também
dizia:
«Coitadinho de quem está presinho!»
Por
acaso, vieram duas pessoas e, ao ouvirem os meus soluços, entraram
no meu quarto e ficaram pesarosas ao verem a minha aflição. O
gatinho estava morto. Não me impacientei. Chorava com pena dos
animaizinhos, mas não ofendi Jesus. Este caso foi origem de grandes
aflições morais, porque minha mãe e minha irmã não levaram a bem o
procedimento da pequena. Tudo lhe perdoaram, e eu perdoei também.
Como
gostava de ficar sozinha – e principalmente aos domingos, quando
havia adoração ao Santíssimo sacramento – dizia a todos os meus que
fossem e que me deixassem a sós com Jesus. Pouco depois de todos
saírem, pus-me a orar e ouvi alguém abrir a porta da rua, subir as
escadinhas, mas, já falando muito alto, dizia:
«Abre-me a porta.»
Pela
voz conheci a pessoa. Fiquei muito assustada. Ai, que seria de mim
se ele conseguisse entrar! Apertei nas minhas mãos o meu tercinho
com toda a confiança, enquanto a pessoa continuava a empurrar a
porta com toda a força. Pensava na forma como havia de falar e,
assustada, nem sequer podia respirar. Como não conseguiu abrir a
porta, retirou-se, deixando-me em paz. Fiquei tão cheia de medo que
não mais tornei a ficar sozinha, a não ser que me fechassem à chave.
Atribuí
esta graça a Jesus e à Mãezinha, que me livraram daquela má
companhia, pois antes me queria ver acompanhada pelos demónios do
inferno.
PRIMEIRO EXAME DA SANTA
SÉ[1]
Em 1 de
Maio de 1937, recebi a vista de Rev.mo o Padre Durão. Vinha mandado
da Santa Sé para examinar o caso da consagração do Mundo a Nossa
Senhora. O meu desejo era viver ocultamente, sem que ninguém
soubesse o que se passou. Sua Reverência entregou à minha irmã um
cartão do meu Director espiritual e disse-lhe que mo lesse. Ao ouvir
as palavras do cartão que eram assim «Vai aí o Sr. Padre Durão;
fale-lhe à vontade e responda-lhe a tudo o que lhe perguntar»,
fiquei admirada e disse para a minha irmã:
«Que
hei-de eu dizer-lhe?»
Não
sabia que era preciso estes exames para casos destes. Minha irmã
animou-me e disse-me:
«Dirás
o que Nosso Senhor te inspirar.»
Fiquei
surpreendida quando me fez perguntas das coisas de Nosso Senhor,
mas, sem a mais pequena hesitação, comecei a responder às suas
perguntas. Sua Reverência disse-me que só queria que lhe dissesse o
principal, pois não me queria cansar, visto ser grave o meu estado.
Respondi-lhe que não sabia que era o principal. Sua Reverência
disse-me:
«Gosto
disso, gosto disso.»
E foi
quando me falou da consagração do mundo a Nossa Senhora. Depois de
me fazer várias perguntas, com muito bom modo, disse-me:
«Não se
enganará?»
Ao
ouvir estas palavras, passou-me pela mente o engano da minha morte e
pensei assim:
«Isto é
contra mim, vou já dizê-lo.»
Então
respondi:
«Enganei…»
E
contei-lhe o que se tinha passado na Festa da Santíssima Trindade de
1936. Sua Reverência não mais me disse se estaria enganada, e falou
assim:
«Estas
coisas custam muito, não custam?»
Respondi:
«Custam
e fico triste.»
E
comecei a chorar. Sua Reverência pediu-me para o não esquecer nas
minhas orações e prometeu-me nunca me esquecer no Santo Sacrifício
da Missa.
Ajoelhou-se, rezou três Ave-Marias a Nossa Senhora e algumas
jaculatórias. Despediu-se de mim e retirou-se. Chorei muito e fiquei
muito atribulada e triste por se saber o que há tanto tempo de
passava ocultamente. Escrevi logo ao meu Director espiritual,
contando-lhe tudo. Sua Reverência respondeu-me imediatamente
sossegando-me e dizendo que era tudo para glória de Nosso Senhor.
PERÍODO
EM QUE O DEMÓNIO MAIS ME APOQUENTOU
– Se a
vida material melhorou nesta altura, redobraram os assaltos do
demónio que há meses me vinha ameaçando. Foi em Julho de 1937 que o
«manquinho», não satisfeito de me atormentar a consciência e de me
dizer coisas demasiadamente feias, principiou a atirar-me abaixo da
cama e de noite e a qualquer hora do dia.
A
princípio, até para as pessoas da casa fui encobrindo, menos para a
minha irmã, passando por ser aflições do coração. A pouco e pouco, o
mal foi aumentando e teve que o saber minha mãe e uma pessoa que
vivia connosco. Quem observava os tombos que eu dava abaixo da cama
mostravam-se muito pesarosos, não supondo nada do que se tratava.
Passavam-se os dias e o mal aumentava sempre. Uma noite atirou-me
para o chão, passando por cima da cama de minha irmã, que ficava
junto de mim. Ela levantou-se, pegando em mim ao colo, e dizia:
«Anda para a tua caminha.» Mal ela me deitou, levantei-me
rapidamente e dei uns assobios. Reconhecendo imediatamente o mal que
tinha feito, principiei a chorar e disse para minha irmã: «Ai, o que
eu fiz!» Ela sossegou-me, dizendo: «Não te aflijas, que não foste
tu.» Na noite seguinte, voltou a acontecer o mesmo, e disse-lhe em
voz alta: «Não me deito» – afastando-a de mim. Quando reconhecia que
fazia mal, chorava.
Uma
noite em que passei com o mafarrico as coisas piores que se podiam
imaginar, o que tudo desconhecia e ignorava, chorava amargamente e
pensava não receber o meu Jesus sem me confessar. Nesse dia, o Sr.
Abade não estava na freguesia para vir trazer Nosso Senhor, mas
pensava quanto me custaria ter de dizer que não comungava sem me
reconciliar, com receio que o Sr. Abade me perguntasse a causa, e
ter de lhe dizer tudo, tudo, e não querer abrir-me com ele. Minha
irmã, ao ver as minhas lágrimas, procurava consolar-me por todas as
formas. Como não conseguisse, disse-me que à tarde iria falar com o
meu Director espiritual que se encontrava a fazer uma pregação numa
freguesia vizinha da nossa. Disse-lhe que nada adiantava, pois não
lhe diria a ele o que se tinha passado. Pedi-lhe um postal de Nossa
Senhora e, com grande sacrifício, descrevi por maior o sucedido,
guardando-o debaixo do travesseiro até que chegasse a hora de o ir
entregar. De repente, entrou no meu quarto o meu Director,
acompanhado por um seminarista, trazendo-me Jesus-Hóstia para eu
receber. Como soubesse que estava para banhos o nosso pároco, teve a
boa lembrança de me vir trazer Jesus. Quando Sua Reverência me disse
que trazia Nosso Senhor para receber, respondi-lhe: «Não posso
comungar sem me confessar.»
As
lágrimas e a vergonha não me deixavam falar. Com muito custo disse
que tinha escrito um postal e que o guardava sob o travesseiro. O
meu Director tomou-o, leu-o e tudo compreendeu, sossegando-me e
dizendo-me que tudo previa em face de tudo quanto se tinha passado,
mas não me tinha prevenido de nada.
Foi
tremenda esta tribulação, que se repetiu por várias vezes. Tinha
ataques muito furiosos duas vezes por dia, pelas nove ou dez horas
da noite e depois do meio-dia, durante cerca de uma hora ou mais.
Durante os ataques, sentia em mim toda a raiva e furor do inferno.
Não podia consentir que me falassem de Nosso Senhor e na Mãezinha,
nem podia ver as Suas imagens, cuspindo-as e calcando-as aos pés.
Também não podia consentir junto de mim o meu Director; chamava-lhe
nomes, queria espancá-lo e tinha-lhe uma raiva de morte, assim como
a algumas pessoas da casa. Ficava com o meu corpo denegrecido com as
pancadas e a escorrer sangue com as mordeduras. Também dizia
palavras muito feias para quem estava junto de mim. Hoje gostava que
muita gente presenciasse só para temerem o inferno e não ofenderem a
Jesus.
Depois
que passava a influência do demónio e recordava o que tinha feito e
dito, sentia horrorosos escrúpulos; parecia-me ser a maior
criminosa. Foram meses de doloroso martírio. Muito mais tinha que
dizer sobre este assunto, mas não posso. A minha alma não resiste ao
relembrar tais sofrimentos.
[1]
Nota do Pe. Pinho: «Esqueceu a narração de como, em
Setembro de 1936, se escreveu para a Santa Sé sobre a
Consagração.
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