DÚVIDAS
E RECEIOS DE ENGANAR. EXAMES DOS MÉDICOS E TEÓLOGOS
– Assim
como iam aumentando as graças e favores para comigo, assim cresciam
também as dúvidas e receios de me enganar e enganar o meu Director
espiritual, bem como todos os que conviviam comigo. Crescia o meu
martírio, momento para momento. Tudo me aprecia falso e inventado só
por mim. Meu Deus, que dor para o
meu
coração! As trevas caíam sobre mim; não havia luz que me mostrasse o
caminho. Por mais que o meu Director me infundisse confiança, não
havia quem me confortasse. Contudo, entreguei-me nos braços de
Jesus, confiada a não ser arrastada pela corrente.
Sofria
por ver as lágrimas em todos os que me rodeavam e pensava: Meu Deus,
se falta a coragem a eles, como não há-de faltar-me a mim?
Que
grande humilhação ter de ser observada! Ah, se eu pudesse sofrer
sozinha, sem que pessoa alguma me visse!... Bastava que Jesus
soubesse quanto por Ele sofria.
Logo na
segunda crucifixão, principiaram os exames feitos por uns Padres da
Companhia de Jesus. Que vergonha eu sentia! Não nas horas da
crucifixão, mas antes e depois!...
Principiei a sentir que o meu Director espiritual sofria muito no
íntimo, por minha causa, isto é, por tudo o que se passava.
Sucederam-se a estes os dos médicos, que foram bem dolorosos,
deixando o meu corpo em mísero estado. Parecia-me que andava a ser
julgada de tribunal em tribunal, como se tivesse praticado os
maiores crimes. Quanto me custava vê-los entrar no meu quarto e,
depois de me examinarem e observarem, vê-los reunir-se numa sala
para discutirem e minha causa, deixando-me sob o peso da maior
humilhação.
Se não
me engano, foi na terceira crucifixão que vieram os médicos examinar
o meu caso. É difícil e sei que não posso descrever todo o meu
sofrimento. Deixavam o meu corpo martirizado, mas outras coisas
havia que me custavam muito mais. A vergonha que me faziam passar!
Triste cena eu fazia diante deles! Nem a maior criminosa seria
julgada num tribunal com mais cuidado! Se pudesse abrir a minha alma
e deixar ver o que nela se passa, porque estou a reviver esses dias,
fá-lo-ia só com o fim de fazer bem às almas, mostrando quanto sofro
por amor de Jesus e das almas. Foi só por isto que me expus a tais
sofrimentos.
Quando
o meu Director espiritual me falou em ser examinada pelos médicos,
foi para mim um grande tormento, uma grande barreira que se levantou
em minha alma. Queria sofrer escondida, que só Jesus soubesse do meu
sofrimento. Mandava a obediência. Calei-me e tudo aceitei por Jesus.
Faltavam os médicos para completar o meu calvário. Alguns foram
verdadeiros algozes que no meu caminho encontrei.
Resolveram que fosse ao Porto. Custou-me muito a convencer-me,
devido ao estado em que me encontrava. Temia não poder fazer a
viagem e, ao convite do médico assistente, respondi-lhe: «Então o
Sr. Doutor, em 1928, não consentiu que eu fosse a Fátima e agora que
eu tenho piorado tanto quer que eu vá ao Porto?» Sua Exa. disse-me:
«É verdade que não consenti, mas agora queria que fosse.»
Perguntei-lhe se o meu Director espiritual sabia do caso e, como me
afirmaram que sim, cedi ao pedido.
No dia
6 de Dezembro de 1938, pelas 11 horas, fui tirada da minha cama para
uma auto-maca. Naquela manhã, fui muito visitada por pessoas amigas
e em quase todas via lágrimas nos olhos, assim como nas pessoas da
minha família. Eu procurava alegrar a todos, fingindo que nada
sofria. Foi dolorosa a minha viagem, pois foram precisas três horas
e meia para chegar ao Porto. Parámos inúmeras vezes.
No
Porto, no consultório do Sr. Dr. Roberto de Carvalho, tirei a
radiografia e por ele fui tratada com todo o carinho. Disse-me
assim: «Ai minha menina, quanto sofres!»
De lá
fui transportada para o Colégio das Filhas de Maria imaculada, onde
me trataram muito bem. O que mais me custava era sofrer os ruídos da
rua, chegando por vezes quase a perder os sentidos. Lá, fui
examinada pelo Sr. Dr. Pessegueiro, exame este que só serviu para
maior sofrimento meu.
No
regresso a casa, voltei a ter uma viagem penosa. Quando me encontrei
no meu quartinho, vi-me cercada de várias pessoas amigas. Em 26 de
Dezembro de 1938, fui visitada e examinada pelo Sr. Dr. Elísio de
Moura, que me tratou cruelmente, tentando sentar-me numa cadeira com
toda a violência. Como nada conseguisse, atirou-me ara cima da cama,
fazendo várias experiências que me fizeram sofrer horrivelmente.
Tapou-me a boca, atirou-me contra a parede, fazendo-me dar uma forte
pancada. Vendo-me quase desmaiada, disse-me: «Ó minha Joaninha, não
percas os sentidos!».
Sem
querer, chorei, mas todas as minhas lágrimas ofereci a Jesus com os
meus sofrimentos, que foram muitos, pois o que digo nada é do muito
que passei. Tudo lhe desculpei, porque ele vinha em missão de
estudo.
SEGUNDO
EXAME DA SANTA SÉ
– Em 5
de Dezembro de 1939, recebi a visita do nosso Sr. Abade, acompanhado
pelo Ex.mo e Rev.mo Senhor Cónego Vilar que, depois de me ser
apresentado, ficou a sós comigo. Falámos de várias coisas de Nosso
Senhor cerca de duas horas, para depois entrarmos verdadeiramente no
assunto que o trouxe aqui. Sua Reverência disse-me assim: «A
Alexandrina deve estranhar a minha visita, não me conhece…»
Sorri-me e respondi-lhe: «Eu sei com certeza ao que V. Reverência
vem aqui.» Ao que ele disse: «Diga, diga, Alexandrina.» Então disse
eu: «Vem de mando da Santa Sé», pois era o que eu sentia na minha
alma nesse momento. Sua Reverência confirmou, dizendo: «É isso
mesmo.» E apresentou os documentos que tinham vindo de Roma. Fez-me
várias perguntas a que respondi. Não falei da crucifixão, mas
falou-me ele, dizendo: «Parece que há mais qualquer coisa que se
passa há meses…», apontando a Paixão, mostrando desejo de vir
assistir, como veio logo na primeira sexta-feira seguinte.
Falando
disto ao meu Director espiritual, este aconselhou-me a que lhe
falasse com toda a franqueza. Visitou-me quatro vezes, mas só duas
foram obrigatórias. Se não me engano, logo da primeira vez disse-me:
«Olhe, Alexandrina, gostava de há muito a ter conhecido, mas não
queria ter vindo como vim.» Confiou-me o segredo da sua partida para
Roma, pois naquela ocasião só era sabedor o Sr. Arcebispo.
Como me
sentia muito bem a conversar com ele e como tinha toda a licença do
meu Director espiritual, falámos muito, mesmo muito de Jesus, porque
sentia-me como que mergulhada num abismo de santidade e sabedoria, o
que raras vezes me acontece, mesmo com sacerdotes. Disse-lhe que não
falava assim com outros senhores Padres, porque não era feitio meu,
mas sim pela confiança que nele sentia. Sua Reverência respondeu-me:
«Faz muito bem, Alexandrina, em nada dizer porque, se lhes dissesse,
eles não a compreenderiam.»
Chorei
quando Sua Reverência se despediu de mim na partida para Roma.
Prometeu escrever-me de lá, dizendo-me que ficaria a ser a sua
intercessora na terra. Recebi algumas cartas dele em que mostrava
ter em mim inteira confiança. Respondi-lhe, e ajudámo-nos mutuamente
com orações a Nosso Senhor.
OPINIÕES DO POVO. NOVOS TORMENTOS
– Jesus
ia-me pedindo mais sacrifícios. Com os exames médicos e da Santa Sé,
foi-se o caso tornando mais conhecido. Era um martírio para mim!
Queria viver escondida de todos!
Apesar
de a minha família não me contar o que a meu respeito diziam lá
fora, muitas vezes sabia como comentavam a minha vida. Coitadinhos
dos ignorantes que tantas mentiras diziam! Afirmavam que a minha ida
ao Porto tinha sido para receber mensalmente uma tença (mensalidade)
que o Sr. Dr. Oliveira Salazar ficaria a mandar-me. Para uns era de
500$00, para outros de 300$00 e 200$00. Tanto valia desfazer as
mentiras como nada. Eles ficavam sempre na sua.
Outros
diziam que fui tirar o «retrato de santa», isto é, avaliar a minha
santidade por meio de uma máquina. Minha irmã disse (para desfazer
essa ideia): «Se isso pudesse ser, também eu queria tirar esse
retrato para ver no ponto em que estava.»
Que
pena tenho que as coisas do Senhor sejam tão mal compreendidas!...
Outros
então diziam que todos os senhores Padres que me visitavam andavam a
pedir esmolas por essas freguesias fora para me darem, e portanto
que não me faltava nada.
Diziam
que eu talhava o ar, fazendo de mim bruxa, que era corpo aberto;
chegando várias pessoas a aproximar-se de mim para fazerem várias
perguntas, como se eu adivinhasse. Falavam-lhes muito serenamente,
fingindo não as compreender, mas, quando insistiam comigo,
respondia-lhes: «Eu não adivinho, nem ninguém adivinha. Nós não
temos o direito de penetrar nas consciências alheias. Isso é só para
Nosso Senhor.»
Quando
me contavam o que diziam a meu respeito, eu fingia não sofrer, mas
sofria amargamente e respondia: «Eles falam de mim? É porque têm que
dizer. Eu não tenho; deixai que falem para eles. Que Nosso Senhor
lhes perdoe, que eu também lhes perdoo. Falam, falam e falarão. Não
há quem os cale: uns contra mim, outros a favor de mim.»
E assim
o tempo ia passando. |