O MEU ENTERRO
– Os
meus desejos são que o meu enterro seja pobrezinho. Quero que o meu
caixão seja de forma a não ser muito bom, nem muito fraco, para não
chamar a atenção de ninguém. Quero ir vestida de branco, como
«Filha
de Maria», mas muito modesta. Porém, sei que tenho um vestido muito
bom, melhor do que era minha vontade: ofereceram-mo e, como não
tenho vontade própria, por ser mais perfeito, aceito tudo o que me
quiserem dar.
Se não
for proibido pela Santa Igreja, quero no meu caixão muitas flores.
Não porque as mereça, mas sim porque as amo muito. Se fosse por
merecimento meu, nada tinha e nada levaria.
A minha
vontade é ir para a terra, sem caixão de chumbo. Também não quero
ofício, porque minha mãe não tem posses para isso.
No
trajecto do meu enterro, queria o máximo recolhimento. Causa-me dó
presenciar e ouvir a maneira como se fazem os acompanhamentos
fúnebres.
Não
quero autópsia; basta o meu corpo em exposição, enquanto viva, às
consultas dos médicos.
A MINHA CAMPA
– Quero
ser enterrada, se puder ser, de rosto virado para o sacrário da
nossa igreja. Assim como na vida anseio estar junto de Jesus
Sacramentado e voltar-me para o sacrário as mais vezes possíveis,
quero depois da minha morte continuar a velar o meu sacrário e
manter-me voltada para ele. Sei que com os olhos do meu corpo não
vejo o meu Jesus, mas quero ficar assim para melhor provar o amor
que tenho à Divina Eucaristia.
Quero
que a minha campa seja rodeada de plantas chamadas martírios, para
assim mostrar que os amei na vida e os amo depois da morte. A
entrelaçar com os martírios quero roseirinhas de trepar, mas
daquelas que têm muitos espinhos. Amo e amarei durante a vida os
martírios que Jesus me dá e os espinhos que me ferem e amá-los-ei
depois da morte e quero-os junto de mim, para mostrar que é com
espinhos e com todos os martírios que nos assemelhamos a Jesus, que
consolamos o Seu Divino Coração e que salvamos as almas, filhinhas
de todo o Seu Sangue. Que maior prova de amor podemos dar a Nosso
Senhor senão sofrendo com alegria tudo o que é dor, desprezo e
humilhações?! Que maior alegria podemos dar ao Seu Divino Coração
senão dando-Lhe almas, muitas almas por quem Ele sofreu dando a
vida?!
Quero
também ao cimo da minha campa uma cruz, e junto dela, uma imagem da
querida Mãezinha. Se puder ser, gostava que uma coroa de espinhos
envolvesse a cruz. A cruz é para sinal que a levei durante a vida e
amei até à morte. A Mãezinha é para mostrar que foi Ela quem me
ajudou a subir o caminho doloroso do meu calvário, acompanhando-me
até aos últimos momentos da minha vida. Confio que assim será. Ela é
Mãe, e como Mãe não me deixará sozinha no último transe da minha
vida.
Amo a
Jesus, amo a Mãezinha, amo o sofrimento, e só no Céu compreenderei o
valor de toda a minha dor!!!
QUARENTA DIAS PASSADOS
NA FOZ (1943)
– Para
satisfazer os desejos e vontade do Sr. Arcebispo Primaz, mais uma
vez me sujeitei a uma nova conferência, que se realizou no dia 27 de
Maio deste ano. Quando me comunicaram isto, novo sofrimento se
apoderou do meu espírito, mas como visse em tudo só a vontade
santíssima de Deus, aceitei, como sempre, por obediência, pois o que
mais me custava era o ter de me sujeitar a mais um exame médico.
Quando me disseram o dia em que os médicos vinham, pedi com todo o
amor à minha querida Mãe do Céu que me desse a calma precisa para
tudo suportar com coragem e resignação, pois era por Jesus e pelas
almas que a tudo me ia sujeitar.
No dia
combinado, compareceram o meu médico assistente, Sr. Dr. Manuel
Augusto Dias de Azevedo, o Sr. Dr. Henrique Gomes de Araújo e o Sr.
Dr. Carlos Lima. Quando chegaram junto de mim, eu encontrava-me na
maior serenidade e calma. Nosso Senhor tinha ouvido e acedido ao meu
pedido! As primeiras palavras de um dos médicos foram para saber se
eu sofria e por quem oferecia esses sofrimentos; se sofria contente
e se ficaria satisfeita, se Nosso Senhor de um momento para o outro
me tirasse esses mesmos sofrimentos. Respondi que realmente sofria
muito e que oferecia todos estes grandes sofrimentos por amor de
Nosso Senhor e para conversão dos pecadores. Novamente me
perguntaram qual era a minha maior aspiração e eu respondi: «É o
Céu!» Então disse-me se eu queria ser uma santa como Santa Teresa,
Santa Clara, etc., e subir às honras do altar, deixar nome como
esses grandes do mundo. «É o que menos me preocupa!»
Querendo tirar-me a confiança em Deus, propôs-me o seguinte: Se para
salvar os pecadores fosse necessário perder a própria alma, que
faria? «Eu tinha toda a confiança que no fim de salvar as outras, a
minha seria salva também; mas, se no fim perdesse a minha, então,
não, pois nem Nosso Senhor seria capaz e pedir uma coisa dessas... E
ainda digo mais: prometi a Nosso Senhor os meus olhos, que é o que
tenho de mais querido no meu corpo, se isso fosse necessário para
converter Hitler, Staline e todos os outros causadores da guerra.»
— E por
que não come?
— Não
como porque não posso, sinto-me cheia, não tenho necessidade de
comer, mas sinto saudade da comida.
Depois
começaram a fazer o exame médico, que eu suportei sempre bem
disposta. Foi muito rigoroso, mas, ao mesmo tempo, tiveram cuidado
com o meu corpo.
No fim
resolveram — visto eu não estar em condições de fazer a viagem —
mandar para cá duas religiosas para se certificarem da veracidade de
eu não me alimentar.
Quando
eles se ausentaram, Nosso Senhor fez-me sentir que a resolução que
eles tinham tomado não ia ter realização e fiquei à espera de
notícias que me trouxessem nova maneira de pensar dos médicos.
A 4 de
Junho, veio cá o médico assistente, juntamente com o meu confessor
ordinário, comunicar-me a resolução dos médicos e convencer-me, e à
minha família, para eu ir para o Refúgio da Paralisia Infantil, num
quarto particular, estar lá um mês, para verificarem, mais de perto,
tudo o que em mim se passava. Eu respondi imediatamente que não, mas
logo me arrependi do que tinha dito e da obediência devida, e disse
que sim, porque não queria desobedecer ao Senhor Arcebispo, deixar
mal situados o meu Director e o médico assistente, e todos aqueles
que tanto se têm interessado por mim. Pus, porém, umas condições:
1) de
poder receber a Jesus todos os dias;
2) de
minha irmã me acompanhar sempre;
3) de
não ter mais exame nenhum, porque ia para observação e não para
exame.
Durante
aqueles dias que cá estive, pedi a Jesus e à Mãezinha que me dessem
forças e coragem para ser a coragem dos meus, que se encontravam
desolados. Quantas vezes, durante a noite, com o coração oprimido e
as lágrimas a bailarem-me nos olhos, eu pedia a Jesus que me
ajudasse, pois parecia-me que me iam faltar as forças e via-me sem
coragem para mim, quanto mais para dar aos outros!
Chegou
o dia 10 de Junho, em que estava tudo preparado para a minha partida
para a Foz. A amargura que se apoderou de mim era enorme, mas, ao
mesmo tempo, sentia uma coragem tão grande que com ela podia
encobrir o que ia na minha alma. Confiava tanto em Jesus, e estava
tão convencida do seu Divino auxílio que até julgava, que, se
necessário fosse, Jesus enviaria os seus próprios anjos a ajudar-me
no exílio onde ia encontrar-me. Quando o médico chegou junto de mim,
não teve coragem para me dizer que era preciso partir, mas eu
disse-lhe então: «Vamos! quem não vai não vem.»
Então
começaram as despedidas. Só Nosso Senhor sabe quanto me custou esta
separação, pois todos os meus vieram abraçar-me e beijar-me cheios
de dor. Eu só olhava para o Sagrado Coração de Jesus e para a
querida Mãezinha a pedir-Lhes que me dessem coragem e forças.
Ao
descer as escadas na maca, disse-lhes para os animar: «Coragem! Tudo
isto é por Jesus e pelas almas!» Não pude dizer mais nada, tal era o
aperto que sentia em meu coração e seria impossível conter as
lágrimas. Era isso o que eu não queria, não por mim, mas para não
ser causa de maiores dores para os meus. Quando fui posta na maca,
rodeada por mais de cem pessoas, via as lágrimas nos olhos de quase
todos, ouvia os gritos de minha mãe e mais pessoas de família. Era
indizível a minha dor. Era ansiada (sic) de partir, mas
partir depressa. O meu coração pulsava com tanta força que parecia
arrancar-me as costelas. Nessa ocasião disse a Jesus: «Aceitai, meu
Jesus, todas as pulsações do meu coração, por Vosso amor e para
salvação das almas.» |