9 de Novembro
O que penso
sobre a guerra e a minha confiança em Deus.
Quando me
falam da guerra e do perigo em que Portugal está, sorrio a tudo, pois o
meu coração redobra de confiança chegando a dizer a Jesus: Jesus, confio
em Vós! E digo para quem me fala: Não será tanto assim,
Nosso
Senhor é de infinita misericórdia! Não é porque nós merecemos mais do
que as outras nações. Não têm os pais muitas da vezes as suas
predilecções para com um dos seus filhos? Assim acontece com Nosso
Senhor.
Muitas
vezes estas conversas faziam-me sofrer pelo que ouvia do mundo e pelo
que sentia de Nosso Senhor e ouvia, quando ele me dizia repetidas vezes:
“Confia, confia, minha filha”.
Temia
muitas vezes ser o demónio, mas os efeitos dele não se faziam sentir na
minha alma. Ao ouvir as palavras “confia, confia, minha filha”, sentia
muita paz e força capaz de vencer a guerra.
Chegou-me
aos ouvidos que o Santo Padre tinha sido preso, e eu não me convenci
disso, tomei por confusão do povo. Desde pequenina que rezo pelo Santo
Padre, mas desde há muito que venho rezando mais, compadecida do muito
que ele sofria. Agora que ouço isto, rezo mais. Apoderou-se de mim uma
dor tão grande e uma compaixão por ele que por vezes me parecia não
resistir. Sentia na minha alma um luto, como quando morre um pai de
família que deixa todos os seus filhos órfãos. Os dias foram passando e
nesta luta constante não me canso de oferecer a Jesus todos os meus
sofrimentos e por eles peço a paz. Queria aliviá-lo e confortá-lo,
libertá-lo de todo o seu sofrimento e não sabia como.
Um dia,
depois de comungar, senti um grande desejo de escrever a Sua Santidade.
Sem poder resistir a ele, disse para minha irmã: Vou escrever ao Santo
Padre. Dá-me a caneta e o papel. E tratei de o fazer, pedindo a Nosso
Senhor toda a luz e força e de novo ofereci o sacrifício que fazia.
Escrevi o seguinte:
Santíssimo Padre:
Sei que
nestas horas trágicas que passam pela humanidade, depois de Jesus, o
coração que mais sofre é o de Vossa Santidade. Jesus sofre porque é
ofendido, e Vossa Santidade sofre por ver o mundo em guerra, em ódios,
em crimes. Ai, quanto sofre também o coração da mais pobre, da mais
miserável e indigna das vossas filhas por não livrar o Coração divino de
Jesus dos crimes da humanidade, para não ser mais ferido, e por não
poder aliviar dor tão dolorosa e profunda que aniquila e trespassa o
coração do meu querido Pai espiritual e pai de todo o mundo!
Ó meu
querido Paizinho, eu nada valho, eu nada posso, sou pobrezinha e
miséria, mas Jesus pode fazer-me forte e poderosa e é com Jesus e com a
querida Mãezinha que estou ao lado de Vossa Santidade para com os meus
sofrimentos o ajudar a levar tão pesada cruz.
Queria
beijar a terra onde Vossa Santidade põe os pés, queria andar de rasto
por onde quer que passasse o meu querido Paizinho como sinal da minha
dor por o ver sofrer e do meu profundo respeito.
Coragem,
coragem, Santíssimo Padre, Jesus não falta, a força vem do Alto! A
guerra acaba, a paz reinará entre os homens, mas sempre com dor e
sacrifício e o reinado de Vossa Santidade continuará sempre por entre
espinhos, mas Jesus nunca faltará com toda a sua graça e amor para o meu
querido Paizinho poder subir alegre tão doloroso calvário. Foi ele quem
escolheu tão terno filho para pai de todos nós, para nos dar as santas
luzes do divino Espírito Santo. É triste o reinado na terra, por causa
da malícia dos homens, mas será alegre e glorioso no Céu, como prémio de
tanta dor e de tanto amor a Jesus.
Santíssimo Padre, sou uma filha vossa, doente há vinte e seis anos e
paralítica há quase dezanove. Esta minha carta representa um enorme
sacrifício, pois estou deitada na cama, com o meu pobre corpo
trespassado das mais agudas dores, mas é uma prova de amor, santo amor
ao meu querido Santo Padre.
Ai, meu
Pai, se fosse possível eu dizer quanto sofro no corpo e na alma! Que
triste e dolorosa tem sido a minha vida! É só alegre com os olhos em
Jesus. Pai, meu Pai, dai-me a vossa bênção apostólica, suavizai a minha
dor, tende dó de mim e perdoai-me o meu atrevimento. Eu não tomei
conselho com ninguém, pois já vai para dois anos que não tenho director.
Manda quem pode e obedece quem deve. A bênção, a bênção, meu Pai, e o
perdão para o mal escrito, mas eu não sei escrever melhor.
Nunca
esqueço Vossa Santidade, nem na terra, menos no Céu. Eu não sei falar
para o meu querido Paizinho. Perdão, perdão!
Sou a
pobre
Alexandrina Maria da Costa.
11 de Novembro
Depois de
lhe escrever, fiquei mais aliviada, cheguei até a sentir contentamento,
mas pouco duradouro. No dia seguinte ao que mandei para o correio,
depois de comungar, era enormíssima a dor que sentia por Sua Santidade e
era grande a minha preocupação a respeito das manobras e exercícios
militares e apesar de toda a minha confiança, causava-me sofrimento o
que ouvia dizer, e dizia a Nosso Senhor sem pensar, sem pensar obter
qualquer resposta: Ó meu Jesus, libertai o Santo Padre, dai paz ao mundo
inteiro, dai, meu Jesus! E Nosso Senhor respondeu-me:
― Sim, sim,
minha filha, dou a paz, dou a paz, e em breves dias. Confia, Jesus não
te engana.
E depois
continuava eu:
― Ó meu
Jesus, meu Jesus, livrai Portugal da guerra! Nós não o merecemos, mas
compadecei-vos de nós! Livrais, meu Jesus, livrais Portugal?
― Sim,
minha filha, Portugal é livre, não entra em guerra; não tenho eu a
crucificada deste calvário ao lado da minha bendita Mãe a sustentar o
braço do Eterno Pai?
Passada
cerca de uma hora, ouvi dizer que estaríamos entregues aos franceses e
que mataram o Santo Padre. Ao ouvir esta notícia, senti tão grande dor
que o meu coração pareceu estilhaçar-se; fiquei sem poder respirar, sem
poder falar e sem poder orar. Com os olhos fitos no Coração de Jesus,
dizia com o pensamento: Valei-me, Jesus, valei-me! Mãezinha, não me
deixeis vacilar! Oferecia a Nosso Senhor todo o sofrimento para que o
Santo Padre fosse libertado, persuadida de que não tinha morrido e que
não era verdade o que se dizia do nosso querido Portugal.
Foi um dia
de tremenda luta. Eu pedia a Nosso Senhor que me mandasse alguém que me
pudesse confortar, porque não queria ofendê-Lo com o meu desânimo.
Passaram-se horas de grande agonia. Sentia-me no meio de uma tremenda
tempestade que tudo destruía com a maior fúria e eu sem ter quem me
acudisse. Fitava Jesus, fitava a Mãezinha, pedia todo o auxílio do Céu.
Nosso Senhor veio confortar-me dizendo:
― O Santo
Padre não morreu. Vive ainda, a sua missão continua.
Repetiu-me
por várias vezes muito no íntimo do meu coração:
― Confia,
confia! Jesus não te engana.
Porém, o
demónio, não satisfeito de me ver sofrer sem do meu sofrimento tirar
resultado, enraivecido, repetia-me frequentemente:
― Portugal
em guerra, Portugal em guerra!
Dizia-me
com tanta raiva que me fazia sentir pavor. Figurava-se-me que ouvia
tocar vários sinos pelo Santo Padre; qualquer ruído, pareciam-me já
peças de artilharia em Portugal. Com tudo isso, conservei-me sempre
firme na confiança de Jesus. Isto passou-se em 14 de Outubro de 1943, e
no dia 10 do mesmo mês Nosso Senhor tinha-me dito pouco mais ou menos o
que disse no dia 14. No dia seguinte, apesar de me dizerem que tudo era
falso, sentia momentos de grande temor, pois esperava por alguém que me
dissesse que era realidade. Maldito demónio que tentava tirar-me a paz e
fazer perder a confiança naquele que não engana nem pode ser enganado!
Chegou o meu confessor e esforçou-se por me sossegar, o que só na
confissão conseguiu. Sempre desejosa de orar pelo Santo Padre, fazia-o
sempre, mas foi diminuindo dia a dia aquela dor que por ele sentia.
4 de Dezembro – Primeiro
sábado
— O teu
coração, minha filha, é o palácio real da realeza divina, é o trono mais
belo e encantador que Eu encontrei na terra. É um foco atraente que
atrai para Mim os pecadores. É um fogo ateador que ateia os corações e
as almas sequiosas do meu amor. Quisera Eu que o mundo bem depressa
conhecera a consolação que dás ao meu divino Coração e ao da minha
bendita Mãe! Consolas-Nos; dás-Nos a maior das alegrias. Amas-Nos com o
amor mais puro e perfeito. Reparas os crimes de milhões e milhões de
pecadores. Como és encantadora aos olhos da Santíssima Trindade! Ó bela,
ó bela, ó amor do amor divino.
Olha, minha
filha, os homens não se apressam a dar o brilho que Eu desejo à minha
causa, mas Eu estou contigo. O seu desleixo será punido, a recompensa
será o castigo.
Diz, minha
filha, diz, minha esposa querida, diz ao teu Paizinho: o meu divino amor
nele está cada vez mais. Amo-o, amo-o verdadeiramente. Dou-lhe a graça
de atrair para Mim as almas, dou-lhe a graça de as incendiar no meu
divino Amor. Diz-lhe que é com dor, que é com mágoa que Eu afirmo: os
meus castigos vão continuar sobre a Companhia. Têm lá tantas almas que
me desgostam, tantas que não são perfeitas como quer e exige o meu
divino Coração! Não têm a minha caridade, escandalizam as almas. Se eles
olhassem para as minhas ameaças, se atendessem aos meus pedidos, não
teriam sido tão castigados. Eu velo, eu velo pelos que são meus. Eu velo
pelos que Me amam.
Diz, minha
filha, diz ao teu médico que a fidelidade dele às minhas graças, a
fidelidade dele aos meus desejos é a minha alegria; que seja firme em
cuidar da minha causa. Coloquei-o ao teu lado para te amparar e
defender, porque assim defende-Me a Mim. Chovem graças, chovem bênçãos
sobre ele e todos os seus, sobre os queridos do seu coração.
Tem
coragem, meu encanto, não desanimes no teu martírio, não desalentes no
teu calvário!
Só assim os
pecadores são salvos, só assim o mundo recebe as graças desejadas.
Vives no Purgatório, a barreira que te separa. Fui Eu que assim
permiti. Agora já não estás no mundo, vives como se não vivesses. O
teu tormento é inigualável. Nunca o dei a nenhuma alma.
Queres
consolar-me, minha filha? Queres continuar nesta dor?
— Tudo, meu
Jesus, tudo que Vós quiserdes! O meu anseio é não viver sem Vos dar
consolação um momento só, meu Jesus. Viver para Vos consolar, viver para
Vos salvar as almas, é a minha aspiração.
— Coragem,
então, filhinha! Se soubesses quanto bem vai fazer às almas, quando
souberem o tormento que te foi dado!
O teu
espírito morreu para o mundo, a tua vida é a vida das almas no
Purgatório, mas não estás a sofrer só por ti.
Depressa,
depressa a dar a conhecer ao mundo quanto elas sofrem! Depressa,
depressa às almas minhas amadas a libertá-las!
Recebe o
amor, todo o amor do teu Jesus, as carícias celestes.
— Ó
Mãezinha, muito obrigada. Ó Mãezinha, abençoai, beijai e orai por mim a
Jesus! |