9 de Setembro
Depois
de receber o meu Jesus, foi-me por um pouco suavizada a dor da minha
alma e o meu Amado concedeu-me juntamente
uma maior intensidade de união, que já ontem sentira, com todas as
pessoas que eu amo e que nestes últimos tempos me odeiam. Ao mesmo
tempo dizia-me Nosso Senhor:
— União
pura, união santa, união divina na terra e no Céu. Dá, minha filha,
a quem o merece (Padre Humberto Pasquale) os meus
agradecimentos e os de Maria, o meu amor e o de Maria.

“Olhai
esta pequenina luz quase apagada; acendei-a, Jesus, fazei-a reviver.”
Coragem, filha amada, sobre o Calvário! Quero vê-lo regado com todo
o teu sangue. O sangue que lava e purifica as almas.
Voltei
logo às dores dolorosas do corpo e da alma.
15 de Setembro
Oh, meu
Deus, a tempestade não acalma! Tende dó de mim; vede como estou
ferida. Tentam arrancar-me dos Vossos braços. Prendei-me, Jesus,
prendei-me; não consintais que de Vós me separem. Perder tudo, tudo
o que é da terra, mas possuir-Vos a Vós, Jesus.
Ai de
mim, sinto-me abandonada, sozinha, sozinha, sem ter por quem chamar,
sem ter a quem recorrer.
Ó
Jesus, ó Mãezinha, ouvi-me Vós, ouvi o brado da minha dor. Eu quero
amar os Vossos Corações Santíssimos, mas ai de mim, não sei o que é
amor, desconheço-o, parece-me que não existe no mundo.
Compadecei-Vos das minhas ânsias, dai-me o amor que desejo; de Vós
espero, Jesus, para Vós e para a Mãezinha o quero.
Deixai-me perder em Vós, deixai-me enlouquecer: embriagai-me,
embriagai-me nas Vossas chamas divinas.
Jesus,
quero-Vos, Jesus, busco-Vos, vou ceguinha à procura de Vós. Para
Vós, Jesus, os meus suspiros, a minha vida que sinto desaparecer,
que sinto perder.
Ai, meu
Jesus, quatro dias são passados sem eu Vos receber. Olhai a minha
alma que está faminta, morre de fome, Jesus!
Vinde
Vós, com o Vosso alimento; perco a vida porque me faltais Vós, que
sois a vida da minha dor.
Olhai
esta pequenina luz quase apagada; acendei-a, Jesus, fazei-a reviver.
Olhai a
minha alma, Jesus, vai louquinha a procurar-Vos aos Vossos
sacrários, quero receber-Vos, quero possuir-Vos.
Estais
nos sacrários, Jesus, deixai-me ir ao Vosso encontro, deixai-me
viver aí.
Deixai
a minha dor, já mais que moribunda, deixar junto de Vós o seu último
sopro de vida.
Ó meu
Jesus, ó meu Amor, não ter nada, não ter ninguém por mim, ouvir só
os horrores da tempestade, sentir os sofrimentos causados pelas
criaturas custa muito, Jesus; mas passar sem Vos receber custa mais,
muito mais: não posso, não resisto, vinde a mim.
Ó
Jesus, que pobreza a minha, que miséria, que dor! Não confio nas
minhas palavras, não confio em nenhum dos meus sentimentos. Que
horror, que horror, que grande maldade!
Sem
poder estender meus braços, é em espírito que os estendo sobre a
minha cruz. É de braços abertos, com os olhos em Vós que, alegre,
recebo tudo o que me dais. É em espírito, Jesus, que uno os meus
braços para estreitar e prender para sempre tudo o que me fere, tudo
o que é cruz.
Amo,
amo, Jesus, tudo o que vem das Vossas divinas Mãos; amo sem conhecer
o amor, amo sem o possuir. Amo nesta doce esperança, amo nesta
confiança: sou de Jesus, só a Ele pertenço, só quero o que Ele quer.
Jesus
quer ser amado, há-de, portanto, fazer que eu O ame.
Confio,
confio, espero em Vós, meu Jesus.
27 de Setembro
Meu
Jesus, não posso viver aqui. Continuam as minhas ânsias. Quero
amar-Vos, quero morrer de amor. Morro por Vos dar almas. Quero
vê-las todas, todas dentro do Vosso Coração. Tudo isto é nada,
Jesus, nada para mim. Não encontro no mundo satisfação nenhuma.
Quero
agradecer-Vos os Vossos benefícios (refere-se à Comunhão que lhe
foi levada pelo Padre João Pravisano, salesiano) e nada sei
dizer-Vos, nada sei agradecer-Vos.
Se ao
menos, Jesus, eu pudesse acreditar nos sentimentos que me dais, se
pudesse convencer-me que as minhas ânsias são Vossas e os desejos
que tenho de Vos amar Vos pertencem, mas nada disso.
Não
vejo, não sinto senão a dor e essa mesma desaparece. Vai perdendo a
sua vida por completo. Dolorosos são os sentimentos da minha alma.
Ouvi o
meu brado, os terríveis combates do inimigo. Parece-me, Jesus,
quando Vos chamo, quando invoco o Vosso divino amor e da querida
Mãezinha, que não sou ouvida. Sinto o meu brado ficar abafado no
montão de cinza do meu pobre corpo que já não é um cadáver como há
pouco sentia, mas cinzas, só cinzas, meu Jesus. Parece-me estar já
num cemitério e quando, no meio da agonia da minha alma, imploro o
auxílio do Céu, esse brado, em vez de subir ao alto, perde-se
abafado nesse montão de cinza e na cinza de outros cadáveres que
jazem no cemitério em que me encontro, cuja extensão eu não sei
medir.
Tende
dó, Jesus! Vede quanto sofre a minha pobre alma. Não caibo em mim de
dor. Não cabe em mim o meu coração em ânsias de Vos amar e voar para
Vós.
Não
digo bem, meu Jesus, este coração não é o meu, não sei a quem
pertence. Aonde está ele, ó Jesus, a quem pertence ? Tudo morreu,
Jesus, tende dó de mim!
A minha
vontade é a Vossa, só Vossa, bem o sabeis, bem o sabeis, meu Amor.
Vede que sou miséria, que sou nada e nada posso sem Vós. Vede lá,
Jesus, não me falteis, Jesus, espero em Vós, confio em Vós.
A luta
é tremenda, não me bastam as vezes que oiço a Vossa doce voz a
infundir-me coragem e a dizer-me que é por Vós, que é para Vos
consolar. Quero mais, Jesus, necessito de mais, muito mais. O
demónio lança-me em rosto que é só para minha satisfação que eu me
submeto aos tratamentos mandados por Vós e pela obediência. Ainda
que fosse pelo mundo inteiro, Vós o sabeis, ó Jesus, eu não me
submeteria a um só tratamento.
O
demónio aparece-me em diferentes alturas do dia e da noite em forma
de homem acorrentado pela cinta; outras vezes em forma de leão
também então preso, mas pelo pescoço, fingindo assaltos tremendos,
mas sem conseguir tocar na minha pessoa. Sinto-me ao pé dele como
uma criança que está aterrada, mas que não mede o perigo que podia
causar.
Sob a
forma de homem cospe na terra e me insulta a fingir nojo por mim;
outras vezes bate palmas e dá gargalhadas a fazer troça por
sentimentos maldosos que ele julga e quer convencer-me terem-me
levado aos tratamentos; outras vezes ainda toma atitudes provocantes
a convidar-me ao mal. Desde o começo destas perseguições sinto o meu
corpo rasgado, as minhas entranhas e o coração como que a sair
violentamente do meu ser.
O meu
brado a Jesus, o meu único brado contra o inimigo é: Meu Jesus, sou
a Vossa vítima.
Nestas
alturas, o demónio, em forma de leão, redobra os uivos e os assaltos
e, quando em forma de homem, pronuncia as palavras mais indecentes
contra a minha pessoa, a do médico e a de outras pessoas.
Depois da
Sagrada Comunhão:
Sentia-me tão desanimada, tão abatida e nada sabia dizer a Jesus.
Esforçava-me por repetir muitas vezes: Ó meu querido Jesus, meu
Amor, ó meu querido Amor, eu sou Vossa. Passaram-se alguns momentos
sem eu nada mais dizer a Nosso Senhor. Veio Ele :
― Gosto
tanto, minha filha, consola-me tanto, minha pomba amada, o tu
dizeres-me: “Meu Jesus, meu querido Amor, eu sou Vossa!” Que
alegria, que consolação e que glória para Mim!
Repete-o muitas vezes. Coragem, ó minha amada! Não temas os assaltos
do demónio. Tem coragem! Só assim, pedindo-te este sacrifício, Eu
posso ser reparado de tão graves crimes.
Dá-me
tudo o que te peço para glória minha e salvação das almas. Foi por
isso que te escolhi o médico muito querido do meu divino Coração.
Diz ao
meu querido Padre Humberto que ele foi escolhido por Mim para vir
junto de ti. Não venho com a pressa que ele quer para seu estudo,
mas depois de receber as minhas divinas luzes, quero que ele vá
junto do teu Paizinho e querido do meu divino Coração (P.e
Mariano Pinho), para quem mando todo o meu amor, e em união com
ele ampararem e defenderem a minha divina causa, ajudados com
aqueles que são amigos meus e cuidam dela e daquilo que é meu.
Vai,
filhinha, dar ao meu querido Padre Humberto a abundância do meu
divino Amor, dá-o aos que te rodeiam e amparam: são todos queridos
meusDiz ao meu querido Padre Humberto que o perfume, é perfume
divino, é o perfume das tuas virtudes. Digo isto, porque ele precisa
para o estudo dele.
Neste
colóquio com Nosso Senhor, por duas vezes me senti obrigada a
deixá-Lo, chamada por quem me estava ao lado, com a impressão de
quem desperta de um sono... esforçada, mas sem ligar a quem a
chamava... Senti-me obrigada a ajoelhar, levantar as mãos ao Céu
para assim melhor louvar a Nosso Senhor. Sentia umas ânsias de me
desfazer em fogo divino e nesse amor infundir os corações e as
almas, mas com abundância maior nessas que Jesus chamou queridas do
Seu divino Coração. Jesus repetia palavras de loucura, de amor por
mim.
O
demónio, durante os tratamentos, continua a estar longe de mim.
Sempre sinto a união com Nosso Senhor; durante esse tempo, ainda
mais me sinto unida a Ele. Hoje, nesse transe, senti como que uma
aragem acariciadora e Jesus disse-me:
― Paz,
paz, a minha paz, minha filha, é contigo. Eu estou bem unido a ti:
só a tua força não me separa de ti.
Senti
em mim um novo alento, embora por poucos instantes.
28 de Setembro
Sentia
hoje o demónio ao meu lado, e dentro em mim sentia ânsias
insuportáveis de amar a Jesus, de Lhe dar almas, conhecê-Lo e
fazê-Lo conhecer. Louca por amor, repetia: Jesus, Jesus, amor, amor!
No meio
disto, não podia conter as lágrimas em sentir a minha miséria, o meu
lodo em que vivi, e me causava horror a lama em que vivi.
Nada
valiam as minhas ânsias, tudo perdidoSentia-me num cemitério imenso,
e a minha dor quase sem vida, mesmo como se ela já não estivesse a
mexer-se, apenas coberta de cinzas, lembrando-me aqueles bichos que
nos pinhais fazem a sua casa sob os montõezinhos de terra... e da
madeira moída.
No meio
disto, é sempre a minha oferta a Jesus como vítima e receio sempre
de O ofender. É um combate tremendo quase contínuo.
Vivo
sem viver, sofro sem sofrer, amo sem amar.
29 de Setembro
Nesta
manhã veio Jesus baixar a esse cemitério, juntou-se aos bichos,
cobriu-se com as mesmas cinzas. Tudo era morte dentro de mim. Morte
que se misturava como que a um gemido de toda a humanidade. Jesus
não deu em mim sinal de vida. Fiquei em trevas tristes, numa dor
amargurada. As almas, as almas, o amor de Jesus obrigam-me a tudo
sofrer.
Já
sinto a amargura em mim da partida do Sr. Padre Humberto que tanta
luz e conforto tem dado à minha pobre alma. Sinto-me humilhada e
abatida; não sei como hei-de agradecer a Jesus o benefício de o ter
feito chegar junto de mim. Peço à Mãezinha que me ajude na minha dor
e por mim dê o meu agradecimento a Jesus por tantas graças
recebidas.
*****
Nota
– O P.e Humberto Pasquale assumiu a direcção da Alexandrina no dia 8
de Setembro. O cuidado com recolha dos sentimentos da alma vai agora
redobrar. Só nos três meses finais do ano de 1944 encherão quase 50
páginas. |