20 de Julho
Jesus,
poderá ser, será possível a morte falar, o coração de um cadáver sentir
saudades do Céu e ânsias, ânsias de voar para Vós, louco, louco por se
esconder, por se perder na imensidade do Vosso divino Amor?
Jesus,
Jesus, é a minha dor que Vos fala, é ela que vive, é uma dor que nos
fala, é ela que vive, é uma dor que nela se encerram todas as dores.
Jesus,
sinto que o meu corpo já não é um cadáver no qual os vermes da terra
ainda não penetraram, um cadáver que, depois de alguns dias ter baixado
ao túmulo, pudesse ainda ser reconhecido. Não, meu Jesus, não, nem
cinzas tenho, tudo desapareceu.
Ó meu Deus,
que morte a minha, que eternidade perdida! Escutai, Jesus, tende
compaixão, olhai para mim, lede na minha dor! É por Vós, é pelas almas.
Aguentai com o peso que me causou a morte, vede que sem Vós não resisto
a tantas saudades do Céu e com tantas ânsias de Vos amar não posso estar
aqui.
A noite não
tem estrelas, não há sol. Ó dor, ó dor, só tu vives, só tu vives, só tu
vives, mas não amas, não amas a Jesus, não vives para Jesus.
Ouvi,
Senhor, o meu brado! Chegue até Vós o meu clamor! Que será de mim, meu
Deus, que será de mim sem Vós.
Ó luta, ó
luta, ó tremenda luta!
Jesus, há
um ano que terminou o meu martírio na Foz (refere-se à casa de saúde
onde foi verificado o seu jejum): acabo de relembrar nestes quarenta
dias tudo que lá passei. Tendes em conta, Jesus, tão doloroso martírio?
Eu não voltei à Foz, mas quase posso dizer que sofri tanto como quando
lá estive. Fizeste, ó meu bom Jesus, que tudo se renovasse: o meu sangue
ia-se espalhando gota a gota pelo solo; revivi tudo, Jesus. Tomai conta
de toda a minha dor e, pelas almas, fechai o inferno.
Fazei que
eu Vos ame e Vos faça amado: tenho fome de Vos dar o mundo inteiro.
Ai, meu
Jesus, e as saudades de me alimentar não sou eu, não é o meu corpo que
sente fome e sede, pois eu já não existo, mas é um coração, é uma alma
como se fora a minha que sente essa fome e essa sede! Ouviste, meu
Jesus, que este tão duro penar me obrigou a dizer: dava tudo, dava o
mundo, dava a vida, se fosse possível, só por uma pequenina alimentação.
Que ânsias,
que ânsias, meu Jesus, de tudo possuir, para tudo dar! Estou louca,
estou louca, Jesus, quero amar-Vos, quero dar-Vos almas.
Jesus,
depois de tudo isto, não sei o que é dor, não sei o que é sofrer, tudo
desconheço, nada me pertence. Lançai para mim os Vossos divinos olhares,
que quero fitar para sempre os meus em Vós. Tende dó, Jesus, tende
piedade.
27 de Julho
Trevas da
noite, horrores da morte!
Continua,
Jesus, o brado da dor; escutai, é ela que chora, é ela que grita pelo
Vosso socorro.
Jesus, é
dor que sente dor, é dor que outra vida não tem a não ser a dor: tudo
mais, meu Jesus, tudo mais baixou ao túmulo, passou para a eternidade.
Não vejo luz; parece-me, ó meu Deus, que nunca conheci a luz, não sei o
que é luar, o brilho do sol, nem o cintilar das estrelas. Não sei o que
é a vida nem o amor de Jesus.
Ó meu Deus!
Como pode ser este estado que tem vida e tem coração que sente, e que
sente ele? Sente que foi rasgado e trespassado por dura lança, sente que
não pode ser mais ferido, sente que depois de estar assim tão maltratado
que ainda houve corações que lhe cravaram com outra dura lança fazendo
lembrar a Mãezinha das Dores. Grande crueldade e ingratidão! E o que
tenho sido eu para Vós e para a Mãezinha?!
Mas, mais
ainda, a minha dor tem olhos que choram lágrimas de sangue e choram
continuamente na maior das amarguras, tem pés, tem mãos para ser
crucificados, tem cabeça para ser coroada de espinhos até penetrar os
ouvidos, invadindo a dor todo o corpo.
Jesus,
estou num sobressalto, não sei o que pressente a minha dor. Ai, que
horror, tudo é tempestade, ameaças, ouço zunir os ventos, os ecos dos
trovões terríveis, ameaças de destruição: tudo fugiu espavorido e eu
sozinha no meio do mar, sem barco, sem leme e sem luz, prestes a
afundar-me para sempre no abismo do mar!
Horror!
Horror! A tempestade rasga as nuvens, o Céu abre-se e revolta-se contra
a terra. Meu Deus, meu Jesus, que me espera ainda?
Em Vossos
santíssimos braços me entrego.
1º de Agosto
Escutai,
Jesus, a minha dor quase moribunda. Duro golpe lhe foi dado!
Ó dor, ó
dor que matas a dor, ó dor que só por Jesus podes ser conhecida!
Com os
olhos em Vós, Jesus, as calúnias, as humilhações, os desprezos, os
ódios, o esquecimento têm a doçura do Vosso Amor. Venha tudo, ó Jesus,
venha tudo o que Vos aprouver.
Morra o meu
nome, como sinto que morreu o meu corpo e a minha alma, para que viva o
Vosso divino Amor nos corações e a Vossa graça nas almas. Eis, meu
Amado, porque me deixo imolar.
Mas como
resistir a tanto? Ó Jesus, olhai este coração que rebenta, desfaz-se em
dor, não pode com tanto aperto se não vindes em meu auxílio.
Vinde,
vinde, ó Jesus! Socorro, socorro, Jesus! Querem privar-me de tudo, até
me ameaçam de eu ficar sem Vos receber, proibindo o Senhor Abade de vir
junto de mim a não ser em perigo de vida, isto no caso de eu não
obedecer.
Obedeço,
obedeço, meu Jesus, com a Vossa divina graça! XE "Obediência, como eu
te amo" Ó santa obediência, como eu te amo por Jesus e pelas almas!
Lançaram-me
a público sem consentimento meu, de nada soube; e agora, meu Jesus,
querem à custa da minha dor apanhar as penas que o vento tão furioso
espalhou. Como, Jesus, como?
Ai, nunca
mais, meu Jesus, nunca mais. Oh, quem me dera viver escondida; ai, quem
me dera amar-Vos como tanto desejo, ser Vossa, meu Jesus, a mais não
poder ser, mas perdoai, ó Jesus, perdoai-me: sem ter esta vida assim!
Ai, quantos
que nada desta vida conhecem e são santos, e eu, meu Jesus, cheia de
misérias!
Oh, que
saudades dos anos que já lá vão! Tantos colóquios tive convosco e sem
que nada se soubesse! Dava vidas, meu Jesus, dava mundos para viver
escondida.
Perdão,
Jesus, querer, não tenho vontade.
Meu Deus,
se eu soubesse que com o meu sofrimento a Vossa consolação era completa!
Se eu pudesse viver fechada neste quartinho, sendo Vós, meu Jesus, e
estas pobres paredes testemunhas das minhas dores, sem que os meus e
todos os que me são queridos pudessem recordar que eu vivia aqui e que
em dia algum da vida eu tenho vivido na companhia deles, então já não
sofria. Mas vejo que quem sofre mais é o Vosso divino Coração, e que os
que me são queridos sofrem comigo, não podem esquecer-me: então faz-me
sofrer a mais não poder.
Quantas
vezes não posso conter as lágrimas, cega, cega de dor!
Vem-me ao
pensamento: é mais perfeito não chorar, Jesus fica mais contente. Fito
os meus olhos no Crucificado, levanto-os ao Céu, fico por algum tempo a
contemplar Jesus e logo as lágrimas, que me pareciam nunca mais ter fim,
estancam: sinto vida nova.
Meu Deus,
que luta tremenda! Ai de mim sem Vós! Jesus, Mãezinha, valei-me: sou a
Vossa vítima! Ó Santa Teresinha, Santa Gema, ó São José e santos meus
queridos, valei-me! Ó Céu, ó Céu, conto contigo.
Nunca, meu
Jesus, me deixeis cansar, nunca deixeis parar meus lábios repetindo
sempre: amo-Vos, Jesus, sou a Vossa vítima.
Dêem-me os
homens a sentença que quiserem, não importa. Dai-me Vós, ó Jesus, a
sentença de vencerdes em mim e de eu Vos amar e Vos dar almas.
Jesus, não
vejo o meu passado nem o presente, vejo só o futuro; vejo o meu sangue
correr por entre espinhos; entre uma noite tremenda e escura, vai a
minha dor que tem vida caminhar por entre ele, banhar-se, ensopar-se
nele.
Ó meu Deus,
que tormento; não sei dizer-Vos o que sinto: sofro e a dor desaparece à
medida que vou sofrendo. Nada me pertence e morro de dor, Jesus, e tenho
sede de mais dor.
Jesus, só
Vós me compreendeis : tenho fome, tenho sede, morro, morro, ó Jesus!
10 de Agosto
Jesus, olho
para um lado, olho para outro, não vejo ninguém; temo e tremo: ai que
pavor! Não cessa a luta, vejo por entre a escuridão o meu sangue correr
e a dor quase moribunda segue o seu caminho. Sangue e dor, morte e
eternidade.
Escutai, ó
Jesus, ouvi, ó Mãezinha: é uma dor agonizante, não há quem se compadeça
da minha dor. Olhai, olhai, ó Jesus, vede-a ensopada em sangue.
Jesus,
Jesus, não me deixeis sem Vos receber: perder tudo, tudo, mas comungar;
perder tudo, mas possuir-Vos!
Ao ouvir lá
fora risos como de quem goza uma grande alegria, sem eu querer, quase
sentia saudades de gozar dessa alegria também.
Meu Deus,
que vida tão mal compreendida! Se não fosse o amor de Jesus, se não
fossem as almas, não estava sujeita aos juízos dos homens, não tinha que
lhes obedecer.
Estes
pensamentos passavam rápidos como um relâmpago. E sentia-me como que
obrigada a trocar todas as alegrias pelo amor de Jesus. Jesus, Jesus é
digno de tudo. As almas, as almas!
Este
pensamento vibrou dentro de mim, acendeu uns desejos mais firmes de
caminhar por entre espinhos, banhada em sangue, só em sangue. Deu-me um
conhecimento claro do que é Jesus e do que é o mundo.
Meu Deus,
levanto-me aqui para cair além. A luta continua. Sinto saudades da minha
crucifixão das sextas-feiras, mas tenho horror aos êxtases. Temo as
sextas (-feiras), temo os primeiros sábados, temo qualquer dia ou
hora, meu Jesus, em que Vos dignardes falar-me.
Não será
isto perfeito? Tende pena, tende dó. Temo a minha fraqueza, temo
vacilar, horroriza-me o sofrimento, mas confio em Vós. O meu querer é o
Vosso, só o Vosso, meu Jesus.
Que estou
aqui a fazer ? Não permitais que eu seja a desgraça das almas.
Preocupa-me tanto dizer-se que só certas coisas são precisas para
tranquilização delas.
Ó Jesus,
espero em Vós, confio em Vós. Sossegai a minha pobre alma.
Passaram-se
algumas horas. Ia alta, bem alta a noite. Tudo em casa estava em
descanso, só a minha dor, a minha tremenda luta continuava. Veio de
repente Jesus, estreitou-me em chamas de amor.
— Dá-me a
tua mão, minha filha. Não te prometi Eu levantar-te do teu
desfalecimento? Anda para os braços da tua Mãezinha, vem tomar conforto.
Senti-me
logo nos braços da Mãezinha e como uma criancinha lancei meus braços ao
seu pescoço. Ela apertou-me docemente e acariciou-me cobrindo o meu
rosto de beijos. Eu não sei se chorava se não, mas sentia que chorava.
Ela limpava-me com o Seu santíssimo manto as lágrimas e dizia-me:
— Não
chores. Consola comigo o teu e meu Jesus: Ele é tão ofendido! Anda, toma
coragem!
E Jesus a
meu lado dizia-me:
— A tua
dor, minha filha, o teu martírio arranca das garras de Satanás as almas
que ele com tanto furor Me roubou. O inferno está fechado; é a raiva
dele. Coragem: a tempestade passa! Recebe graça, recebe amor e a luz do
divino Espírito Santo.
E sobre um
trono riquíssimo vi o divino Espírito Santo em forma de pomba, deixando
cair sobre mim, lá do alto onde estava, raios dourados e à espécie de
fitinhas de várias cores e cheias de brilho. Tudo isto era belo e
luminoso. Fiquei mais forte. Pouco depois, numa doce paz, adormeci. |