Fevereiro
Senti a
minha alma desprender-se da terra e subir mais alto, ficando a vivificar
o meu corpo, que ficou cá em baixo, como que uma corrente eléctrica que
servia de união entre os dois. Este desprendimento custou
imenso
ao meu corpo, cujosolhos se fitavam em Jesus crucificado para alívios
das suas dores. No entanto, à minha alma sentiu-se no regaço da
Mãezinha, sustentando comigo o seu divino Filho morto.
Este facto
deu luz à minha inteligência, dando-me a conhecer que o que Jesus me
prometera a 15 de Agosto de 1943 ter-se-ia realizado não na forma que eu
julgava mais natural, isto é, que eu teria ido para sempre para o Céu,
mas que iria para voltar.
Esta luz
não foi impressão de um momento, mas sim uma nova transformação que se
operou em mim e que me obrigou a dizer que certamente não teria morrido,
mas que Jesus referia-se com certeza a este novo estado da alma.
Convenci-me
de tal forma que nunca mais pensei dar-se, no dia marcado por Jesus, a
morte real.
13 de Maio
Nova
transformação na minha alma. Morreu por completo aquele pequenino sopro
de vida. Já não sinto aquela respiração que de longe a longe sentira.
Vive em mim a dor e essa de toda a qualidade e espécie. Morri, morri
para o mundo e para as criaturas. Tudo baixou ao túmulo para ficar para
sempre sepultado.
Meu Deus,
que horror! Já não vivo, só vive a minha dor amada, só vive o meu
inexplicável martírio. Poderá ele, sem a minha vida, dar a vida às
almas? Poderei ser ainda útil à humanidade? Ó Jesus, ó Jesus, posso
assim amar-Vos e consolar o Vosso santíssimo Coração?
Pobre de
mim! Depois do ódio e do abandono, depois do esquecimento, do desprezo,
baixei à minha sepultura, já vivo na eternidade e sem que me désseis o
meu Paizinho e sem ter de novo aqui a Santa Missa. Nunca mais, meu
Jesus; nunca mais posso ter alegria, a não ser com os olhos em Vós.
Podem de novo dar-me tudo o que me roubaram, sinto que para mim tudo é
morte e que já é tarde para me ser restituído aquilo que eu mais amava e
estimava depois de Vós, ó meu Jesus. Ai a Santa Missa! O meu director
espiritual! E tudo mais, meu Jesus, tudo mais! Que horror! Como resistir
a tanto? Não fui eu, meu Amado, fostes Vós em mim, foi o Vosso Amor.
Obrigada, meu Jesus! Continuai a dispensar-me, dai-me força.
A minha
eternidade não tem luz: é uma eternidade que não Vos ama, que não Vos
louva, que não Vos vê, que não Vos goza. Tremenda eternidade. Não ver a
Jesus é uma eternidade de morte.
Só a dor
triunfa sobre a morte. É o que vivo na eternidade que eu sinto. Seja
qual for o estado da minha alma, Jesus, apressai-Vos, cumpri as Vossas
santas promessas. Eu espero, eu espero, confiada por Vosso amor. Dai,
Jesus, dai a vida às almas com a minha morte, com a minha eternidade.
Dai-lhes a Vossa eternidade; dai-lhes o Céu, o Céu, ó Jesus.
29 de Maio
Estava em
grande aflição e, depois de receber a Jesus, desabafava com Ele mas sem
contar obter resposta. Mas Ele, bom como sempre, dignou-se aliviar-me:
— Diz,
minha filha, à tua irmãzinha que estou a ver até que ponto chega a
confiança dela em Mim. Ela desempenha junto do teu Calvário o papel que,
junto do meu, desempenhou minha Bendita Mãe. Diz-lhe que muito espero
dela. Se assim não fosse, não a associava tanto ao teu martírio.
E,
referindo-se a quem tanto nos fazia sofrer, disse:
— Vá, tende
coragem. Satanás está raivoso, estende sobre Vós as suas garras
infernais. Confia, ele não vence. Ela é uma insensata: usou para Vós com
a maior das ingratidões, mas perdoai-lhe de todo o vosso coração, assim
como Eu lhe perdoo. Se soubesse quanto sofro! Recebe-me friamente, por
hábito, por rotina. Que mágoa para o Meu divino Coração!
16 de Junho
Foi no dia
16, festa do Sagrado Coração de Jesus. Não posso esquecer: Jesus,
repetidas vezes, tinha confirmado o que me tinha dito e prometido no
princípio da minha crucifixão, que era um prémio de eu me deixar
crucificar, que estavam as portas do Inferno fechadas desde o meio-dia
da sexta [-feira] até à meia-noite do domingo, da meia-noite de sol.
Quando o meu Jesus deu por terminada a minha crucifixão, ou antes,
quando mudou a forma de me crucificar, eu continuei a lembrar a Nosso
Senhor em todas as sextas-feiras, à hora de costume, que continuasse a
ter fechadas as portas do Inferno, porque me julgava com o mesmo
direito. Pois fostes Vós que me negastes a crucifixão, e não fui eu a
negá-la, disse eu. Veio Nosso Senhor, pegou em mim e colocando-me nos
braços da Mãezinha, disse-me :
— Minha
filha, minha filha, vem descansar e tomar conforto nos braços de tua
Mãezinha. És acariciada e acalentada por Jesus e por Maria.
Sentia
então as carícias de Um e de Outra.
— És
embalada pelos Anjos.
Vou
dizer-te, minha filha, os dias que tens mais à tua conta para estar o
inferno fechado. Dou-te a quinta-feira de tarde em honra da minha
Eucaristia e pelo amor que tens a Ela e pelo que Me levou a ficar preso
aí, passando assim à sexta-feira de manhã. Dou-te a quarta-feira de
manhã em honra do meu querido pai São José, a quem tu tanto amas. Ó
minha filha, quanto eu desejo vê-lo amado! Olha, minha filha, quero,
exijo que digas que quem tiver a ele devoção firme e constante não Me
ofende gravemente a ponto de se perder.
Pedi mais a
Nosso Senhor que me desse duas horas da segunda-feira e da terça-feira:
não escolho horas, Jesus, mas quero que sejam aquelas que mais almas
tiverem que cair no inferno.
— Sim, meu
encanto, dou-te tudo, pelo amor com que te deixas crucificar.
25 de Junho
Foi ao cair
da tarde, já o sol estava quase a estender-se na noite, mas para mim não
tinha havido sol nem dia: tudo era noite. O desânimo, o abatimento, a
luta constante que sentia na minha alma eram quase insuportáveis. Meu
Deus, antes o inferno do que perder-Vos! Que hei-de fazer a isto? Jesus,
Mãezinha, valei-me, não me deixeis cair.
Ó meu Deus,
ó meu Deus, o Céu parece não existir. Continua a luta e o tormento das
dúvidas e de nada vale o meu brado pelos Santos. Confio, Jesus, confio,
Mãezinha, mas o tempo passa, para mim não há socorro, sinto abandono da
terra e do Céu. Jesus, Jesus, pobre de mim! Não quero enganar-me nem
enganar ninguém.
Nova prova
de amor de Jesus: veio Ele levantar-me do abismo das trevas e da morte.
Toma-me em seus divinos braços, inclina-me ao seu divino lado, dá-me a
beber o seu Sangue do seu divino Coração. Que maravilha! Que bondade
infinita! Sentia o Sangue do Coração de Jesus passar para mim com toda a
abundância. E Jesus, cheio de doçura, ia dizendo-me:
— Coragem,
minha filha, toma conforto. O meu divino Sangue, a minha Carne são o teu
alimento e a tua vida.
Jesus
encheu-me, ressuscitou-me: raiou o dia, brilhou o sol e aqueceu-me com
os seus raios. Já o mundo nada podia contra mim. Oh, como é bom Jesus, e
que ingrata sou eu para com Ele!
3 de Julho
Não sei se
devido ao meu sofrimento, fiquei em grande prostração e quase como que
esquecida que O [Jesus] tinha recebido. Ó meu Deus, que estado o
da minha alma!
De repente,
vi Jesus à minha frente, pregado na cruz, e logo desapareceu. Se morta
me sentia, morta continuei : a vida parecia não existir para mim.
Passaram-se uns momentos.
De novo
veio o meu Amado, mas desta vez cheio de encantos. É o Coração
Santíssimo de Jesus. O seu divino Rosto era tão belo ! Tudo era brilho,
tudo era luz ! Aproximou-se de mim e segredou-me ao mesmo tempo que me
entregava o seu divino Coração com uma grande chaga da qual saía uma
enorme chama doirada que podia incendiar e queimar todo o mundo :
— Guarda,
minha filha, em ti o meu divino Coração para que os pecadores não possam
mais feri-lo.
Não sei
como o Coração do meu Jesus infundiu-se em mim. Perde-se em mim e eu
nele. Oh, como é grande o amor de Jesus!... Que transformação a da minha
alma! Já tinha vida, coragem e força para caminhar.
Ó
sofrimento, como és doce quando és levado por amor de Jesus. Mas ai,
quanto custa querer consolar e não poder, guardar o seu divino Coração
para satisfazer os seus santíssimos desejos e não saber como. Pobre
Jesus, a quem entregais o Vosso Coração para guardar?! Aonde, Jesus, o
poderei esconder para não ser mais ferido? Eu sou miséria e podridão.
Transformai-me, purificai-me e depois entrai em mim. Amo-Vos e sou
Vossa. |