14 de Novembro
Para
ditar os sentimentos da minha alma tenho que fazer violência sobre
mim mesma. Parece-me que vou esforçada para o lugar do martírio, que
deveras me atemoriza. Mande-me a obediência, custe o que custar,
Jesus, aceitai mais este sacrifício.
Que
dias angustiosos tenho passado. Não encontro Jesus nem a Mãezinha,
por mais que os chame e vá à sua
procura.
São variados os meus sofrimentos. Em algumas horas anda o meu
espírito a vaguear pelos ares sempre por entre as trevas mais
aterradoras sem encontrar onde poisar para descansar um só momento.
Quer subir, subir, chegar ao Céu, mas não vê, não o encontra, já não
existe. Não está lá Jesus nem a Mãezinha, não ouvem o brado que os
chama, não vêem as ânsias nem o martírio deste pobre espírito. Ó meu
Deus, tudo perdido ! Ó Jesus, para que é tanto sofrer ? JÉ não há
Céu, nem almas para salvar, tudo de
ixou de
existir. Ó Jesus, sou sempre a Vossa vítima. Confio na Vossa
existência, confio no Céu onde estais e que a mim me espera para Vos
amar e gozar. Tristes horas, tristes dias os do meu viver. Ó
santíssima Vontade do meu Jesus, quero-te, amo-te, abraço-te num
abraço eterno. Transforma-se a minha agonia. Horas horrorosas de
triste confusão.
Morre a
minha alma. Ó horror, ó horror, tremendo horror ! Meu Deus, como é
isto ! Morreu a minha alma, morreu tudo o que me pertencia ! Foram
as misérias, as maldades, os crimes vergonhosos do meu pobre corpo
que lhe causaram a morte. Sem alma, sem vida, sem nada como posso eu
estar aqui ? A quem pertence esta dor, esta agonia ? Não sei, Jesus.
Ai, que triste confusão, é quase um desespero. Ó Jesus, ó Mãezinha,
o que será de mim se não vindes em meu auxílio ? Se me faltais Vós,
quem poderá acudir-me ? Sangue de Jesus, dores da Mãezinha, sede a
minha força neste martírio ; estou nele por Vosso amor, estou nele
pelas almas. Não posso conformar-me com a morte da minha alma ;
sinto querer revoltar-me contra Vós. Lembro-me os condenados do
inferno. O que será este martírio toda a eternidade ?
Horas
da noite alerta numa união contínua com Jesus. As suas prisões de
amor são as minhas prisões, sempre consumida em ânsias de o amar.
Tudo em silêncio e eu com Ele. Não estais só, meu Amor, eu estou
convosco, amo-Vos, sou toda Vossa. Com uma lâmpada a arder, fito o
Coração Santíssimo de Jesus e a Mãezinha querida ; peço-lhes
bênçãos, graças e amor para mim, para os que me são queridos, até
para o mundo inteiro, por todos os quero amar. Falta-me a coragem,
não tenho amor, e amar a quem ? Aterram-me as minhas misérias. Que
vergonha, que confusão ! O peso das humilhações cai sobre mim. A
minha alma sente as censuras, os rumores das tempestades lá ao
longe. Caminho a custo, atemorizada. Espinhos sem conta, uma chuva
deles caiem sobre mim. Alma, coração e todo o corpo ficam
dilacerados, banhados em sangue. Olhei para trás, não vi o passado,
todos os caminhos que trilhei desapareceram. Meu Deus, que
destruição ! Á minha frente uma medonha montanha ; impossível, não
posso subi-la, não posso recuar atrás nem ao menos um passo. De
repente, senti-me cair de joelhos, de mãos postas, olhos no alto
invoquei o nome de Jesus e da Mãezinha. Gritei, gritei do íntimo da
minha alma. O meu brado não subia acima, escondia-se por entre os
rochedos da montanha, ensopava-se no meu sangue e nas minhas carnes
retalhadas pelos espinhos para ali morrer comigo. A agonia da alma
aumentou, já não podia bradar. Sem sentir nenhum auxílio, com a
aflição o coração bateu com tanta força parecendo-me ir perder a
vida. Oh ! É bem doce, meu Jesus, morrer por Vós ! Ou amar-Vos ou
morrer. Sofrer, sofre para Vos dar almas ! O divino Espírito Santo,
nas horas mais aflitivas bate as suas asas brancas e grandes como as
de uma águia fazendo-me sentir uma aragem suavíssima e animadora.
Com o bico grande introduze-lo no meu coração como para o retocar e
fortificar. Num destes momentos segredou-me Jesus muito do íntimo :
― “Estou aqui, minha filha, no paraíso do teu coração, no ninho das
minhas delícias. Sofre contente, que é para Mim”.
Reanimei um pouco, parta quase logo desfalecer. As minhas comunhões,
por maior esforço que eu faça, não são aquilo que eu desejo ; não
amo como queria amar, não sei falar a Jesus. Quando dum lado e do
outro vêm novos golpes a ferir-me, quando as provações uma e outra
vez vêm bater-me à porta, caio desfalecida. De repente levanto os
meus olhares para Jesus e digo-lhe :
― É
assim que eu aceito e quero o que Vós quereis. Como sou fraca,
Jesus, tendo dó, a minha grande miséria é digna de compaixão.
Retomo
as forças e dou mais uns passos para diante. O demónio não me tem
atormentado com os seus ataques, mas atormenta-me com as suas
mentiras e com palavras escandalosas. Vem perto de mim como para me
assaltar, ameaça-me :
― Hei-de destruir o teu corpo ― e acrescenta muitas coisas feias.
Pecas como queres e quando queres.
Fingindo-se satisfeitíssimo bate palmas, dança e dá gargalhadas.
― Olha,
fulano e fulano não voltam cá, abandonaram-te ; julgavam-te uma
inocente e és... (e diz-me o que há de pior).
Com
novas gargalhadas diz-me :
― Proibiram-nos de vira aqui.
― Meu
Jesus, não me deixa o pai da mentira ! É meu inimigo, mas também é
Vosso. Necessito de amparo, dai-me coragem, não me deixeis pecar.
Sou pobríssima, dai-me a Vossa riqueza ; sou ceguinha, dai-me a
Vossa luz. Sou Vossa, Jesus, e sou das almas.
15 de Novembro
Voltaram os ataques do demónio. Nestas noites veio ele com toda a
raiva e furor. Atormentou-me deveras. O que ele me fazia sentir no
corpo não o digo aqui. Dizia-me :
― Olha
como estás, que esposa de Jesus ! Renuncia a isso. Diz-lhe que não
és sua esposa. Olha que Ele tem nojo de ti, não te quer.
Nomeava-me o nome de várias pessoas com palavras muitíssimo feias e
dizia-me que era com elas que eu queria pecar. Queria instruir-me no
pecado.
― Vou
consumir-te durante a noite. Hei-de destruir teu corpo. Podes viver
do prazer como vives do amor. Pecar é muito melhor ! Hei-de levar-te
ao prazer.
A
dançar, a dar gargalhadas, dizia-me :
― Olha,
o Padre Humberto e o médico não voltam cá : foram proibidos de virem
aqui. ― E acrescentava nomes feios.
O
demónio às vezes também fala verdade. O pressentimento do Rev.mo
Senhor Padre Humberto estar proibido de cá vir já eu o tinha há
dias. A luta seguiu-se por espaço de muito tempo. Ele fazia tal
ruído mais forte do que uma tempestade. Assustava-me. Estava cansada
de tanto lutar. Sempre que podia chamava por Jesus e pela Mãezinha e
dizia-lhes :
― Não
quero, não quero pecar !
Veio
Jesus em meu auxílio. Disse-lhe :
― “Aparta-te, maldito, vai para o inferno, deixa a minha vítima, já
estou contente com a sua reparação”.
Ele
fugiu espavorido. De longe a longe olhava para trás, revoltado
contra Jesus. Fiquei tão triste ! Ao principiar a minha preparação
para comungar, veio-me ao pensamento a luta passada. Atemorizei-me.
Ai ! Como hei-de receber o meu Jesus ? De repente, tudo esqueci ;
pude recebê-lo e ficar muito unidinha a Ele. Horas depois, ao ver os
meus com alimentos que eu tanto gostava, senti saudades quase
insuportáveis de me alimentar com coisas que me soubessem. Calei-me,
não disse nada, ofereci a Jesus o meu sacrifício e as minhas
saudades para reparar por aqueles que só têm saudades do pecado e se
alimentam com coisas que ofendem a Jesus. Era já quase noite, recebi
notícias que mais me fizeram acreditar nos sentimentos da minha
alma. Meu Deus, que golpe profundo no meu coração. Não me foi dito,
mas levou-me a crer que havia proibição do Sr. Padre Humberto vir
junto de mim. Eu dizia :
― Faça-se a vontade de Nosso Senhor. O que Deus quiser ; bendita
seja a minha cruz.
Pude
erguer as minhas mãos, rezei o Magnifiact em sinal de agradecimento.
― Ó meu
Jesus, aceitai, mais tenho que Vos oferecer.
Senti
uma força em meu coração que não sei explicar. Queria cantar e
entoar hinos de louvor e agradecimento a Jesus. Rezei as orações da
noite com todo o entusiasmo e força. Haviam lágrimas, muitas
lágrimas junto de mim. Disse algumas palavras de conforto sem nada
adiantar ; via a meu lado uma sepultura aberta para minha irmã,
parecia-me ter sido eu quem cavei a terra, quem lha abri. Jesus, sou
eu quem estou a sepultar minha irmã, mas é sem querer. O coração
então sangrava de dor, mas sangrava profundamente. Ó Jesus, ó
Mãezinha, tudo por Vosso amor e pelas almas. Fique eu sozinha,
deixem-me todos, mas não me deixeis Vós. Confio, confio.
16 de Novembro
Ó meu
Deus, que tremendas são as minhas lutas com Satanás. Tanto me faziam
sofrer as minhas dúvidas e ainda agora mais outras causadas por ele.
Veio furioso contra mim. Que ruídos assustadores à minha volta. Usou
das suas malícias infernais, fez que eu sorrisse ao pecado e às
pessoas cúmplices nele. Não lhe dei palavra. Chamava por Jesus
sempre que podia, jurei-lhe não o querer ofender.
― Amar-Vos, amar-Vos, meu Jesus, esconder-me em Vós, em Vós
desaparecer para sempre ; sou a Vossa vítima : amar-Vos sempre,
pecar não.
O
cansaço da luta levou-me às portas da morte. E o demónio sem
compaixão usava das suas maldades cada vez mais furioso. Tantas
coisas que desconheço, tantas que nem por um só momento me vieram ao
pensamento. Lança-me tudo em rosto pondo-me por a mulher mais
desgraçada do mundo. Esgotada de tanta luta, senti no coração uma
dor como se me dessem uma facada. O coração que tanto tinha
palpitado de aflição deixou de respirar, ia perdendo a vida. Não vi
Jesus nem o ouvi ; senti na minha alma a sua divina presença. Fez
com toda a autoridade ao demónio sinal para ele se retirar ; e ele a
uivar fugiu desesperado. Ele não chega a tocar-me, ser-se das suas
manhas. São tão grandes e tão graves, meu Deus, se o mundo as
conhecesse não Vos ofendia tão gravemente.
Terminada a luta, ficaram as dúvidas, tremendo receio de ter pecado.
Um susto se apoderou de mim. Com os pressentimentos que tinha que
tanto me faziam sofrer, espero com ansiedade o Sr. Abade, a ver se
ele me dizia que lhe tinham dado ordem para não voltar a dar-me
Jesus. Chegou e nada disse, mas o receio continua. Virá ainda isso,
meu Jesus ? Tudo me roubam, só faltais Vós. Também tentarão
retirar-Vos de mim ?
― Ó meu
Deus, tudo mereço pelas minhas maldades e misérias. Eu estou certa,
meu Jesus, confio que se assim procederem, Vós suprireis por outra
forma ; bem sabeis que só vivo para Vós.
Chegou
o Sr. Padre e uma família de Mogofores. Custou-me muito ; novos
espinhos me feriram ao ver que não vinha aquele que tão bem
compreendia a minha alma. Procurei esconder a minha dor com o
sorriso. Manifestei os meus pressentimentos. Procuraram esconder o
mais que puderam. Compreendi tudo. Na despedida, não sei dizer que
dor, que golpe tão profundo. Senti em mim umas santas saudades pelo
roubo que me tinham feito pela maldade dos homens. Tudo entreguei a
Jesus, para todos pedi perdão e o seu divino Amor. Vontade do meu
Deus, oh ! Como et te quero e te amo ! Senti-me mais forte e assim
pude continuar a encobrir com o sorriso a dor que me ia na alma, que
me fazia despedaçar. Meu Jesus, tudo por Vós ! Vós ainda sofreis
mais ! |