30 de Novembro
Passa
um dia, passa um ano, passa outro e eu cada vez em mais sofrimentos.
Não sei como se pode sofrer assim, como se pode resistir a tanto.
Não quero dizer, nem posso dizer que sofro, pois não sou eu que
sofro, é Jesus que sofre em mim. A minha alma morreu, mas sente a
dor; sente-se rasgada, ferida e destruída. Morreu, não é minha, não
sei para onde foi. Do meu corpo até as cinzas se apagaram e
desapareceram, mas mesmo assim, sente que o coração está numa bolsa
de espinhos, é um sedeiro
deles. O mundo esmaga essa bolsa a tal ponto que só ficam os
espinhos. Nem coração, nem sangue, nem nada.

O sedeiro do qual
fala a Beata Alexandrina
Ai,
meu Deus, quanto custa esta separação da alma do corpo!
Quanto custa não ter vida e sentir dor! Tudo foge de
mim, não sinto a presença do Espírito Santo, não sinto amor a Jesus.
De longe a longe tenho ânsias de O amar; são ânsias, é um amor que
nasce para logo morrer. É um fogo que destrói amortecido, não se vê
sinal de labaredas.
Ó dor
que matas o amor! Ó dor, de quem és tu e por quem sofres?
Jesus,
estou no cimo do Calvário, pregada na cruz.
Não
cessa o meu pavor e o meu brado. Pobre de mim! Mas não é ouvido, é
abafado pelo zunir dos ventos, pela fúria das tempestades que não
cessam, continuam sempre. É abafado pelos gritos da humanidade que
contra mim se revolta.
No alto
da cruz não posso levantar os olhos para Vós, meu Jesus, tenho
vergonha e parece-me não ser por Vós também ouvida. O peso das
humilhações tudo abafa e esmaga. Sinto que perdi na terra toda a
alegria e conforto. E do Céu, meu Jesus, sinto que nada recebo
também. Quero confiar, meu Jesus, e confio, mas parece-me que da
minha Pátria nada posso esperar.
Ontem
ao receber-Vos, depois de pedir-Vos tantas coisas, ia a pedir-Vos
também o alívio da minha dor; recordei-me a tempo: não pedi. Vós que
me dais o sofrimento não podeis faltar-me com a força e graça
precisa. Consolai-Vos, então, Jesus, consolai-Vos sempre.
Ó meu
Deus, perdoai-me os meus desabafos. Num desânimo cheguei a pedir ao
meu médico se podia fugir daqui para fora, para onde nunca mais se
soubesse de mim.
Meu
Jesus, não queria sair para fugir à dor, bem o sabeis, queria fugir
para ficar esquecida, para não ser estorvo das almas, para as não
trazer em desassossego, como alguém afirma.
Eu não
peço vingança para os que me fazem sofrer, eu desejo para todos o
que desejo para mim: a maior graça, o amor maior. Não são palavras
saídas só dos meus lábios, saem-me do coração e da alma.
Sofro
da parte dos homens, sofro da parte do demónio. Que violento
combate!
Apareceu-me de noite na figura de bichos aterradores que eu
desconheço. Apareceu-me também na figura duma serpente medonha, de
boca aberta, a língua fora, rastejando pelo chão. Veio até perto de
mim, ficou retirado talvez dois palmos de distância. A par comigo
abriram-se barreiras fundíssimas, negras, assustadoras. De entre
elas abriam-se também boqueirões de fogo, labaredas negras subiam a
grande altura. No meio delas estavam muitos demónios atormentando as
almas, dando-lhes maus tratos, que o maldito na mesma ocasião com
suas manhas me dava a mim. Ele afirmava tocar-me, mas parece-me que
posso jurar que não: eram só as suas manhas infernais.
Falo
assim agora, mas no momento da luta parece-me ser verdade tudo
quanto ele diz. Por obediência quis expulsá-lo, tinha licença do
confessor para o fazer. Lembrar-me, bem me lembrei, mas fazê-lo não
foi para mim (isto é, não fui capaz, não
pude). Parecia-me que ele me obrigava a dizer:
— Quero
pecar, quero gozar.
Mostrando-me a luta das almas no inferno, dizia-me:
— É ali
que estás condenada, é ali o teu lugar. Agora pecas com esta e com
aquela pessoa.
Passado
algum tempo, já nomeava outras pessoas, sempre no meio de nomes
feios e palavras escandalosas.
Terminada a luta, já quando eu podia recorrer ao Céu, chamar por
Jesus e pela Mãezinha e renovar a oferta de vítima e dizer “Não
quero pecar, não quero pecar”, ele dançava, batia palmas e às
gargalhadas dizia:
— Não
queres pecar desde que já pecaste; desde que estás satisfeita é que
recorres a Deus.
Eu sem
lhe dar atenção repetia sempre “Não quero pecar!”
Disse-me Jesus:
— Não
pecas, não, minha filha. Posso lá consentir ser ofendido por uma
esposa minha? Alegra-te, não me ofendes, isto é a reparação que te
peço. Diz que a quero, que necessito dela.
Com a
voz de Jesus o demónio desapareceu e eu fiquei em paz, muito em paz.
Hoje
vieram novos espinhos ferir-me.
Ó meu
Deus, quantos estragos deu a tempestade que me tendes feito sentir!
Vi ao longe, vi tudo. Tanta maldade! Mas talvez sem querer,
irreflectida.
A minha
amargura chegou ao extremo: queria respirar, e não podia. Tanta
calúnia, tanta perseguição, uma humilhação contínua. Voltada para o
Sagrado Coração de Jesus, já não o via porque era noite e, se não
fosse, talvez o não visse, com as lágrimas que me bailavam nos olhos
e deslizavam pelas faces. Chorei, chorei, ao mesmo tempo que lhas
oferecia, disse-Lhe:
— Ó meu
Jesus, nunca, nunca procurei enganar criatura alguma, nunca me veio
ao pensamento fazer o bem para lhes agradar ou passar por ser boa.
Nunca me veio ao pensamento a tentação de enganar-Vos, meu Jesus.
Sei que era impossível, mas bem sabeis que nunca tal me lembrei; não
quero passar pelo que não sou. Por graça Vossa conheço a minha
miséria, sou má por minha culpa, só por minha culpa, e por Vossa
misericórdia confesso humildemente que o sou. Nunca veio ao meu
pensamento servir-me de Vós para remediar os meus males ou os dos
meus, a não ser implorar o Vosso auxílio e confiar sempre que tudo
remediáveis.
Jesus,
vede a agonia da minha alma. Estou em paz porque tudo o que Vos digo
é verdade, bem o sabeis. É a Vós que hei-de dar contas e não ao
mundo; a sentença dele só serve para fazer-me sofrer, mas não para
condenar-me.
Se eu
pudesse, meu Jesus, se eu pudesse descer da minha cama, passar a
noite no chão do soalho duro para fazer penitência e implorar as
Vossas divinas graças para todos aqueles que sofrem por minha causa!
Se eu sofresse sozinha! Custa-me tanto sofrerem aqueles que me são
tão queridos e a quem eu tanto devo pelo que têm feito por mim!
Parece-me uma ingratidão, meu Jesus. Remediai Vós tudo isto e
compadecei-Vos da minha dor; estou louca com ela, banhada em sangue,
despedaçada.
Nestas
horas de tanta angústia, posso dizê-lo, é bem verdade: venceis Vós,
vence o Vosso amor. Por mim não podia, desesperava.
Já só
com o pensamento pude rezar o Magnificat.
Tinha
tanto que agradecer ao Senhor! Foram tantos e tão grandes os
miminhos! Aceitei-os por Jesus e a Jesus os ofereci.
As
almas, as almas têm que ser salvas. Quero dar ao meu Amado esta
consolação.
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