7 de
Outubro
― Minha filha, a pureza e a candura das virgens encanta o meu divino
Coração. Sinto-me bem à sombra da tua graça, da tua pureza.
Anima-te, minha pomba bela! Só duma virgem casta e pura Eu posso
tirar tal reparação. Coragem, querida, coragem, amada, tu não pecas,
não desgostas o teu Jesus; estou contigo a
amparar-te,
está contigo a tua Mãezinha. Tiramos em ti a reparação que
desejamos. Que alegria e consolação para nós! As tuas lutas com
Satanás, permito-as Eu e exijo-as, mas só as podia exigir duma
virgem como tu, aureolada da mais heróica pureza e virtude. Olha,
minha filha, olha: oferece-mas pelos sacerdotes. São tão poucos em
Portugal os padres seculares que são puros e castos! É tão pequenino
o número! É por isso, meu encanto, que de ti exijo dois sacrifícios.
Anima-te com a palavra afirmativa do teu Jesus: não pecas, não me
ofendes. Estás no fogo mais ateado sem te queimares, sem ficares com
a mais pequenina mancha. Estás no fogo para apagares as paixões,
vives no fogo para purificares os outros. Se não fosse a ordem da
obediência que tens, as tuas lutas seriam constantes. Obedeço aos
que tu obedeces, mas necessito, meu encanto, exijo de ti tudo isto.
Nas
horas que os combates forem mais violentos é nas que as paixões
atingem o seu auge. Vê depois por quantas mais almas tens que
reparar, quantos pecadores pecam contra a pureza com toda a
gravidade. Repara, repara! É neste dia consagrado à minha Bendita
Mãe que Eu tenho estes desabafos contigo.
Diz ao
teu Paizinho que ele vai ser posto à frente da tua alma, que vai
retomar o seu cargo, levar-te à entrada do Paraíso e que lhe mando
uma enchente das minhas graças, do meu amor. Que se dê inteiramente
às almas logo, que se sinta de asas soltas, que voe, voe como a
pombinha que, depois de muito tempo presa, volta saudosa ao seu
querido ninho.
Diz ao
teu médico que continue com toda a vigilância sobre ti: necessitas
dela. Escolhi-o para isso, preciso dele para te amparar. Que cuide
de ti com todo o cuidado e amor. Que Me veja a Mim em ti, que faça
de conta que lhe apareci para ele cuidar de Mim. Não espero só para
a eternidade para lhe dar a recompensa. Já a tem sentido aqui na
terra e continuará a senti-la. Dá-lhe abundância das minhas bênçãos,
das minhas graças, do meu amor para ele e para todos os que lhe são
queridos.
Recebe, filhinha, do teu Jesus e da tua querida Mãezinha coragem
para as tuas lutas. Eu e Ela compadecemo-nos do teu sofrer.
A
Mãezinha acariciou-me, cobriu-me de beijos, encheu-me de amor com
Jesus e repetia-me:
― Coragem, coragem, minha filha querida e do meu Jesus.
― Jesus, Mãezinha, que dolorosos sofrimentos me pedis! Não tenho
coragem para dizer-Vos que não, mas tenho coragem para Vos jurar:
não quero pecar, quero só amar-Vos e dar-Vos as almas.
A
vinda de Jesus ao meu coração, que é cinza e já tão desfeita, por
pouco tempo fez brilhar a luz e suavizou a minha dor. Estou sempre
tímida e aterrada. As lutas do inimigo apavoram-me. Ele ameaça-me
descaradamente e diz-me:
— Assim pecando vais comungar? Isto não termina mais. Dizes que amas
muito à tua Mãe do Céu... olha se Ela te vem acudir. Agora estou cá
eu.
Outras
vezes finge não ser culpado de nada do que se passa. Muito sentado
lá ao longe, parece que grava em minha alma os seus olhares
maliciosos e tenta mesmo de longe escarrar-me; os escarros não
chegam a mim. Desafia-me dizendo:
— Vês
como queres tudo isso?
Bate
as palmas, dá gargalhadas. No meio da fúria, não sei porquê, de
repente ele é obrigado a retirar-se para onde eu não o veja, não o
sinta, não o ouça. Quando se retira, uiva muito ao longe,
desesperadamente.
Ó
Jesus, que vergonha a minha! Nem ao menos me atrevo a levantar os
olhos para Vós. E Vós sois tão bom, Jesus! No momento em que baixais
a mim, ao menos me deixais sentir que a gravidade do mal não é
aquela que me parece na hora do combate e em quase todo o resto do
tempo. Que vida, Jesus! Não há alegria para mim, sempre a viver no
receio de pecar. Viver sem viver, sofrer sem sofrer. Só Vós
compreendeis, meu Jesus. Tende dó. Aqui me tendes: sou a Vossa
vítima.
Que
mais vem ainda? O meu coração já há dias que sente sobre ele um
grande assalto. Tem de ser esmagado de dor. Mas se ele é cinza, como
pode ser? Que mais me dais, Jesus? Estarão mais golpes para
ferir-me? Ou será isto resultado dos assaltos de demónio? Estou
pronta, Jesus, abraço por amor a Cruz.
9 de
Outubro
O
demónio continua com os seus tremendos ataques e manhas infernais.
Influenciou de tal maneira a minha imaginação até chegar ao ponto de
julgar ter consentido nos maiores crimes e vai repetindo com
satisfação infernal, acompanhada por olhares maliciosos:
— Vês
como consentiste?
E ao
longe, sempre sentado, de perna alçada desandando a cara ao lado
como se tivesse nojo de tal coisa, escarra para o chão e vai
dizendo:
— Olha
a tua Mãezinha por quem chamas e a quem dizes que amas muito, olha
se Ela vem acudir-te...
Repete-me as palavras mais indecentes e fala-me no que há de pior:
coisas que eu desconhecia. Nos momentos de maior perigo, sinto-me
como se despertasse de um sono e é então que brado ao Céu, de alma e
coração:
— Jesus, não quero pecar! Valei-me, valei-me! Não quero, não quero
ofender-Vos! Ó Mãezinha, tende dó de mim!
Cheguei até a dizer a Jesus:
— Se
para Vos não ofender é preciso renunciar ao Céu, renuncio, Jesus, de
boa vontade, a uma eternidade de gozo para não ter um momento de Vos
ofender. Antes o inferno!
Depois
de horas seguidas, que duram umas vezes o dia inteiro ou grande
parte da noite, sinto o meu corpo prostrado a ponto de não ser capaz
a minha irmã sozinha de me erguer para o mais pequeno movimento.
Assim vou continuando arrastada sem sinal algum de vida, as minhas
cinzas a desaparecer aprofundando momento a momento na imensidade do
cemitério em que me encontro. Vou enterrando-me e sinto sobre mim
uma montanha sob a qual penetram também muitas feras diferentes,
passando sobre as cinzas que vão desaparecendo. Enterram nelas o
focinho causando em mim um sentimento de terror.
Antes
de receber a Jesus estou em grande tribulação que, causada pelo
demónio, aproveita-a para repreender-me:
— É
assim que te preparas ?
Não
sei descrever a luta que se passa em mim para tranquilizar-me e
convencer-me de que não dei consentimento. Mas Jesus chega ao meu
quarto, trazido pelo sacerdote, e uma grande paz volta à minha alma,
esquecendo completamente o que se tem passado. Pouco depois volta a
tempestade que não tenho palavra para descrever e que mal posso
esconder às pessoas queridas, que não queria ver sofrer por minha
causa.
11 de
Outubro
Ontem,
Jesus, compadecido da minha dor, trouxe junto de mim (o P.e
Humberto Pasquale) a quem eu pude abrir a minha alma e que eu
não esperava nem teria pedido. Custou-me muito; fiz um enorme
sacrifício a falar e olhando para Jesus ofereci-o por aqueles que
ocultam as suas culpas por maldade. Chorei lágrimas de alívio e de
vergonha, mas entrou logo em mim uma grande paz, desaparecendo da
minha alma toda a treva, dúvidas e tudo o que era dor. Senti uma
força que me fez levantar, cantei a Jesus e à Mãezinha pelo espaço
de uma hora e meia.
Durante a noite, vi num grande abismo de trevas um grande número de
demónios, vestidos de fogo escuro, os quais me fitavam com olhares
aterradores e ameaçadores, mas sem proferirem palavras. Por graça de
Deus, a visão durou muito pouco ficando eu muito assustada. Ao
receber hoje a Jesus, senti que Ele me estreitou fortemente e
abrasou-me em suas chamas divinas e disse-me:
— Prendo, minha filha, o teu coração ao meu. Prendo a todos os que
te são queridos! Dá, minha filha, ao meu querido P. Humberto, os
meus contínuos agradecimentos. Diz-lhe que lhe dou o meu divino amor
com toda a abundância para ele dar às almas e quero dele de cada vez
mais ânsias de se dar a elas por meu amor, porque com isso
consola-me muito.
Sinto-me hoje mais livre dos assaltos do demónio, mas sinto em minha
alma terríveis ameaças. Ele está como esteja preso e mudo.
Passou
em mim um desejo veemente de poder bradar a Jesus que O amo e ser
tão forte o meu brado que obrigasse todo o Céu a implorar de Jesus
para mim o amor que eu tanto desejo, isto é, o amor com que Jesus é
digno de ser amado. Encarrego a todo o Céu para O amar por mim.
Quantas vezes nos ataques mais violentos em que me parece consentir
no mal, mas em que o pensamento e o afecto não se afastam do meu
Jesus, sinto-me estar num lugar de martírio onde alguém me condena,
e a minha cabeça estar já separada do corpo! A minha língua, junta a
ela, enquanto o meu sangue se derrama pela terra, ela vai repetindo:
“Amo-te, Jesus, amo-te, amo-te, Jesus!”
12 de
Outubro
De
manhã, tinha feito a minha preparação para receber a Jesus e chegou
o meu pároco e colocando o Suspirado da minha alma sobre a mesa,
depois de acender as velas, disse-me:
— Aqui
tens Nosso Senhor a fazer-te companhia um bocadinho. Vem aí o Sr.
Padre Humberto e dá-to.
Logo
que ele se retirou, uma força vinda não sei de onde, obrigou-me a
levantar-me. Ajoelhei-me à frente de Jesus, inclinei-me sobre Ele. O
meu rosto e o meu coração nunca tinham estado tão pertinho d’Ele.
Que felicidade a minha, gozar tão de perto da minha loucura!
Segredei-Lhe muitas coisas minhas, de todos os que me eram queridos
e do mundo inteiro. Sentia-me arder naquelas chamas divinas. Jesus
falou-me também.
— Ama,
ama, ama, minha filha, não tenhas outra preocupação a não ser a de
amar-me e dar-me almas. Onde está Deus está tudo, há o triunfo, há a
vitória.
Pedi
aos anjos para virem louvar e cantar a Jesus comigo e cantei sempre,
até que fui obrigada pelo Senhor Padre a ir para a minha cama.
Presa
e abrasada no amor divino, comunguei. Momentos depois, disse-me
Jesus:
— São
maravilhas, são provas dadas por Mim. Diz, minha filha, ao meu
querido Padre Humberto: Fui Eu que tudo permiti. Da minha parte,
nada mais é preciso. É só necessário agora lutar, lutar, combater
com os olhos postos em Mim. A causa é minha, é divina. Pobres homens
que imolam assim as minhas vítimas! Pobres almas que assim ferem o
meu divino Coração! Consolo-me no amor desta pomba inocente, desta
vítima amada, senhora dos meus tesouros e de toda a minha riqueza.
Vem, ó
mundo inteiro, vem depressa a esta fonte beber! É água que lava e
purifica, é fogo que ateia e santifica.
Meu
Jesus, amo-Vos, sou toda Vossa, sou a Vossa vítima. Obrigada...
(NOTA:
Neste instante, tendo percebido o Sr. P. Humberto que ia acabar-se a
comunicação da Alexandrina com Jesus — por ter lido nos êxtases
anteriores que acabavam quase sempre pela palavra
“obrigada” — pediu-lhe prontamente para que oferecesse a Nosso
Senhor todo o seu amor e o amor de todas as almas que lhe são
queridas e lhe estão confiadas. Viu-se, então, a Alexandrina
ofegante, como que a transbordar alguma coisa, e: “Aceitai o amor do
Padre Humberto e de todas as almas que lhe são queridas. Aceitai o
amor do P. Humberto e todas as almas que lhe são confiadas. Aceitai
o amor de todas as que me são queridas e do mundo inteiro.
— Estou entregue de toda a oferta (recebi
toda a oferta).
— Obrigada, meu Jesus !)
Não
foi muito duradoira a paz da minha alma; voltei para a cruz, dores e
trevas e as dúvidas a atormentarem-me. Levantei os olhos para o
Sagrado Coração de Jesus e disse-lhe:
— Confio, confio em Vós. Bem sabeis que não quero enganar ninguém;
podeis lá consentir que eu me engane e engane alguém? Vós não me
enganais.
Olhai,
meu Jesus: ainda que todos os que estão ao meu lado me desprezassem
e abandonassem, convencidos de que eu estava no erro e eu não
tivesse ninguém, ninguém por mim, ainda confiava em Vós. Juro-Vos,
juro-Vos, ó Jesus. E se Vós por mim, quem contra mim? Ó Mãezinha,
vede a minha dor e compadecei-Vos da Vossa pobre filhinha. Eu não
sou digna do Vosso amor, eu não mereço ser Vossa filha, mas sou,
Mãezinha, e só a Vós quero e ao meu Jesus.
Passaram as dúvidas e eu fiquei sempre mergulhada na dor e nas
trevas. Pouco depois do meio-dia, uma onda de frescura passou por
mim, refrescando a minha alma e todas as cinzas do meu corpo. Gozei
duma grande paz e suavidade. Não sei bem ao certo, mas talvez por
espaço de duas horas.
Ao
aproximar-se a noite, voltei a sentir o mesmo, desta vez por menos
tempo. Como Jesus e a querida Mãezinha olham por mim, tomando e
caminhando com a minha cruz! Bendito seja o Amor do Céu!
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