2 de Outubro
Pude
por dois dias respirar melhor: dignou-se Jesus suavizar por algum
tempo os meus sofrimentos. Hoje sobrecarregou-me mais com o peso
amorosíssimo da Sua cruz. Sinto-me à porta da eternidade. Dois
combates
violentos do demónio lá me conduziram.
Oh, meu
Deus, que tremendo sofrimento! Lutei, lutei, implorei o auxílio de
Jesus, da Mãezinha e de S. José.
Jesus,
pela Vossa cruz, pelo Vosso amor, valei-me, não quero ofender-Vos!
O
demónio provocava-me continuamente, ameaçava-me com palavras feias e
aterradoras. Eu era um monstro encaixado noutro monstro maior ainda.
Com os olhos no crucifixo, dezenas e dezenas de vezes repetia:
Jesus, sou a Vossa vítima.
Enraivecido, escarrava no chão e dizia-me :
― Pior
te é ainda. Dizes que não queres pecar, mas olha como pecas.
Chorei
com grande dor; ao mesmo tempo dizia a Jesus: Aceitai as minhas
lágrimas; quero que cada uma delas seja um mar imenso de amor no
qual eu possa encerrar todos os Vossos sacrários para não poderem
ser mais feridos e atacados pelos filhos Vossos.
O
primeiro combate ofereci-o a Jesus por um sacerdote em grande
perigo; o segundo ofereci-o por todos os sacerdotes.
A fúria
do demónio era aterradora. Parecia-me estar envolvida num nevoeiro
de trevas que quase não me deixava ver. Ó meu Jesus, e as dúvidas de
ter pecado?! Não podia recordar-me que estava na presença de Deus,
que O tinha dentro de mim, a minha vida íntima com Ele. Que confusão
Ele ter visto tudo, ter assistido a tão feia cena!
Terminada a luta, não podia ver nem ouvir nada, sentia-me morta, à
porta da eternidade. Era já noite; veio Jesus.
― Minha
filha, entre ti e o demónio há uma grande distância; no meio de vós
estou Eu. São manhas dele, não é nada do que ele te pinta e te faz
passar; está preso por Mim. Não o deixo aproximar-se de ti.
Coragem, minha amada, minha pomba bela. És minha, toda minha. O teu
corpo é puro, é inocente, é imaculado para Mim.
Revivi
mais e pude por algum tempo sossegar.
3 de Outubro
Mais
triste que a noite preparei-me esta manhã para a visita de Jesus.
Não sabia como poder recebê-Lo. Recordava o que tinha passado e, se
uns ardentes desejos de receber a Jesus vibravam na minha alma, por
outro lado, uma dor e confusão imensa me deixavam prostrada.
Ó meu
Jesus, não ter eu um sacerdote a quem diga o que foi passado!
Veio o
meu Jesus: esforcei-me por O amar e por Lhe dizer todas as coisas.
Só queria consolá-Lo e viver para Ele. Pobre de mim! Fiquei fria,
mesmo gelada. Ia caminhando o meu pequenino ser, que é um pouco de
pó desfeito, mesmo a desaparecer, coberto de outras cinzas, tantas
cinzas, uma imensidade de cinzas! E este pequenino ser só de longos
em longos dias dá sinal de ainda ter vida, vai penetrando, vai
infundindo-se nesse cemitério imenso. Silêncio profundo: tudo é
morte, tudo é morte.
Sem luz
e sem vida, chegou-me às mãos uma carta de quem tinha direito a
dizer-me algumas coisas que me pudessem aliviar. Animei-me, senti
até por alguns minutos alegria que suavizou a minha dor e deu-me
força para os grandes combates que ia ter.
Veio o
demónio com as suas artes manhosas. Falava-me de longe, mas
falava-me escandalosamente. Meu Deus, valei-me, dizia eu! Se Deus
não me vale, quem me há-de valer? Renovava a minha oferta de vítima
a Jesus, ao que o demónio me dizia :
― Cada
vez te é pior, mais ofendes a Deus, mais te hei-de combater.
Bradava
ao Céu, chorava, só receosa de ofender a Jesus. Ouvia o malvado
cuspir e cheio de raiva dizer coisas horrorosas contra mim. ― Pecas,
pecas, etc. ― dizia ele. Veio Jesus no fim do último combate.
― Minha
filha, estou em ti, sempre em ti; contigo, sempre contigo. Não
temas, não consinto que Me ofendas, não posso consentir isso, minha
esposa e amada minha. Tu és vítima, filhinha, deixa-te imolar por
amor.
― Sim,
meu Jesus, mas olhai, meu Amor, vencei em mim. Vede que o malvado me
deixa sem forças para combater. Não me deixeis, meu Jesus, perder a
confiança em Vós.
― Confia, diz-Me que és minha, diz-Me que Me amas e isso Me basta.
Quando
o demónio me dizia que não se separava de mim e que eu ia ser
atacada mais fortemente, foi dum momento para o outro que ele me
deixou. Veio Jesus e fugiu ele.
4 de Outubro
Durante
a noite fui atacada violentamente pelo demónio. Com os olhos
levantados ao Céu, chamei por Jesus, chamei pela Mãezinha, implorei
socorro. Ouvi do malvado o que nunca disse nem pensei na minha vida.
A luta foi tremenda. Afirmou-me muitas vezes que eu ofendia a Deus o
mais gravemente. Atirei-me para os braços de Jesus e da Mãezinha;
parecia-me não ser aceite por Eles. Contudo não deixei, quando me
era possível, de invocar os seus santos Nomes. Só ouvia a voz
maliciosa de Satanás. Disse então a Jesus:
― Coloco-me no altar do sacrifício, deixo-me imolar por Vosso amor e
pelas almas, seja qual for a imolação. Fiz de conta que era mártir:
de boa vontade aceitava o martírio, custasse o que custasse, fosse
qual fosse o sofrimento que Jesus Lhe aprouvesse dar-me.
Ó meu
Deus, não quero pecar; ofender-Vos não, meu Jesus!
Continuou a luta e eu, já sem forças, parecia que o demónio fazia de
mim o que queria, conseguindo tudo quanto desejava e me afirmava.
Ouvi uma voz que me dizia:
― Basta, basta, Satanás! Retira-te para o inferno com tuas artes
manhosas e infernais.
Vem,
minha filha, para os meus braços, descansa em meu Coração.
Senti-me nos braços de Jesus e senti que Ele me fazia entrar no seu
divino Coração ao mesmo tempo que ouvia ao longe o demónio uivar e
gritar desesperado. E numa grande paz adormeci, fechada no Coração
divino. Atormentava-me a ideia de ter pecado e receava de não poder
receber Jesus por quem sempre suspiro; olhava para uma imagem do seu
divino Coração que tenho ao lado da minha cama e parecia-me que Ele
já não olhava para mim.
Meu
Deus, que vida de dor e de amargura! Ai de mim! Não sei como posso
viver sem ter vida! Ó meu Jesus, não permitais que eu deixe de Vos
receber, não consintais que eu Vos perca pelo pecado.
Talvez
meia hora depois da vinda de Jesus começaram os combates que se
repetiram por algumas vezes durante o dia. Sentia ser tentada por
quem me rodeava. Temia e temo ser o demónio o causador de eu perder
a minha união com Jesus. Não posso recordar-me que estou sempre na
sua divina presença. Não quero separar-me dele, mas vejo-me tão
ameaçada! Sinto-me esmigalhada e humilhada na presença do meu Jesus,
de quem não me posso separar. O que será de mim, meu Jesus!
6 de Outubro
Não
posso olhar para Jesus, tenho vergonha que Ele saiba o meu viver.
Que será de mim, meu Deus? Sinto-me obrigada a deixar de Vos
receber. O demónio continua com os seus ataques violentos. Lança-me
em rosto o que há de pior. Diz-me que não é ele, mas sim que sou eu
que digo e faço tudo.
― Olha
como tu pecas e tens coragem de comungar?
E mais
e muito mais ainda. Meu Deus, e eu viver na Vossa presença! Eu não
quero separar-me de Vós, nem quero que de mim desvieis os Vossos
olhares. O horror que me causam as minhas iniquidades quase me
obrigam a dizer: montanhas caí sobre mim, escondei-me, escondei-me!
Ontem,
meu Jesus, ao terminar um tremendo combate, ouvi a Vossa doce voz
que me animava dizendo:
― Não
pecas, não pecas, minha filha, dás-me uma grande prova do teu amor.
Anima-te com as palavras de quem tem direito de te animar. Confia,
confia!
Senti-me logo outra, meu Jesus, mas por tão pouco tempo! Veio logo o
demónio dizer-me tudo o que há de mais feio e levar-me a duvidar de
Vós.
Hoje
estava assustadíssima a preparar-me para receber-Vos. Só Vós, meu
Jesus, vistes como foi dolorosa e triste a minha preparação. A Vossa
vinda ao meu coração fez desaparecer tudo e reviverem em mim as
ânsias maiores e desejos de Vos amar. Senti paz, doce paz por algum
tempo. Bendito sejais, Jesus!
Depressa veio a dor, esta morte total que sinto em mim.
Uma
força invisível vai-me arrastando sem eu dar sinal algum de vida por
entre as cinzas deste cemitério imenso. Vou baixando, vou
profundando ao fundo, muito ao fundo, levada não sei por quem. Estou
morta, não tenho vida. Mas, ah! bem sei: é o Vosso divino amor que
me leva, sois Vós, são as almas, nada mais. Confio, Jesus, confio! |