E eu,
meu Jesus, que miséria !
O dia
de hoje raiou lindo ; só para a minha alma era triste, muito triste.
Que tremenda escuridão ! Tristes lembranças me atormentavam. Os
sentimentos de alma teimosos não me deixavam sossegar, esperava-os
novos
acontecimentos. Quando o Sr. Abade me deu Jesus, fitei-o a ver se
ele movia os lábios para me dizer alguma coisa ; a alma sentia-o :
havia alguma (coisa) de novo. Já há dias que eu ocultava os
pressentimentos que tinha, dando por necessidade ao escrever uma
pálida ideia de tudo o que sentia ; fazia assim para não fazer
sofrer minha irmã. Sofria em silêncio, fitando Jesus e a Mãezinha,
desabafando só com eles. O Sr. Abade nada me disse. Dei graças a
Jesus friamente, embora os meus desejos fossem de me abrasar até
morrer queimada no amor de Jesus. Passavam-se as horas e eu sempre
na minha profunda tristeza e amargura. Meu Deus, queria morrer para
tudo. Aí vem a sexta-feira e o primeiro sábado, dois dias em que me
falais. Há tantas almas que nada disto conhecem e ama-Vos, e são
santas ! E eu, meu Jesus, que miséria ! Podia amar-Vos e desconhecer
tudo isto. Ah ! se eu tivesse querer ! Mas não tenho, meu Jesus, nem
o quero. Para mim é um duro tormento Jesus dizer-me quaisquer
palavras para outras pessoas. Tem-nas dito para algumas pessoas, não
para muitas. Eu não sou capaz de as dizer às pessoas a não ser por
escrito e se por algum motivo sou obrigada a fazê-lo, faço-o com
enorme sacrifício. Se não é necessário, nunca digo : Olhe que Nosso
Senhor disse... ou outras frases quaisquer. Nem com minha irmã tenho
essa liberdade ; não a posso ter, tenho vergonha. Quando Nosso
Senhor me diz palavras de queixumes de algumas pessoas em geral, sem
nomear os nomes, quando estou a ditá-las estou tão tímida, queria
ocultá-las, queria dizer menos, assim como quando me diz a mim
palavras de louvor. Que vergonha, meu Jesus, só Vós podeis e sabeis
avaliar quanto tudo isto me faz sofrer.
Eram
duas e meia da tarde, senti passos ; ainda sem ver, conheci que era
o Sr. Abade. Quando o vi sozinho, sem vir apresentar nenhuma visita,
pensei logo que era chegada a hora de novas provas. Entrou no meu
quarto, sentado a meu lado, principiou a interrogar-me quem era o
meu director, etc. Disse-me :
— Faço
isto por ser obrigado, custa-me dizer-to, mas tem paciência, tem que
ser até que sejam dadas novas ordens, até que seja levantado isto.
Não te podes mais confessar ao Sr. P. Humberto, não posso deixá-lo
trazer-te Nosso Senhor sem que ela traga uma licença escrita do Sr.
Arcebispo.
Respondi-lhe serenamente :
— Obedeçamos, Sr. Abade. Louvado seja Deus, bendito Ele seja !
Perguntou-me se eu sabia porque o Sr. P. Humberto aqui tinha vindo.
Respondi-lhe que não sabia.
— Mas
ele é teu director ?
— Confessei-me a ele duas ou três vezes.
Depois
de reflectir vi que tinham sido pelo menos quatro, mas não disse de
menos por maldade.
— Não
costumo fazê-lo, mas vi que ele compreendia muito bem a minha alma,
e confessei-me. Mas o meu confessor, o Sr. P. Alberto, bem sabe eu
que me confessei com ele.
— Mas é
teu director ?
— Tem-me dirigido. Mas disse que não queria de forma alguma
meter-se, pôr os outros de parte. Isto era, o meu director Rev.mo
Sr. P. Pinho e o confessor Rev.mo Sr. P. Alberto e que achava bem
ele saber que eu me tinha confessado com ele.
O Sr.
Abade cheio de caridade para comigo, disse-me :
— Ele
pode vir aqui como visita e aconselhar-te por escrito.
Terminado o interrogatório, retirou-se. Logo alguém da minha família
entrou no meu quarto a perguntar-me o que havia de novo. Respondi a
sorrir :
— São
miminhos de Jesus.
Continuei a sorrir porque durante todo o tempo em que fui
interrogada sentia em mim uma força tão grande que tudo pude recever
com resignação e alegria. Sentia-me tão forte que me parecia não
haver espadas, setas nem espinhos que me pudessem ferir. Bem pouco
tempo durou esta força. Pude com ela ainda dar à minha irmã algumas
palavras de conforto :
— Não
te aflijas, se Deus (é) por nós quem contra nós ? Jesus é digno de
todo o nosso amor ! Seja tudo pelas almas !
A pouco
e pouco fui desfalecendo debaixo do peso da dor ; o coração por duas
vezes me falhou, parecendo-me perder a vida. Algumas lágrimas de
resignação deslizaram pelas faces ; ofereci-as a Jesus como actos de
amor. Meu Deus, eu por graça Vossa não tenho apego a nada do mundo,
nem às criaturas ; o que eu quero é receber-Vos, meu Jesus, mas não
me importa ser este ou aquele sacerdote, Vós sois sempre o mesmo
Jesus, sois Vós sempre o suspirado da minha alma. É verdade que ela
necessita de luz e de quem a compreenda. Tiram-me tudo ! Faça-se a
Vossa Vontade ! Ficai Vós, meu Jesus, e isso me basta.
Chegou
o médico junto de mim ; desabafei com ele. Animou-me muito, como
sempre. Ao despedir-se de mim, disse-me :
— Então, fica com muita coragem ?
— Fico,
sim, Sr. Doutor, mas eu tenho coração para sofrer ; se eu o tivesse
também para amar !
Falei
assim porque sinto não ter coração para amar o meu Jesus a queria
morrer de amor por Ele.
Com o
terminar do dia, rezei por duas vezes o Magnificat ; foram actos de
agradecimento ao meu Jesus por me ter dado um dia cheio dos seus
miminhos, por me ter dado mais meios de o poder consolar e dar-lhe
provas do meu amor para com Ele e para com as almas.
— Sinto, meu Jesus, que não param aqui as minhas provas. Venha o que
vier, sede sempre comigo. Confio, confio, espero em Vós. |