23
de Novembro
De
dentro de mim sai um brado de profunda aflição e extrema agonia. Não
sou ouvida. De mãos levantadas ao Céu uma e muitas vezes imploro
socorro. De nada valem os meus brados. Não existe quem possa
compadecer-se
da minha agonia. Aterrorizada, louca de dor, sinto-me no cimo da
mais alta montanha, sem ver nada, porque a escuridão é de densas
trevas; continuo: socorro, socorro!
Socorro de onde, se nada existe, tudo é morte na terra e no Céu? A
minha alma chora, chora sem cessar uma dor indizível que não pode
explicar. Fitei o Coração Santíssimo de Jesus e exclamei:
Ó dor,
ó dor que não és compreendida! Mas não me importa, meu Jesus; basta
ser compreendida por Vós, não pelo prémio que me dais, mas sim para
Vos aproveitardes do meu sofrimento para a salvação das almas.
Ao
sentir que o meu corpo já não podia sofrer mais e como sentia a alma
muito ferida pelo muito que me fazem sofrer, tive este desabafo com
a minha irmã:
É
preciso não terem coração para me fazerem sofrer assim em cima de
tanto sofrer…
Referia-me aos sofrimentos dados à alma em cima de tão grande
martírio do corpo. Meu Deus, que estou eu a dizer? Como posso falar
da minha alma se ela já morreu? Como posso falar do meu corpo se ele
já desapareceu, nem cinzas existem? Quem fala, Jesus? Quem sofre?
Quem vive aqui?
Falais
Vós, sofreis Vós, viveis Vós, só Vós, meu Amor.
Ai,
meu Deus, não posso pensar nisto, não posso aguentar estes tristes
sentimentos. Aguentai, Jesus, aguentai por mim.
O
demónio trabalha com canseira num ataque aterrador para persuadir-me
que o que sentia era verdade; dizia-me que eram mil demónios num só,
que só assim podia ser. Acrescentava coisas muito feias.
― Não
queiras ser vítima de Jesus, entrega-te a mim por vontade e por
amor. Eu não te faço sofrer como Ele, comigo só terás gozo, sempre
gozo.
Olha
como tu pecas.
Oferecia-me a Jesus o mais que podia e ele então mais se enfurecia
contra mim. Afirmava-me nunca me deixar; mas, sem saber como, fugiu
deixando-me banhada em suor e como que o meu corpo desfeito.
O
último ataque foi terminado quase à meia noite. Eram oito horas e
meia, estávamos a rezar em família; dum e do outro lado eu ouvia à
minha volta assobios desesperadores. Conheci que eram assobios
infernais; fiquei assustadíssima. Pouco depois de terminadas as
orações, formou-se à minha frente, por entre chamas, uma dança de
demónios. Eram tantos como chuva; todos dançavam, mas só um falava
dizendo-me o que há de mais feio e vergonhoso.
Nas
horas dos combates tudo sei, tudo conheço, tudo é malícia, tudo é
horror. Depois desconheço as coisas, ficando-me o temor de ter
pecado, a lembrança da presença de Deus e de ter de comungar. Meu
Deus, e nem um sacerdote para me ouvir de confissão.
As
manhas de Satanás mudaram-me de posição. Um banho de suor ensopou-me
a roupa, não podia estar mais tempo assim, não tinha força para
pedir que me dessem outra posição.
Jesus
e Mãezinha, valei-me!
Veio
Jesus e disse-me:
― Vem
cá, minha filha; Satanás odeia-te, mas Eu amo-te. Satanás
persegue-te, e Eu venho em teu auxílio. Amo-te, és minha filha, és
minha esposa, és minha amada. Sabes porque te odeia e persegue?
Pelas almas que me dás.
Anda,
meu encanto, vem descansar.
Fiquei
na posição do costume por espaço de muito tempo sem poder descansar,
mas com muita paz, unidinha a Jesus e a pedir coisas à Mãezinha.
26
de Novembro
Que
vida é a minha, Jesus? É Vossa ou a quem pertence? Não posso
aguentar o sofrimento que me causa a morte da minha alma; não posso
estar aqui sem ela: não compreendo, não posso convencer-me desta
separação. Esta perda que eu sinto causa-me uma dor de enlouquecer.
Triste penar o meu! Corro o mundo por entre trevas a bradar sempre:
socorro! Socorro! Não vejo nada, não encontro ninguém, não sou
ouvida, parece que só eu existo aqui. Tanta vez invoco o nome de
Jesus e o da querida Mãezinha. Tanta vez quero levantar os meus
olhos para o Céu:
Meu
Deus, falta-me a coragem.
Jesus
não me ouve.
E como
pode a Mãezinha ouvir-me e atender-me assim tão manchada como estou?
Posso eu atrever-me a levantar os olhos à Pátria celeste da sua
habitação para de lá receber algum alívio? Triste confusão a minha!
Ai,
meu Jesus, todo o meu ser é despedaçado. Não tenho coragem, meu
Jesus, ai de mim! Não posso estar na Vossa divina presença, coberta
de maldades e crimes como estou.
Se uma
vez ou outra de repente me passam pelo pensamento alguns do títulos
que me dais é para meu maior tormento, é só para minha maior
vergonha e confusão.
Como,
Jesus, como podeis falar assim à mais indigna das Vossas filhas, a
este abismo de miséria? Quero redobrar a minha confiança em Vós,
confio cegamente. O que eu quero é amar-Vos; e confio que Vos amo
sem sentir amor, sem sentir um coração para Vos amar. Creio, creio,
meu Jesus! Vós desprendeis-me de tudo e de todos. Faça-se a Vossa
divina vontade. Deixei de sentir em mim a presença do divino
Espírito Santo.
Tudo
isto me causa maior horror. Tudo desaparece, tudo foge de mim, até
as próprias criaturas. Quero resistir a tanta dor, e desfaleço, não
posso.
Para
Vos dar maior consolação, ó meu Jesus, quero sofrer em silêncio,
sozinha, sem desabafo a não ser convosco. Ofereço-Vos o sacrifício
de calar e sofrer; fico indiferente a sentir que não Vos dei a mais
pequena consolação.
Ó
minha vida, ó minha cruz, quero-te, amo-te porque creio que em ti
está Jesus.
Jesus,
Jesus, vede esta dor, vede este pobre ser a lutar, a lutar sozinha
no meio do mundo. Olhai este coração que grita e chora, vede esta
dor que despedaça mundos e mundos.
Hoje
no fim de comungar principiei logo a desabafar com o meu Jesus.
Vede a
minha agonia, vede a minha dor, vede este coração que tanto deseja
amar-Vos, vede e compadecei-Vos de mim, meu Jesus.
Dizia
isto para desabafar, para alívio do meu penar e não com o fim duma
resposta; nem nisso pensava. Mas Jesus, primeiro que tudo,
incendiou-me o coração em chamas abrasadoras, parecia-me arder todo
o meu peito; e logo principiou a falar-me meigamente:
— Minha filha, a tua agonia é a minha alegria, a tua dor é a minha
consolação, as tuas lágrimas são os meus sorrisos pela alegria e
reparação que me dás.
Coragem, filhinha, nada temas! Coragem para todas as provas que
vierem e possam ainda vir. Tens o teu Jesus, que podes temer? Tens
graça, tens força para combateres e venceres milhares e milhares de
mundos. A vitória é minha, só minha. A glória é minha e dos que
cuidam do que é meu.
Fiquei
com mais força, com mais alento na minha alma. Foi pouco duradoira.
Depressa voltei ao mesmo penar. Espinhos dum lado e do outro,
rumores de tempestades, um sentir de alma como se elas nunca
acabassem, ânsias de ir para o Céu e ao mesmo tempo temor à morte.
Não sei, mas parece-me que este medo de morrer é o mesmo que me
causa a lembrança de viver na presença de Deus. Penso se será efeito
dos ataques do demónio. Parece-me mentira ele deixar-me dois dias e
duas noites em paz; será depois para maior tormento.
Seja o
que Jesus quiser: o que eu quero é não pecar. |