18 de Novembro
Se eu
não tenho vida, o que é que sofre? Se eu não existo, porque me
perseguem? Meu Deus, meu Deus, sinto que morri e estou aqui. Sinto
que passei para a eternidade e estou no mundo. Ó vida, minha triste
vida! O
demónio
não me deixa. Neste último ataque parece que redobrou a sua malícia.
― Pecas quando eu quero, como eu quero e levo-te aonde quero. Olha
que vida tu tens! Que vida de sofrimentos, quando podias gozar!
Desengana-te, olha que Deus não te quer, abandonou-te, odeia-te; tu
és minha: podes pecar à vontade.
Dava-me as suas falsas e vergonhosas lições. Prometia o mundo como
recompensa pelos crimes. Sem lhe dar resposta, eu dizia a Jesus:
Ainda
que me desse o mundo por um só pecado, não o queria, meu Jesus,
ainda que soubesse que não me condenáveis, que não me pedísseis
conta, não, meu Jesus, nem uma leve falta: o Vosso divino Amor não o
merece. É por amor e não por temor que eu não quero ferir-Vos nem
desgostar-Vos na mínima coisa.
Eu
parecia-me um trapo imundo debaixo das manhas de Satanás. A fúria
atingiu toda a altura. Clamei muitas vezes:
Jesus,
Jesus, Mãezinha!
De
repente Ele apareceu, serenou a tempestade sem me pôr a sua divina
Mão; senti que foi só o seu Sopro divino que docemente me levou às
almofadas. Uma doçura e suavidade suavizou o cansaço do meu corpo, a
dor da minha alma e deu-lhe uma grande paz. Já muito calma e serena,
na posição de costume, disse-me Jesus:
― “Eu
vi, minha filha, Eu assisti, tu não pecaste, deste-me toda a
consolação. Só dum anjo em carne, só duma virgem pura, pura,
inocente, inocente, inocente posso exigir esta reparação, a maior
das reparações.
Amo-te, amo-te, minha pomba querida!
Fiquei
numa suavidade e paz serena. Adormeci por um pouco, parecia-me
dormir com Jesus para agora combater com as minhas dúvidas,
tristezas e amarguras. Ó dor bendita, quanto te amo! Em ti só vejo
Jesus e as almas!
21
de Novembro
Vou
ditar o que me vai na alma para obedecer e não para satisfazer os
meus desejos. Tenho sempre diante de mim a enormidade das minhas
misérias passadas e receio sempre novas quedas. Que horror para mim
ver sempre o que tenho sido! Como posso eu, só miséria, dizer alguma
coisa? Tristes, bem tristes são estes pensamentos e receios. A minha
confusão aumenta por me ver de mãos vazias, sem ver nada de bem do
tempo que já lá vai. Vou para a presença do meu Jesus sem nada,
mesmo nada! Meu Deus, e sem vida para praticar o bem, e sem possuir
amor para Vos amar. Só para amar e praticar o bem é que a vida é
breve, é que a não sinto, é que a não tenho. Para ir para Vós, ó
Jesus, para amar-Vos e bendizer-Vos eternamente, uma hora é uma
eternidade.
Como
posso estar aqui? A minha vida fugiu para o alto e de lá contempla o
lugar onde deixou este pobre corpo enquanto que ele pertence não sei
a quem, enquanto que ele vai lutando e sofrendo sofrimentos que só
por alto sei exprimir.
Vêm de
dentro de mim ondas de fogo, fogo abrasador; sinto até queimar-me a
língua. Quantas vezes peço para me levarem aos lábios um pouco de
água a ver se consigo saciar minha sede. Impossível: os ardores dela
continuam, e quantas vezes mando retirar a água sem a poder engolir.
Oh! quanto sofrem os condenados do inferno!
Nestes
três dias, só de domingo para segunda fui atormentada pelo demónio
violentamente. Usou das maldades e palavras feias do costume. Vi
talvez dúzias deles à minha frente, em forma de esqueletos, e tinham
junto a eles lugares feíssimos do inferno. O malvado para
persuadir-me do que me dizia e fazia sentir, afirmava-me que não era
ele só que fazia mal, mas que eram muitos; que ia ser uma noite de
pândega e de gozo. E depois daquele combate seguiram outros, a um
por um. Foi muito demorado: estava banhada em suor. Bradei tanto ao
Céu! Parecia-me tal sofrimento nunca mais acabar; e assim o diziam
as ameaças que eu ouvia. De repente não sei por ordem de quem,
desapareceram todos. E eu, por espaço de muito tempo, repeti sem
cessar:
― Ai
Jesus, ai Mãezinha! Meu Deus, se aqui me aliviam, ali me ferem; se
aqui me amparam, ali me deitam por terra.
Sinto
continuar ao longe horrores de tempestade. Sinto corações revoltados
contra mim, tentam matar meu nome, tentam matar tudo que em mim
existe, enquanto que dentro destas pobres paredes eu sofro a mais
não poder. Anda o meu nome a correr mundo como folha que a
tempestade arrastou. Sou humilhada, sou enxovalhada, sou perseguida
e caluniada. E por quem, meu Jesus? Bem sabeis por quem. É por Vós,
só por Vós e pelas almas.
Sinto
este corpo numa massa de sangue, sinto-o entre duas montanhas no
meio das quais é esmagado até desaparecer reduzido ao nada. E o
brado de aflição não sobe ao cimo das montanhas. Meu Deus, tudo
morto, tudo perdido! E eu sozinha, sem ter ninguém. Não há um raio
de luz que vá penetrar entre essas duas montanhas, no lugar do
suplício. Quem poderá valer-me? Não há ninguém. Se houvesse e eu
pudesse, iria de joelhos a pedir socorro e que tirassem do cativeiro
aquele que tanto sofre e que tanta falta me tem feito e faz. Ai,
quanta luz eu teria recebido e quanto amor Jesus de mim a mais
possuiria! Se eu pudesse, iria de joelhos junto daqueles que me
fazem sofrer e perguntava-lhes:
― Onde
vos ofendi? Como vos ofendi? Dizei-me em quê, e perdoai-me; e se não
vos ofendi, porque me tratais assim? Por que razão me feris tanto? É
preciso não ter coração.
Perdoai-me ó Jesus, e perdoai a todos porque não sabem o que fazem.
Se soubessem, não procederiam assim. Ai, Jesus, tende dó de mim,
parece-me não poder mais.
Há um
mês que não me confesso; a minha alma tem fome, necessita da graça
da absolvição. Meu Deus, meu Jesus, compadecei-Vos da agonia da
minha alma, compadecei-Vos deste corpo que não é corpo e parece que
não é meu.
Mergulhada nesta dor de que dou uma pequenina ideia, esmagada com o
peso de todos os sofrimentos sem poder respirar, num abatimento que
nem podia, nem me lembrava de pedir socorro ao Céu.
Foi de
noite, não sei a hora, vi a meu lado a Mãezinha de Fátima; não se
demorou, não me falou. Senti que Ela veio mostrar-me que não estava
sozinha, que Ela estava a meu lado. Libertada destas tristes
amarguras, entrou em mim uma suavidade, pude adormecer.
Os
homens podem fazer tudo, podem sentenciar-me conforme os seus
juízos, o que não podem é privar-me destas visões, privarem-me de
amar a Jesus, tirarem-me a minha união com Ele, nem arrancarem-me do
meu coração a união com aquelas que Ele, e só Ele, permitiu, que Ele
e só Ele colocou neste coração tão pequenino no amor, mas tão grande
nos desejos de o amar e nas ânsias de só a Ele pertencer. Todos
estes sofrimentos, que só Jesus conhece a dor imensa que me causam,
só Ele os vê e compreende deveras, fazem nascer dentro em mim novos
desejos, profundas ânsias se só para Jesus viver, de só a Ele
pertencer e a Ele só amar. O peso da dor faz rebentar em meu coração
tão vivos e amantes desejos de caminhar por entre espinhos e
procurar Jesus e as almas como o trovão com o seu estrondo
estremecedor faz rebentar as águas na profundidade da terra. Sofro?
Não importa. Amo Jesus: isso me basta. Pedi para me colocarem sobre
o meu peito, amparada pela minha mão a açucena que me foi oferecida
para levar para a sepultura. Senti-me tão alegre e ao mesmo tempo
umas saudades quase insuportáveis de ver chegado esse dia, o dia da
minha verdadeira felicidade, da minha verdadeira vida.
Nesta
manhã, ao receber o meu Jesus, senti-me tão abrasada no seu divino
Amor, tão unidinha a Ele e tão a sós com Ele; desabafei as minhas
mágoas. Pedi-Lhe, como de costume, que não queria enganar-me nem
enganar ninguém. E Ele, tão terno, tão cheio de compaixão por mim,
disse-me muito baixinho:
― Nunca, nunca, minha filha, consentirei que te enganes. O que te
digo é para vos animar e provar que eram esses os meus desejos.
O meu
tempo é breve; é por isso que te digo ‘em breve’ e é em breve que as
minhas divinas promessas hão-de realizar-se; o que te digo, é assim
que eu quero: os homens é que vão contra a minha divina vontade. Eu
venço e hei-de triunfar sobre eles”.
Aceitai, meu Jesus, as minhas lágrimas: hoje não pude vencer-me.
Foram lágrimas de amor e de dor pelos meus pecados. Aceitai a minha
dor por todos os que a não têm, aceitai as minhas lágrimas por todos
os que deviam chorar as suas culpas e não as choram. Entrego-me à
cruz para sofrer e ao Vosso divino Amor para Vos amar. |