Será
possível com este cansaço, com este sofrimento demorar neste exílio
muito tempo ? Meu Deus, se assim o quereis, a tudo resisto. O meu
cansaço é de sofrer, é de querer abraçar o mundo, apertá-lo num
abraço
eterno.
Queria vê-lo todo num hino de louvor a Jesus, num só fogo de Amor
divino. Não sei mais o que hei-de desejar, não sei onde esconder-me
com ele. Queria voar para o Céu e comigo levar o mundo, todo o
mundo, não deixar aqui criatura alguma mas não sei o que é : quero
subir com ele e uma força invencível, ou que me parece invencível,
arrasta-me para baixo, tenta roubar-mo. Ó meu Jesus, que contas Vos
darei eu do tesouro que me entregastes ? Nestas ânsias dolorosas,
mas de querer purificar-me e purificar o mundo, de amar o meu Jesus
e fazer que todo o mundo o amasse, sem saber como consegui-lo para
mim, quanto mais para a humanidade inteira, principiei a chorar ;
chorei lágrimas amargas, lágrimas que só o Céu as via. Ofereci de
novo o meu coração a Jesus, pedi-lhe que viesse nascer a ele.
Enquanto isto se passava, eu não via, mas a minha alma sentia que o
demónio bailava à minha volta. De longe a longe ouvia alguma palavra
feia das dele. Apavorisei-me. Vinha vindo a noite ; para a minha
alma não tinha havido dia. Enquanto que o demónio ao longe me
ameaçava e o medo mais se aproximava de mim com receio que ele
viesse fazer das dele, ouvi Jesus muito no íntimo do meu coração.
— “Minha filha, não temas, tu não pecas, Eu não te deixo pecar ;
dá-me esta reparação, dá-me esta consolação que só de ti posso
receber. Combate com Satanás. Repara-me pelos crimes que na noite
que se aproxima vão praticar. Noite que devia ser tão santa e sou
nela tão ofendido ! Oh ! quanta inocência perdida !”
Jesus
dizia-me isto com muita dor e mágua. Deixei de O ouvir ; senti-me
mais forte. Passaram-se alguns minutos, não sei quantos, principiei
a ouvir o demónio com sua voz infernal a convidar todos os seus
camaradas para virem pecar comigo. Senti que eles obedeceram, vieram
todos desempenhar o seu papel. Pensei bem na morte. O coração não
tinha força para mais ; só por Nosso Senhor não morri. Custou-me
muito os nomes e palavras vergonhosas que ele me disse, mas
sobretudo o que me causou maior dor, foi o receio de pecar e as
blasfémias que ele disse contra Jesus e acusá-Lo como criminoso ;
isso é que eu não podia ouvir. Até tinha medo de ele dizer tais
coisas do meu Criador. Se não fosse o amor do meu Jesus e o amor às
almas; dizia-lhe um não. Sofrer, está bem, mas ver que Jesus ao eu
combater com o demónio também ouve dele coisas aterradoras. Oh !
quanto me custa ! Ai, a quanto se sujeitou Jesus por meu amor e por
todas as almas !
Os dias
de festa são sempre para mim de profunda tristeza. Esforço-me sempre
para consolação dos que me rodeiam mostrando-me alegre : a minha
alegria é fingida. Fito Jesus, a Mãezinha, elevo o meu pensamento ao
Céu e por amor aceito a dor. É por amor que a tristeza para mim é
alegria. Não olhando a terra, firmo no Céu, só no Céu, os espinhos
são rosas, a dor é doçura. À meia noite do dia de natal, não falando
da noite que me ia na alma, dores agudíssimas pareciam retalhar-me
todo o corpo. Não chorava, mas gemia ; só Jesus sabe quanto eu
sofria. Principiei a ouvir fogo e repique de sinos. Pedi que me
trouxessem imas imagensinhas do Menino Jesus. Colocadas sobre o meu
peito queria aquecê-las. O calor que lhe dei não era o que eu queria
dar-lhes ; queria queimá-las com fogo de amor. Queria dizer-lhes
muitas coisas e não sabia. Estreitei-as ao meu peito docemente e
continuei os meus gemidos. — Estou certa que Jesus os aceitou e não
ficou triste. Ninguém como Ele via quanto eu sofria ; ninguém como
Ele sabe que mesmo gemendo é por amor que gemo e quando mais não
posso. Não sei os minutos que se passaram, o que sei é que passei a
outra vida e ouvi Jesus no meu coração.
— “Nasci no presépio do teu coração, minha filha. É o Esposo que vem
à sua esposa, é o Rei que vem à sua rainha. Sou Rei do Céu e da
terra. Como estou bem aqui, ó rainha do amor. O presépio que Me dás
não é áspero como o de Belém, é fofo com as tuas virtudes. No te
presépio não sinto os rigores do frio ; sou aquecido com o amor mais
puro e abrasado. Tu és a minha estrela, estrela que guias o mundo
como outrora guiou os Reims Magos no caminho de Belém. Diz, minha
filha a todos os que cuidam de ti, aos que te são queridos, amam e
rodeiam que lhes dou abundância das minhas graças, um enchente do
meu divino Amor, um lugar reservado em meu divino Coração com a
promessa do Céu”.
Não vi
o Menino Jesus, mas enquanto que Ele me falou estava junto a mim uma
grande palmeira de Anjos, centos ou milhares de Anjos, muitos deles
com seus instrumentos desciam do alto e rodeavam-me. Tinha graça a
pressa com que desciam. No meio deles estava uma grande escada ; de
todos os degraus desciam para mim numerosos raios dourados. Eram
como setas a penetrarem no meu peito e Jesus dizia-me :
— “São
as tuas virtudes, são raios de amor divino. Recebe, é a tua vida”.
Aqueles
raios fortaleceram-me, davam amais luz do que o sol mais brilhante.
Vi tudo claramente. Não sei o tempo, mas foi demorada esta visão.
Desprendi-me a custo, ia como os que caminham e olham para traz,
dando a conhecer que querem alguma coisa. Eu desejava voltar ao
mesmo. Não voltei à visão, mas voltei à dor.
Veio o
dia ; dia sem luz e vida sem vida. Sempre a querer guardar com toda
a segurança o mundo dentro em mim continuei a minha alegria fingida.
Todos os mimos que recebi e carinhos de pessoas de tanta estima
passavam como se não fossem para mim. Ao terminar o dia disse para
mim : “Onde passei este dia ? Parece-me que estive morta para Jesus
e para todos quantos me rodeiam. Vivi mas não senti a vida. Sofri,
mas não foi minha a dor. Não vivi para Jesus, não senti que O
amava.”
Não sei
dizer melhor e nada digo do que me vai na alma. Ó minha triste vida
tão mal compreendida ! |