Sexta-feira
Durante a noite fui assaltada pelas manhas do demónio. Aflige-me
muito; aterrou-me; a sua linguagem foi vergonhosa, assim como as
acções e conselhos. Lutei, lutei com as suas artes. Ele afirmou-me
bem eu que pequei. E eu durante a luta dizia para Jesus:
Como
posso estar eu em tão grande fogo sem ser queimada? Pecar não quero,
meu Jesus.
Neste
momento a Beata Alexandrina vivia as penas do inferno
Quis
de novo expulsar o demónio, mas não foi para mim; nem uma só palavra
pude dizer. Ele estava raivoso, com a maior fúria; não sabia como
libertar-me dele. Jesus não veio, ou antes, não O sentia nem O via.
O que sei é que ele de repente retirou-se enquanto que eu fiquei a
dizer: Jesus, pecar, não!
Este
brado moribundo penetrou tanto em meu coração e ecoou em meus
ouvidos que já lá vão quase 24 horas e ainda ouço e sinto no coração
a dor que me causou. A cada momento passa pelos meus ouvidos esta
voz dorida: Jesus, pecar, não!
Fiquei
num grande desalento, num profundo pesar, a parecer-me que tinha
ofendido o meu Jesus. E nesta amargura passei o dia de hoje.
Juntou-se mais a dor de ser sexta-feira. Ó meu Deus, não posso
recordar-me: que medo eu tenho!
Veio a
madrugada. Sentia-me numa prisão, triste, cansada, cheia de medo e
vergonha. Mais tarde, de mãos presas e a cabeça a parecer que
sangrava com a dor e ferimentos dos espinhos, parecia-me que era
levada a correr ruas. Grande multidão de curiosos olhavam-me, uns
com dó, outros com desdém. Ouvia a burburinho do povo; ruídos
enormes. Sentia-me sozinha. Olhei a Jesus crucificado, julguei-me
abraçada à Cruz e disse-lhe:
Meu
Jesus, que importa que todos me deixem, se me ficais Vós? Se Vos
possuo e estais comigo, não estou sozinha.
Já de
tarde sentia-me na Cruz; a alma cravada com o corpo, ambos na mesma
dor e agonia. A alma levantava os olhos ao Céu, nada via a não ser
dor e morte, nada podia dizer a Jesus. Ele veio, e veio cheio de
amor.
— Vem,
minha filha, louca de dor e amor, ao meu encontro. É dor que salva
as almas, é loucura de amor por mim. Se o mundo conhecesse esta vida
de amor, esta união conjugal de Jesus com a alma virgem, com a alma
que escolhe para sua esposa! Mas não conhece e porque não conhece,
calunia-a, despreza-a, persegue-a.
Ó
minha pomba bela, tu és esposa e és mãe, mãe que não deixa de ser
virgem; és mãe dos pecadores: são filhos da tua dor, filhos do teu
sangue que vais perdendo gota a gota, filhos do teu amor.
Minha
filha, lá do Céu muitas vezes ouvirás da terra muitos pecadores
chamarem-te, aclamarem-te pelo doce nome de mãe. Aclamar-te-ão
aqueles que se virem livres das garras do demónio e conhecerem que
foram livres por ti, aproximando-se assim do meu divino Coração.
Grande
amor, ditosa dor que te levou a mereceres de Jesus tão honrosos e
elevados títulos!
Meu
Jesus, meu Jesus, que envergonhada e confundida estou! Se eu pudesse
ocultar tudo isto! Se fosse só para Vós e para mim! Confunde-me
ouvir isto e ver a minha miséria!
— Já
sabes que necessito da tua miséria para esconder em ti as minhas
grandezas e omnipotência.
Escreve tudo, escreve, minha filha. Se o que te digo ficasse oculto,
de nada valia ao mundo.
Mãe
dos pecadores, nova redentora, salva-os, salva-os!
És a
nova redentora escolhida por Cristo. Nunca houve nem voltará a haver
no mundo sofrimento que se igual ao teu. Nunca houve nem voltará a
haver vítima desta forma imolada, porque nunca houve tanta
necessidade como hoje, nunca o mundo pecou assim.
Dezanove séculos são passados que Eu vim ao mundo e trouxe agora a
nova redentora escolhida por mim para relembrar ao mundo o que
Cristo sofreu, o que é a dor, o que é o amor e loucura pelas almas.
És a
nova redentora que vens salvá-los, és a nova redentora que
incendeias na humanidade o amor de Jesus. Nova redentora que serás
falada enquanto o mundo for mundo.
Minha
filha, livro onde estão escritas com dor e sangue, letras de oiro e
pedras preciosas todas, todas as ciências divinas! Coragem, amada,
não temas as tempestades, não temas o estrondo do trovão que traz
consigo nuvem que orvalha graças, amor e maná celeste.
Enche-te, minha filha; é de amor e maná que vives. Enche-te para
dares às almas.
Obrigada, meu Jesus !
Senti-me mergulhada no amor de Jesus e com tanta intensidade que
terminado o colóquio pensei não aguentar o fogo que me devorava o
coração. Pensei e cheguei a falar numa toalha molhada em água para
apagar o fogo que tanto me abrasava. Receosa que me fizesse mal, não
o usei.
Por
vezes parece apagar-se e perder todo o calor; de novo volta a
incendiar-se, mas com tal viveza que parece destruir-me. Além do
fogo que recebi de Jesus, recebi também um nevoeiro brilhante que
caiu sobre mim em grande abundância. Era doce, era suave, deu-me
vida, senti-me viver, senti-me forte para sofrer.
Ó meu
Jesus, que doçuras e encantos tem a Vossa vida divina! |