21 de Dezembro
O
tempo não passa, tenho já neste mundo a eternidade. Quando verei a
Deus? Quando sairei da morte para ressuscitar para a vida? Ó meu
Deus, que pavor estar aqui! Só ruídos de grande vendaval se fazem
sentir na minha alma. Que peso esmagador de humilhações, calúnias e
desprezos!
Ó
Jesus, aceitai este abandono que sinto para Vos consolardes do
abandono em que Vos deixam os homens. Aceitai toda a prova, todo o
meu penoso calvário para vos salvar almas, para Vos amar como
mereceis e sois digno.
Ó
meu Jesus, para onde hei-de fugir eu? Onde posso esconder-me para
não poderem roubar a riqueza que dentro em mim depositastes?
Jesus, vede o meu cansaço. Queria guardar [a riqueza que me fora
confiada] em muitas casas de ferro nas quais não houvesse entrada,
queria viver debaixo do chão para não poder ser assaltada. Parece
que o inferno vem sobre mim, não sei como defender-me; dai-me abrigo
no Vosso divino Coração, guardai-me nele e guardai o que em mim
depositastes. Sinto que tudo me querem roubar; e depois, Jesus, que
contas poderei eu dar?
Ó
vida, ó vida minha! Que medo eu tenho da minha vida, que não é vida,
é só morte, tremenda morte! Parece que não posso respirar; que
grande é o meu desfalecimento! Que tremendas trevas e securas!
Desejava o meu confessor para meu conforto e purificação da minha
alma. Ele veio, usou para mim de muita caridade, esforçou-se por me
animar, mas em vão: sinto-me pior ainda. Da terra não me vem
conforto.
Ó
meu Deus, que será de mim? Estou parada na encosta da subida, não
posso nem sei caminhar. Nem um passo para a frente, não vejo. O
demónio cai sobre mim, se não é ele são as suas malditas manhas.
Pega por todas as coisas. Num ataque mais violento tentou fazer-me
como me fez Jesus e a Mãezinha, entregar-me o mundo, mas um mundo de
gozos e de prazeres. Gozar, gozar, pecar.
— Pecas com todo o inferno, pecas com toda a terra.
E
fazia-me sentir como se assim fosse, queria convencer-me disso.
Tantas vezes quero recorrer ao Céu e não posso. Depressa cedo às
suas ordens. Ouço os insultos de palavras criminosas e parece-me
repetir com ele e muitas vezes eu sozinha aquilo que ele quer. Ao
terminar o maior perigo, é que do fundo da alma posso bradar ao Céu
para assim depois ser maior o meu tormento; para ele mais e melhor
poder dizer-me que pequei.
Jesus não veio dizer-me nada; senti apenas como uma aragem suave que
me levou à minha posição do costume. A minha tristeza era de morte e
um desânimo sem igual.
Meu
Jesus, se eu não pecasse! E eu Vos amasse por mim e por todos! Se eu
Vos salvasse as almas! Se Vos desse toda a consolação! Não sei
falar-Vos, meu Amor. Vede o que me vai na alma, nada sei dizer-Vos.
Tenho desejos de dizer-Vos tudo; para Vos dar tudo, tudo sofria.
Tenho tanto que Vos agradecer! Gosto tanto de Vos dizer: “Doce
Coração de Jesus, sede o meu Amor”. Só o consentirdes-me de poder
dizer-Vos que sois o meu Amor e a Mãezinha que é a minha salvação,
sinto que não me chega a eternidade para dizer-Vos: Muito obrigada.
Recebi ontem muitos miminhos Vossos, uns doces, outros espinhosos;
fizeram-me sangrar o coração. Foram mais humilhações que recebi para
mim e para os meus. A minha alma sentiu a sua chegada; já os
esperava assim, como ainda espero mais. Oh, como é bom sofrer, ser
pequenina, desaparecer por Vosso amor! Morra o meu nome para reinar
o Vosso, meu Jesus. Desapareça eu esmagada pela dor, para só Vós
aparecerdes nas almas louvado e glorificado com amor.
Obrigada, meu Jesus, por tudo o que me alegra e faz sofrer.
Obrigada, meu Jesus, pelo santo médico que me destes. O que seria de
mim neste caminho tão espinhoso do Calvário? Vejo que sois Vós a
confortar-me, a animar-me em seus lábios. Quantas horas gastas junto
de mim! E apesar de tudo, quando está ausente, tenho dele um medo
atormentador, medo que não tem razões de ser. É assim com todas as
pessoas que eu mais estimo: apesar da sua estima, sinto-me separada
delas. Estou sozinha, tenho que estar sozinha.
Ó
meu Jesus, quando me dais o meu Paizinho? Que ânsias eu tenho que
ele me seja dado! Que necessidade tem dele a minha alma! E mesmo
assim, temo vê-lo, tenho medo, horroroso medo.
Meu
Jesus, é quinta-feira, caminho morta para a morte. O meu coração
está tão ferido, é tão maltratado! A minha alma vê todos os
sofrimentos que a esperam. O meu espírito está no Senhor, os meus
olhares nele estão. E em silêncio vou exclamando: “Meu Deus, meu
Deus; meu Pai, meu Pai!”
22 de Dezembro
O
demónio desempenha o papel de um grande ladrão; faz tremendos
assaltos ao meu coração. Quer entrar mesmo dentro dele, roubar-lhe a
riqueza que lhe foi depositada. Como não pode conseguir roubar-ma,
enraivecido, tenta estrangular-me. Parece-me que estou em sua boca
de leão, retalhada entre os dentes. Mas não é só a raiva do demónio,
não são só os seus assaltos, sinto-me assaltada pelo mundo. Ó meu
Deus, o mundo a roubar o mesmo mundo!
Sinto um cansaço tal que me deixa prostrada. Quero guardá-lo, quero
escondê-lo. Tenho uns desejos mais do que imensos de purificar este
mundo como a mim mesma. Quero ser pura, pura, e quero que ele seja
puro. Quero amar a Jesus com um amor louco, apaixonado, e quero-o a
ele também no mesmo amor. Quero banhar-me no Sangue de Jesus para
transformar-me no mesmo Jesus, e quero o mundo em igual banho, na
mesma transformação. Quero-lhe como a mim mesma; não o posso amar
mais. Que fazer para ele, meu Jesus? Fazei Vós o que eu não posso
nem sei.
Nesta manhã, ainda cedo, ao lembrar-me o dia que era, exclamei: Meu
Deus, é sexta-feira! Silêncio e dor profunda. Se existisse o meu
querer e eu pudesse fazer desaparecer do mundo este dia… Jesus,
perdoai-me, nas Vossas mãos me entrego; a Vossa divina vontade, só
ela se faça. Não é para fugir à dor, bem o sabeis; é o medo de mim
mesma, de me enganar.
Senti-me sozinha na prisão, enquanto que tudo descansava. Que dor de
alma e lágrimas silenciosas! Recebi grande lição de Jesus. Ele, que
via e sabia tudo, enquanto que a alma chorava de dor e amargura,
pedia para todos perdão. O seu divino Coração compadecido a todos
queria possuir; parecia esquecer-se da sua dor para só nos amar.
Depois, senti-me na cruz, e o sangue a cair das mãos e pés com
abundância. Com o estremecer da cruz, avivaram-se mais as feridas
dos espinhos e uma chuva de sangue caía deles, banhava-me o rosto.
Ó
Jesus, tudo por vosso amor; nem força tenho para respirar.
A
pouco e pouco, perdi todo o sangue: parecia-me estar moribunda.
Principiei a sentir na minha alma uma paz suave e doce; era paz
celeste. Parecia-me deixar o mundo, ir gozar o Céu. Fiquei por muito
tempo como que a dormir um sono terno, aquecida por um calor que me
queimava o coração e irradiava todo o peito. Principiou Jesus
a falar-me:
— Minha filha, não vives a vida do mundo, desprendeste-te de tudo o
que é dele. Vives no Céu, vives do que é divino. Os teus caminhos
são caminhos de Cristo; é por isto que não és compreendida. Olha,
meu anjo, é sublime a tua missão: é a mais rica das missões. Eis a
razão por que és odiada e perseguida; odiada por Satanás, pelas
almas que lhe roubas. Perseguida pelo mundo, porque não compreende a
vida que vives, o que é a minha vida nas almas. Não temas, filhinha,
não te é roubado o tesouro imenso que com minha Mãe te entreguei. É
só para teu maior martírio, proveito para as almas e grande glória
para Mim. Fechei-o com Minha bendita Mãe com chaves de oiro;
selámos-te o coração com selos divinos. Que dor para o Meu divino
Coração ao ver a tua dor!
É
preciso estudar, aprofundar, para compreender a vida de Cristo nas
almas.
Quando te criei, criei-te com tal perfeição, perfeição que só podia
purificar e desempenhar a missão que há de mais sublime. Assim como
já destinei as almas que te haviam de guiar, almas que compreendem,
almas que só vivem a minha vida, a vida íntima comigo. Os que cuidam
de ti cuidam de Mim.
Era
Meu desejo que todos os meus discípulos estudassem estas ciências
divinas. Não as estudam, não as compreendem. Dou-lhes as luzes
precisas; tentam apagá-las. Em vão: nada conseguem.
Em
todos os tempos necessitei de vítimas, agora mais do que nunca
necessito delas. Já te destinei, minha redentora, para nesta época
vires ser imolada, época em que a humanidade se mergulhou nummar imenso
e lodaçal de vícios. É o que sentes a roubar o mundo. É o vício que
pode mais que o homem; é o vício ladrão de tudo o que é meu.
Ó
pastorinha divina, rainha do mundo, sou Eu, Jesus, que te elejo, que
te elevo às alturas. Guarda, salva o que te entreguei. Apascenta o
rebanho no prado da pureza, no prado da caridade, da humildade e
sobretudo no do amor. Quem ama, e ama deveras, não ofende o seu
Amado.
Ó
lírio perfumado, açucena pura, irradia o mundo com os teus aromas,
com as tuas virtudes que são aromas celestes, aromas que atraem a ti
o rebanho que te confiei e que por ti vem a Mim e por ti sobe ao
Céu.
Coragem! Nada temas. A glória é Minha, o triunfo é Meu. Em todo o
tempo, foi a minha Igreja perseguida, como não há-de ser agora
aquilo que a ela pertence, o que há de mais rico e de maior nobreza?
Nunca assim imolei nem imolarei outra vítima; nunca recebi de
nenhuma tantas almas nem volto a receber. És mãe, mãe dos pecadores,
rainha deles.
Depois de Mim e minha bendita Mãe, não há como tu quem tenha sobre
eles tanto poder. Coragem, minha estrela cintilante, farol de toda a
humanidade!
Tudo
ouvi de Jesus sem dizer palavra. Ele a falar e eu a arder em fogo,
fogo consolador, fogo que me prendia mais ao Seu divino Coração. Ao
mesmo tempo, recebi um conforto que me levantava as forças que tanto
precisava para aguentar com a minha cruz.
Ó
meu Jesus, o que hei-de eu dizer-Vos? Quanto mais falais, mais se
apodera de mim a minha pequenez. Humilho-me, humilho-me, Jesus,
tenho vergonha da minha miséria, tenho vergonha de Vos utilizardes
de mim para tão altos fins. Trabalhai Vós, falai Vós, tudo Vos
pertence e falai das Vossas grandezas.
— Ó
violeta querida, puro asilo onde habito; habito em ti na terra, como
no Céu habitarás com meu Eterno Pai. És a minha Alexandrina
transformada em Cristo, só em Cristo.
— Obrigada, meu Jesus, meu Rei de Amor! |