11 de Dezembro
A
minha alma espera novas provas, o meu coração novos golpes que o
venham ferir. Estou cheia de medo. O que me espera ! Que mais virá,
meu Jesus ? Estou cansada de tanto sofrer. O corpo desfalece, mas a
vontade está pronta, suspira e só quer a Vossa vontade divina,
Senhor.
Ontem
principiei a sentir e hoje ainda mais posso dizer que me parecem
mais insuportáveis, as ânsias de salvar o
mundo.
É tal a loucura e o amor que sinto pelas almas, que me queria dar
toda a elas. Quero todo o sacrifício e de boa vontade me deixo
imolar para as salvar. Queria um punhal em minha mão para com ele
abrir o coração numa chaga tão profunda que me desse sangue para
escrever por toda a terra : “Convertei-vos, pecadores, não ofendais
mais a Jesus ! O Céu é tão lindo ! E Ele a todos criou para lá”.
Eu
queria ir de joelhos ou de rastos por toda a parte do mundo deixar
bem vivas estas palavras escritas por mim e com o meu sangue. Nem um
palmo de terra queria que ficasse sem estas letras : “Convertei-vos,
convertei-vos, pecadores”. Não sei o que mais hei-de fazer, meu
Jesus, por Vós e pelas almas.
Durante a noite fui assaltada pelas manhas do manquinho. Ouvia os
seus assobios desesperados, ranger de dentes e uivos. Depois gestos,
palavras feias e maliciosas. A meu lado e até debaixo de mim,
abriram-se grandes barreiras, abismos sem fim. Nuns escombros
feíssimos estavam grandes serpentes e enormes crocodilos que serviam
de tormento e terror para uma massa que penso ser a almas que neles
estavam. Cansada da luta e a parecer-me que caía naqueles abismos,
não podia chamar por Jesus. E o maldito dizia-me :
― Chama por mim, diz-me que é a mim que me queres, que não queres
Deus, que queres o pecado, que queres gozar.
E
procurava instruir-me com as suas feias lições. Nos momentos mais
tremendos, ao terminar a luta, foi que eu pude recorrer ao Céu,
chamar por Jesus. E já a chorar, dizia-lhe : ― Que é isto, meu
Jesus ? Enquanto que o maldito em forma de leão dizia-me :
― Pecaste ! Pecaste !
O mais
que se passou tenho necessidade de o dizer, mas só em confissão e
com muito custo.
A
minha dor e lágrimas pareciam-me ser duradoiras, mas não foram. No
mesmo lugar onde estavam os abismos, apareceu-me um formoso jardim
cheio de flores. Lírios, açucenas e mais variedades. Que lindas, que
belas ! Por entre elas sobressaiam raios, muitos raios mais
brilhantes que o oiro. Contemplei tudo sem saber o seu significado.
No mesmo instante disse-me Jesus :
― “As
flores deste formoso jardim são as tuas heróicas virtudes. As suas
pétalas são tenras, finas, delicadas ; o seu aroma é atraente. Os
raios são do meu divino Amor. Não chores, filhinha, a tua pureza não
se mancha nos combates do demónio. Sais deles cada vez mais pura,
mais encantadora. É a reparação que de ti exijo. Se não fosse esta
reparação, caiam nos abismos que agora viste tantas e tantas almas,
ficando lá eternamente”.
Ao
deixar de ouvir Jesus, vi de novo o demónio em forma de leão, de
dentes descarnados, lá de longe, mas fazia tentativas para me
engolir, e insultava-me ao mesmo tempo. Eu já não chorava e estava
em paz, naquela paz que só de Jesus vem. Com a sua força divina,
nesta ocasião não temi o demónio. Compadecida das almas que podiam
cair em tão tremendos abismos, aceitava e sofria tudo o que Jesus
quisesse. As minhas lágrimas eram de dor, receosa de ter pecado.
Depois de ouvir a Jesus, sosseguei e fiquei em paz, sequiosa do seu
Amor, ansiosa por lhe dar almas.
XE
"Amar Aquele que não é amado"
Não
quero estar na terra senão para as salvar e amar Aquele que não é
amado.
14 de Dezembro
O meu
corpo e o meu espírito são assados em grelhas vivas ; não sei dizer
a minha dor, dor que sinto sem saber de que é, nem a quem pertence.
Que fogo consumidor ! Parece-me enlouquecer com a dor que ele me
causa. Ouço ao longe grandes ruídos, faz-me lembrar um tremor de
terra quando se faz ouvir ainda sem se sentir. Mas a minha alma ouve
e sente. Foi tempestade que passou e deixou tantos estragos que
muito tempo serão lembrados e falados. Ao longe, muito ao longe, há
comentações, o meu nome é falado, enxovalhado, envolto em lama como
folha que nela apodrece. Estou envergonhada ; a minha alma sente
tudo e desfaz-se em dor.
― Ó
meu Jesus, eu quero que estas manchas, esta lama que sobre o meu
nome cai, sirvam para lavar as almas dos pecadores para que delas
desapareçam os crimes com que Vos ofenderam para se poderem salvar.
Quero sofrer inocente e não culpada, Jesus. Ó Jesus, que vida a
minha, envergonho-me dos homens, envergonho-me de Vós. Por graça
Vossa, dos homens sou vítima inocente ; por minha culpa e miséria,
de Vós, meu Jesus, sou vítima culpada. Devo sofrer, quero sofrer
porque Vos ofendi. Perdoai-me, perdoai-me, Jesus, valei-me,
valei-me, só de Vós posso esperar, só em Vós posso confiar. Dos
homens já vejo que nada posso receber. Tudo me roubam, todo o alívio
humano desaparece como o fumo, leva o seu caminho. Caiu sobre mim a
guerra do mundo e a guerra do inferno. O demónio apareceu-me na
figura de um grande cão. Lembrei-me dos cães que se atiram para
morderem sem darem sinal. Ele queria morder-me, ou melhor,
engolir-me. Quando não me ataca violentamente, atormenta-me sempre :
― Pecas quando queres. Não pecaste hoje, nem pecas agora porque
estás cansada.
Na
noite passada veio fortemente acompanhado de muitos demónios em
forma de negros esqueletos. Formaram à minha frente bancadas e camas
pretas. ― “São bancadas e camas de delícias”, dizia ele, enquanto
que os outros, junto delas, se entretinham. Dizia-me coisas
feíssimas e parecia-me que me obrigava a repeti-las.
― Não
chamas por Deus.
E
parece-me que muitas vezes não chamava, que obedecia às suas ordens.
De novo voltei a passar pelo que aqui não digo. Nos momentos de
maior transe sei que fiquei como que moribunda repetindo só com o
pensamento muitas vezes : “Ó meu Deus, ó meu Deus, ó meu Deus !”
Debaixo de mim estavam esses medonhos abismos de que já tenho
falado ; e eu suspensa sem estar amarrada a nada, a ver quando caia
neles. À voz de Jesus, os demónios fugiram e os abismos
desapareceram. Jesus mudou-me de posição e disse-me :
― “Minha filha, sobre estes abismos estão as almas ; o que as sustém
de caírem neles para sempre é a tua reparação nunca sentida, nunca
experimentada, nunca vista. Dor, imolação sem igual. Diz-me, minha
filha, pombinha amada, diz-me, desabafa comigo ; confias que não me
ofendes ?”
― Ai,
meu Jesus, meu Jesus, quero confiar e confio, mas custa-me tanto
convencer-me de que não peco, que não Vos ofendo no meio de tão
grande perigo !
― “Sossega, sossega, meu anjo, só me dás consolação, reparação e
provas a grandeza do teu amor ao meu divino Coração”.
Fiquei
por algum tempo unida a Jesus, cheia de mimo como a criancinha junto
de sua mãe, dorida apenas da dor que tinha sentido.
Novo
tormento para a minha alma, tormento que deveras me faz sofrer e não
me deixa sossegar. Queria esconder-me dentro dum cofre do qual
ninguém pudesse nem soubesse abri-lo. Quero abraçar o meu peito num
abraço que ninguém pudesse arrancar. Quero guardar não sei o quê que
me foi entregue e tenho que velar e vigiar. Não sei como, meu Deus,
conseguir guardar, guardar bem, guardar tudo. Fujo, Jesus, fujo para
o Vosso divino Coração : seja Ele o cofre bendito que me guarde para
sempre a mim e a esta entrega que me foi feita, a que tantos
cuidados me sujeita. Aí estou bem, aí estou segura, não corro perigo
eu nem aquilo que tenho que olhar e vigiar. Guardai-me, sim ?
Guardai-me para sempre.
É
quinta-feira, é já noite. Grande tormento ! Ó meu Deus, cada
sexta-feira que se aproxima é uma morte para mim. Sinto como se
estivesse num convívio de alegria e eu falasse com os que falavam e
sorrisse com os que sorriam. E a minha alma em grande agonia deixa a
terra, sobe ao Céu para só exclamar : ― “Meu Deus, meu Deus, o que
me espera !” Enquanto que esse convívio de alegria dura, o coração
lá fora é esmagado, maltratado, escarnecido e desprezado. Todos
sorriem de escárnio, á espera de novos acontecimentos. Jesus, sou a
Vossa vítima e nada mais ! |