4 de Janeiro de 1945
– Jesus,
quais são os miminhos que de Vós vou receber neste novo ano? Estou cheia
de medo, ou mais ainda, cheia de pavor. Venha o que vier, pelo muito que
eu seja ferida, humilhada e abatida, com a Vossa graça divina a tudo
direi: “Seja bem-vindo, faça-se a vontade de Jesus; sou vítima do meu
amor, vítima das almas”.
Confesso,
meu Jesus, que o meu maior receio é a minha fraqueza, temo ofender-Vos.
Confio em Vós; seja firme o meu amor e subirei alegre o meu calvário.
Reparai e vede, Jesus, as ânsias que tenho; se não fôsseis Vós,
tiravam-me a vida. Queria nascer agora, mas já Vos conhecer para nunca
manchar o meu corpo. Queria que comigo nascesse o mundo inteiro e que
todo ele já Vos conhecesse também para não se deixar manchar. Queria um
coração novo, mas que sempre Vos tivesse amado para nunca deixar de Vos
amar. O mesmo querer tenho para todas as criaturas, para assim Vos
amarem com o mesmo amor que para mim desejo. Onde hei-de esconder-me e
comigo esconder o mundo? Onde hei-de purificar-me e purificar o mundo a
não ser em Vós? Escondei-me, purificai-me. Fazei-me nascer agora para a
graça e para o amor e comigo nascer o mundo, mas de tal forma como se eu
nem ele Vos tivesse ofendido. Não sei onde estou; não vivo neste exílio
nem vivo no Céu. Parece-me viver entre ele e a terra. Fui para esta
morada, comigo levei o mundo, morada sem luz, sem vida e sem nada. A
minha alma rasga-se de dor, é indizível o que sinto em mim. Meu Deus,
que derrota! Não tenho luz, e roubaram-me os guias de tão tremendos
caminhos. Morro na escuridão, Jesus, morro desfalecida. Vinde, vinde com
a Mãezinha, dai-me força, dai-me vida.
Não posso
pensar nos combates do demónio, tremo de horror. Ele arma tantas ciladas
para prender-me! Forma tantos assaltos à minha alma! Parece-me morrer de
dor. Ouço a sua voz maldita desafiadora. E quando fica só assim! O que
mais me aflige é quando ele faz o que há de pior. Na manhãzinha de
ontem, preparava-me para comungar e logo a alma principiou a sentir os
seus assaltos. A minha preparação foi um terrível combate. Que vergonha
a minha à chegada de Jesus ao meu coração! À voz de chamada do demónio
vieram muitos demónios. E o maldito dizia-me:
– Tu és o
manjar mais delicioso para todos os demónios do inferno. Olha como te
preparas para comungar. É assim que és uma esposa de Jesus! Não és, não
és, Ele não te quer, és minha, dá-me o teu coração. Se mo deres por
vontade, dou-te o mundo com todos os encantos, grandezas e prazeres.
Nesta
altura, consegui renovar a Jesus a minha oferta de vítima e escrava.
– Não quero
o mundo nem nada que lhe pertença, meu Jesus, o que eu quero é não
pecar. Amar-Vos só e não magoar o Vosso coração divino.
O demónio
redobrou de raiva. Sentia que o que ele queria era que eu lhe desse de
boa vontade o meu coração e com ele o mundo. O meu corpo estava desfeito
com o cansaço. O momento era grave. Ao parecer-me estar tudo perdido,
não haver remédio para mim, bradei ao céu de alma e coração:
– Pecar
não! Valei-me, Jesus!
Cessou a
luta, mas ficaram-se na alma uns tristes efeitos. Uma tristeza tão
grande por não ter pecado, parecia-me que gostava ter ofendido a Jesus.
Que aflição a minha! O demónio, mais retirado, continuava raivoso;
queria voltar a arrancar-me a alma e a despedaçar-me o corpo. A pouco e
pouco, uma suavidade e paz apoderaram-se de mim, invadiram-me toda.
Jesus fez-me sentir que tudo o que se passava na minha alma eram efeitos
do demónio. Era ele que tinha pena de eu não ter pecado e estava raivoso
por não o ter conseguido. Chegou logo Jesus para eu O receber; gozava
uma grande paz, mas muito triste, tímida e envergonhada. Logo que O
recebi, esqueci por algum tempo tão tremenda e feia luta.
Hoje,
voltou o maldito com outro ataque infernal. Só Jesus vê a dor que me vai
na alma. Disse-me que eram as pessoas cúmplices do meu crime, ensinou-me
a pecar.
– Meu Deus,
como sair disto sem Vos ofender? Só com a Vossa graça. Por misericórdia
Vossa, só nos momentos da luta eu sei e compreendo as lições do
mafarrico. É mais uma prova do Vosso infinito amor. Só Vós sabeis quanto
eu quero amar-Vos e reparar as ofensas feitas contra o Vosso divino
coração e nunca manchar o meu corpo nem a minha alma. Triste
quinta-feira que me dás a sexta!
A minha
alma está cansada de tantos sofrimentos, de tanta dor que a espera. Temo
as horas que se aproximam, temo a morte. O céu está revoltado com tanta
ingratidão da terra. Temo tudo, mas por tudo quero passar; quero morrer
para dar a vida! |