31 de Dezembro de 1944
Quase
todos os dias, ora dum lado ora do outro, vêm espinhos, por vezes bem
agudos, cravar-se em meu coração. Recebo-os sempre com alegria embora
com custo: manda-os Jesus: sejam bem-vindos, são mimos do Senhor. São
mimos que ferem! Também eu, por minha miséria, cravo em Jesus espinhos
muito mais dolorosos e Ele é inocente eu não sou. Estes pensamentos
animam, dão-me coragem para abraçar por amor tudo o que de Jesus vem.

“Ó Jesus, ó Mãezinha, ó Mãezinha, valei-me, sou a
Vossa vítima, sou a Vossa escrava.”
Que vida
tão dolorosa a minha! Meu Deus, como são variados os sofrimentos que me
dais!
Passo
horas do dia e da noite em ânsias dolorosas de guardar o mundo. Jesus
modificou agora estas ânsias.
Umas
horas quero guardá-lo, mas é como se fosse obrigada. Não sei por quê,
não sei o que é: quero prendê-lo e não sei de onde me vem a força para o
fazer: não é por mim, alguma coisa me obriga. Parece-me ser o amor que
se sujeita a prendê-lo. Ao mesmo tempo faço-o com repugnância, parece-me
que ele era digno de esquecimento e desprezo.
Vêm
outras horas que tenho tanta pena de sentir pelo mundo a repugnância e o
aborrecimento e avivam-se em mim vivos desejos de o conquistar e de o
possuir, enlouqueço-me tanto de amor por ele que me faz lembrar um pai a
quem lhe fugiu o filho e voltando a casa o pai em vez de o castigar
abraça-o e cobre-o de carícias. Eu, louca de alegria a querer abraçar
toda a humanidade, chego a exclamar: Ó mundo, estou louca de ti; ó como
eu te quero, como eu te amo! Em ti vejo Jesus.
Tantas
coisas queria dizer destas ânsias que me consomem. Como pode ser isto,
amar o mundo, aborrecer o mundo, querer possuí-lo, se eu quero deixá-lo?
— Ó meu
Deus, ó meu Jesus, ponde em mim os Vossos olhares, amparai-me, assim
vencerei.
Durante
a noite fui assaltada, mas assaltada tormentosamente. Já durante a tarde
a minha alma sentia que ele andava a rodear-me. De longe a longe ouvia
dele palavras de ameaça. Veio então não sei a que hora nem o tempo que
ele demorou. Sei que foi muito. Convidou o inferno para vir
atormentar-me. Dizia-me o que há de feio, feio e horroroso.
Durante
a luta passei por vários abismos; uns mais espaçosos, outros mais
fundos. Mas apesar de muito feios ainda sobressaíam neles uns raiozinhos
de luz. O último foi o mais aterrador: fantasmas negros o rodeavam. Eram
tantos, tantos demónios, mais negros que o carvão, em várias formas e
caras tão feias. E eu prestes a cair neles. Parecia-me perder a vida, o
coração batia aflitivamente; o suor banhava-me o corpo. O maldito
afirmava-me pecar e que gostava de pecar. A hora era grave. Meu Deus,
que tanto perigo! Pelos meus lábios saíam zunidos como tempestade
furiosa. Eu mesma dizia coisas. Ai que raiva a do maldito! Ouvia o
ranger dos dentes e querer-me estrancinhar. Só então eu repetia:
Ó Jesus,
ó Mãezinha, ó Mãezinha, valei-me, sou a Vossa vítima, sou a Vossa
escrava.
Ouvi
então Jesus:
— Desempenha, ó anjo do Céu, a missão que te confiei. Toma em tuas mãos
a minha esposa querida, o meu anjo em carne, leva-a, coloca-a no seu
lugar.
Não
pecaste, minha filha, convence-te, não pecaste. São altos os juízos
divinos. Escolhi-te para reparares por todos os pecados. Se não fosse a
tua reparação, quantas almas se perderiam!
As que
caíssem neste último abismo nunca mais de lá saíam. São os que preferem
o pecado a Deus: pecam com toda a malícia, com todo o conhecimento.
Antes querem o prazer do que possuir a Deus. Eis a razão por que não
querias nas tuas mãos o terço.
Por um
acaso, quando principiou a luta, possuía nas mãos o terço da Mãezinha.
Durante o combate não o quis, arrumei-o. Continuou Jesus:
— Os
abismos que ainda possuíam luz são aquelas almas que pecam por fraqueza,
mas temem o pecado, querem vencer-se. Em ti vence o amor, a tua loucura
por elas. Não pecaste, anima-te, minha pomba bela!
Terminado isto, estava já na minha posição, confiei em Nosso Senhor, mas
fiquei muito dorida do que se tinha passado. Sempre a causa do meu
sofrimento é o medo de pecar.
Logo que
pude, cedo ainda, principiei as orações da manhã. Sentia que Jesus não
me ouvia palavra; mal as pronunciava, logo morriam.
Via
todos os sofrimentos passados durante o ano sem nenhuns me pertencerem
nem nenhumas orações; se me pertenceram, mal nasceram, morreram. Estava
a terminar o ano e eu sem nada ter que dar a Jesus. Principiei a ver de
tal forma a minha miséria, o meu nada!
Recordava o meu Pai espiritual prisioneiro e a sofrer tanto por minha
causa! Pensava em todas as luzes que me foram tiradas e que tanta falta
me fizeram para me guiarem e aproximarem de Jesus. Pensava no meu médico
assistente e pessoas queridas que tantos cuidados, carinhos e amor me
têm dispensado. E eu assim, tão nada e miserável! Não pude resistir,
principiei a chorar.
Ó meu
Jesus, ai, tantos cuidados e passos perdidos por minha causa! Ai, o que
eu sou e a quem eles pensam fazer as coisas! Recompensai-os, meu Deus,
enchei-os de Vós, do Vosso amor.
Foi um
dia cheio de amargura. Recebi alguns mimos que me deram alegria. Quando
a alma principiava a senti-la, a saboreá-la, logo vinha Jesus com um
corte separar tudo. Faça-se a Vossa vontade, ó meu Amor, por Vosso amor.
À
meia-noite agradeci a Jesus todos os benefícios recebidos durante o ano
e tudo o que me tinha feito sofrer. Pedi para que rezassem comigo um Te
Deum em acção de graças. Terminado ele, acrescentei:
Obrigada
por tudo, meu Jesus, por toda a dor e por toda a alegria. Perdoai as
minhas ingratidões para convosco. Que me espera agora no novo ano?
Mandai-me o que quiserdes, Jesus, que tudo aceito, mas não me falteis
com a graça precisa e dai-me todo o Vosso amor. |