12 de Janeiro de 1945
Que
dor a minha, ó meu Deus, se não sois Vós quem poderá
compadecer-se dela. Que horror aos sofrimentos e êxtases das
sextas-feiras, que horror aos ataques do demónio. Já tive hoje
momentos que me parecia que a tudo ia dizer a Jesus que não.
Senti-me sozinha na prisão, de mãos atadas, olhos cerrados na
tristeza mais profunda, de lábios mudos sem dar resposta a nada.
Senti o meu corpo despedaçado pelos açoites e as carnes calcadas
aos pés. Ao sentir-me assim, lembrei-me do sofrimento de quando
Jesus permitia a minha crucifixão. Sentia também o meu sangue a
correr e o coração como que calcado aos pés. Sentia na minha
alma olhares de terna compaixão pelos que me faziam sofrer. Era
tal o horror que me causava o inferno, a perda das almas
eternamente que, em vez de os aborrecer, queria-os, amava-os
para salvar as almas. Via que só a dor os podia salvar. Veio o
demónio ao encontro destes terríveis sofrimentos. Combati com
ele, banhei-me em suor. Quando ele tentava instruir-me no
pecado, pedia-me que lhe desse o meu coração com amor, ao menos
enquanto pecava com ele e com quem ele lhe apetecia dizer-me.
Horror, horror, horror! Momentos de tanto perigo. Levantei os
meus olhos ao céu a pedir socorro, e cessou a luta. Mas
parece-me, se viesse naquele momento todo o céu a dizer-me que
não tinha pecado, quase não acreditaria. Meu Jesus, estar tantas
vezes num fogo vivo e não me queimar! Faltou-me a minha
respiração. A dor quase me desnorteou. Fiquei com os olhos
levantados e firmes no céu a dizer a Jesus que não queria pecar,
e o meu corpo ficou na cruz, e ia murmurando sempre:
– Jesus, sou a Vossa vítima. Mas, se assim vou neste aumento de
dor, de horror e medo, não venço, não resisto a tanto. Tendes de
sofrer e resistir só Vós, meu Jesus, bem sabeis por mim que nada
posso.
Veio Jesus, falou-me tão meigamente:
– Minha filha, flor solitária, mimo da humanidade, dor que
salva, amor que tudo vence. Minha filha, jardim do paraíso, em
ti semeei, a ti vem o mundo colher flores de virtudes, flores de
amor. Minha filha, tesouro escondido, em ti se encerram as
riquezas divinas. Tesouro escondido, porque quase tudo
desconhece o que em ti depositei. Minha filha, pomba branca,
pomba angélica, a tua vida é um trinado de louvor a Jesus, a
toda a Trindade divina e à minha Mãe santíssima. Venho a ti,
estou em ti, deste palácio não posso ausentar-me. O réu não
deixa a sua rainha. És porto de abrigo, és porto de salvação, és
o abrigo dos pecadores, a salvação da humanidade. É aterradora a
guerra? Nada temas. O rei com a sua rainha, rainha com o seu rei
poderoso, tudo vence. Os soldados estão firmes, combatem pelo
seu rei, obedecem aos seus mandados.
– Ó
meu Jesus, sou tão pequenina, como podeis encontrar-me! Sou só
miséria, como podeis fitar em mim os Vossos divinos olhares!
Tenho vergonha, não posso levantar os meus para Vós.
Compadecei-Vos de mim. Eu sou flor, eu sou jardim, sou tudo o
que dizeis, porque Vós semeais, Vós cultivais; sois Vós o
jardineiro, sois Vós a flor, sois Vós tudo, tudo, tudo, meu
Jesus. Sois o porto de salvação, porque a mesma salvação sois
Vós. Reparai e vede a minha dor, tende dela compaixão. Quero
amar-Vos e não sei como, quero sofrer pelo mundo para o salvar e
não sei sofrer. Temo o meu desfalecimento, temo cair para não
mais me levantar.
– Não temas, flor mimosa, adorno do meu divino Coração, não
temas, porque não estás só, os anjos acompanham-te dia e noite,
fazem sentinela ao palácio da minha rainha. S. José veio
visitar-te. Viste-lo com a minha bendita Mãe? A criancinha que
ela tinha ao colo, de braços atados ao seu pescoço, eras tu
mesma, minha filha. És a criancinha de Jesus, és a mesma de
Maria. Com Ela salvarás o mundo que te foi confiado, o mundo que
hás-de salvar. Dei-te, é teu, não temas, que não te é roubado.
Viste o painel que por detrás e acima da minha bendita Mãe e de
S. José pudeste contemplar? Era o da Trindade Divina, Trindade
que te ama, Trindade que se consola em ti. É o céu a
contemplar-te, é o céu a dar-te a vida, vida de que vives e para
quem vives. É teu o céu e é de muitas almas a quem salvares,
almas que sem os teus sofrimentos nunca se salvariam. Vão gozar
de mim, vão gozar do céu, a ti o devem, à tua imolação, ao teu
sacrifício, ó minha querida redentora. Recebe o meu amor, ó amor
meu, dá-o, distribui-o com abundância por toda a humanidade. Em
breve, será conhecida, em breve, será espalhada a tua dor, o teu
amor inigualável.
– Obrigada, meu Jesus. Que todo o mundo se salve, que todo o
mundo Vos ame louca e apaixonadamente: são os meus desejos, são
as minhas ânsias. É essa e só essa a causa do meu sofrer. Tenho
tantas, tantas ânsias e saudades do céu! Queria voar para lá e,
quando não pudesse entrar para dentro, queria ao menos arrancar
do meu peito o coração e metê-lo dentro do Paraíso e dizer:
Jesus, Mãezinha, aqui tendes o meu coração, dentro dele está o
mundo, guardai-o, que é Vosso; vou para a terra sofrer e amar,
enquanto esse mesmo mundo for mundo. Ah! Se eu pudesse fazer
assim! Se eu pudesse dar esta consolação a Jesus! Entregar-Lhe o
mundo todo, todo salvo! Ó meu Jesus, não deixeis ir mais almas
para o inferno: são Vossas, é o Vosso sangue, não o deixeis
perder.
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