– O meu
sofrimento, o que se passa na minha alma, nem eu sei dizê-lo; mas
sabe Jesus, conhece-o, sabe que não minto, que não vivo para
enganar. Ao menos isto: Jesus conhece e só Ele poderá pedir-me
contas. Sinto
que
sou um mundo de pecados, de podridão. Sinto que sou um mundo de
frieza e de ingratidão. Sinto que sou um mundo de esquecimento e
desprezo por Jesus e sinto que sou um mundo de sangue. Que dor para
mim ao sentir que tudo fiz e nada mais posso fazer pelo mundo. Mas,
meu Deus, o que fiz eu, se tudo o que sofro e tudo o que faço não me
pertence! Como posso sentir que tudo fiz pela salvação do mundo! Não
dei por ele a minha vida, mas essa mesma já a ofereci a Jesus. O que
é este mundo de sangue que eu sinto que sou? Vós o sabeis, ó meu
Deus, isso basta. Parece-me que toda a humanidade é banhada nele.
Ai, se eu soubesse o que podia fazer para a salvar! E as pobres
criancinhas do limbo? Não desisto da minha oferta, dos meus pedidos
a Jesus para as ir lá baptizar. Oh! se eu pudesse! Se Jesus o
consentisse! Eu queria estar de joelhos, enquanto o mundo fosse
mundo, claro está, sempre com a graça e força de Jesus, para obter
d’Ele esta graça: baptizar as criancinhas. É insuportável a dor que
me causa a lembrança de elas ficarem uma eternidade inteira sem
amarem a Jesus, sem O verem, sem O louvarem. Que pena, que pena, meu
Jesus, parece que morro de compaixão por elas. E as almas que estão
no inferno! Ó meu Jesus, não ter ele fim! Não sei se me faço
compreender. A minha alma sente uma dor indizível não tanto pela dor
que elas lá sofrem, mas sim por não poderem mais ver a Deus. Oh! que
negro sofrimento, parece-me mais do que desespero. Meu Jesus, nem
sei o que digo: queria sofrer tudo, tudo e remediar todos estes
males. Ó meu Amor, ó meu Amor, Vós, sim, Vós vedes, Vós acreditais
na sinceridade das minhas palavras; não saem só dos meus lábios,
saem do mais íntimo do meu coração, do meio da maior dor e agonia da
alma. Sim, meu bom Jesus, sabeis que não é intrujice, como alguém
diz que a minha vida o é. Por graça e misericórdia Vossa nunca
pensei em tal. Há em mim alguma coisa de bom, de louvável? Não o
sinto, não o conheço. Mas, se o há, a Vós pertence, não é meu. Oh!
quantos espinhos ferem este coração que já não existe senão para
sofrer. É do fundo da alma que Vos peço perdão para os que tão
cruelmente me ferem. Sou ferida por aqueles de quem menos devia ser,
mas também eu procedo assim por Vós, meu bom Jesus. Perdoai-me. A
minha alma sente que muitos dos que me têm ferido querem agora
limpar-se, mas a mim não podem, sou trapo imundo, ainda se sujam
mais. Ai, como estou magoada, mas antes milhões de vezes sofrer
inocente do que uma só vez culpada. Não quero perder um momento a
minha união com Deus.
Passei
a noite alerta, muito alerta; pedi tantas coisas ao meu Jesus!
Repetidas vezes renovei-Lhe a minha oferta de vítima. agradeci-Lhe
mais o benefício que me concedia de eu não dormir, pois assim melhor
Lhe podia fazer companhia e conversar mais a sós com Ele, viver mais
a vida d’Ele e só com Ele desabafar. Sem eu querer, vinham-me ao
pensamento tantas, tantas coisas que me fizeram e fazem sofrer, e
dizia:
– Jesus, passam-se semanas, meses e anos e eu encerrada dentro
destas pobres paredes. Elas e Vós sois testemunhas das minhas
agonias e lágrimas. Fiz alguma coisa para parecer bem, para merecer
louvores ou para enganar? Por grande misericórdia e graça Vossa
nunca o fiz, meu Jesus. Sou a Vossa vítima, aqui me tendes
prisioneira neste quarto, por Vosso amor e pelas almas. Nunca gozei
o mundo nem as suas falsas alegrias. O meu gozo, a minha alegria é o
Vosso amor e a salvação das almas.
Nesta
conversa e unida a Jesus, fui assaltada pelo demónio. Usou das suas
manhas, das suas malícias, dizia-me:
– Hoje
é só comigo que tu pecas, é para pecares com mais amor, abraça-te a
mim.
Dizia
coisas vergonhosas que não posso dizer. Não me deixava recorrer a
Jesus; só ao terminar da luta o pude conseguir deveras. E, neste
momento, uma multidão de anjos em torno cercavam a minha cama. De
repente, fiquei na minha posição e o demónio retirou-se para longe,
de onde me afirmava alegremente que eu tinha pecado. a visão dos
anjos, o brilho da sua luz aliviaram-me a minha dor. Eles estavam
como que admirados de tal tragédia, mas compadecidos de mim. Mas as
palavras afirmativas do demónio causaram-me tal ferimento e
impressão que de verdade parece-me que, quando chamei por Jesus, já
era tarde e só por graça d’Ele não O teria ofendido. Já passaram
tantas horas, e este receio, esta dor cá estão em meu coração
vivamente. Recebi o meu Jesus tão cheia de medo e com tanta pena e
receio de ter pecado. Ai, meu Deus, que vida a minha. Na noite
anterior a esta, combati por muito tempo com o maldito; combati
sempre sobre abismos, mas variados, alguns eram aterradores.
Sobressaíam sobre mim as labaredas de fogo quase preto e faziam tal
estrondo, tal ruído que pareciam de cascas verdes de lenha. Dizia-me
o demónio:
– Este
é o prazer desordenado, este é o prazer mais delicioso. Goza, goza
comigo, é tão bom gozar, etc.
Ofereci
a Jesus os meus suores, o medo de pecar por aqueles que nada temem e
nada sofrem por ofender e ver Jesus ofendido. Sinto que a minha
oferta nada vale. A dor que me causa todo este martírio tira-me a
alegria e a consolação de tudo.
– Ó meu
Deus, se eu pudesse convencer todas as almas do que se sofre no
inferno! Se eu pudesse fazer-lhes conhecer o que é uma ofensa feita
a Vós, a dor que causa ao Vosso amantíssimo Coração! Sinto-me
envergonhada, meu Jesus, por nada fazer por Vós e por nada saber
dizer da dor que sinto ao saber-Vos ofendido e por não Vos amar nem
Vos fazer amado. É a verdade pura que me sai dos lábios e do
coração. Não é assim, meu Jesus? Que grande graça ao menos Vós
saberdes que não minto, que não intrujo. Por tudo isto dai-me amor,
amor, almas, sempre almas. |