Escusado é fugir, nem esconder-me; não posso, não tenho para onde.
Tudo é noite. E sinto-me à porta do inferno. Ó meu Deus, que
tormentos arrepiantes me esperam.
Chegou
a sexta-feira, triste sexta-feira! Vi a minha cruz, vi-a ainda cedo;
preparavam-na a toda a pressa. Ela
era
precisa, fosse qual fosse a sentença que eu recebesse. Dentro da
minha alma sentia a mansidão, a bondade sem igual; dentro dela
também, e ao mesmo tempo, sentia contra a mesma bondade e mansidão o
ódio, o rancor, o desespero e uma autoridade orgulhosa; orgulho sem
igual. Feras contra o Cordeirinho mais pequenino e inocente. Meu
Deus, que dor por esse cordeirinho tão cheio de bondade! Senti essa
autoridade orgulhosa ainda antes de lavrar a sentença contra o
cordeiro inocente; com um furor diabólico rasgaram de cima a baixo
os seus vestidos.
Ao
encontro destes sofrimentos vieram os sofri-mentos causados pelo
demónio. Ele anda deses-perado, não sei porquê, mas certamente por
Jesus não ter deixado, ainda não continuou as suas manobras
infernais. Veio para a minha frente em figura de fantasmas, mas de
tal altura que não lhe via o princípio nem o fim. Mostrava-se muito
nojento por mim. Senti-o a querer escarnecer-me dentro da boca,
piores ainda, não as digo aqui, é porco, é es-candaloso. Ele não se
satisfaz com tudo isto; a sua raiva é por não conseguir fazer o que
tantas vezes tem feito.
— Jesus, aceitai o meu sacrifício, custa-me tanto falar; é
obediência, santa obediência; se não fosses tu, sofria sozinha, em
silêncio, só Jesus o sabia.
E hoje,
dia da Mãezinha, e eu ainda sem comungar, sem receber do meu Jesus
força para tanta dor, dor que desfaz, dor que rasga e volta a rasgar
a minha pobre alma. Subi a montanha do calvário com tanto custo,
sempre a parecer ir expirando. Clamei, clamei sem cessar:
— Pai,
ó meu Pai, até tu me deixas, até tu me abandonas!
O meu
sangue corria, encosta abaixo. Escondeu-se o sol, encobriu-se
envergonhado de tanta malícia. E eu, envergonhada, estava na cruz,
despida, à vista da canalha mais vil. Os meus vestidos foram
cortados e distribuídos. A minha tristeza e amargura não cessaram. A
alma tremia com dor e com medo como o corpo treme de frio. A bradar
sempre por Jesus, Ele veio e trouxe com Ele um sol luminoso e
abrasador. Cessaram as tremuras da alma, o medo e toda a dor; só
tinha paz, só tinha luz e amor. O coração principiou a receber uma
vida que não sei explicar, todo o peito se me abrasou em chamas. Que
suavidade eu gozei e por muito tempo. A abóbada do céu desceu sobre
mim toda ela almofadada em algodão, a qual envolvia os anjos com
instrumentos. Ouvia os seus hinos maravilhosos, não os compreendia
bem, mas sei que eram a Jesus Sacramentado. Ouvi as palavras
Corpus Domini Jesu Christi, senti que Jesus se deu a mim e me
prendeu mais e mais a Ele. Os anjos continuavam a cantar; por entre
eles sobressaiu um canal fortíssimo directamente a mim, dele caíam
chamas de fogo e muitas e muitas coisas, tudo entrava para mim. E
então principiou Jesus a dizer-me assim:
— Este
canal, minha filha, é do coração da tua e minha Mãe Bendita; dele
recebes o nosso amor na maior das abundâncias; dele recebes as
nossas graças, virtudes e dons, riquezas divinas e tudo o que é do
céu. Dele recebes vida para viveres, vida para dares às almas. É
este o orvalho, o sangue que sentes cair sobre a humanidade. É uma
mistura que faço das minhas riquezas, das minhas graças com a tua
dor. És a nova redentora. Passo para ti tudo pelo canal da minha
Bendita Mãe; és tu com Ela que salvas o mundo. Não te entristeças,
minha filha, por não me receberes na Eucaristia. Quanto mais fores
humilhada e a minha divina causa combatida mais maravilhas, maiores
prodígios opero em ti. A minha divina ciência tem sempre que dar-te
e tu, minha pomba bela, tens sempre que oferecer. Já que é sem igual
a tua dor, o teu martírio, é sem igual o meu amor, as minha
maravilhas em ti. São luzes confusas para aqueles que as não
quiseram ver claras. Vida maravilhosa e prodigiosa é a tua, ó filha
querida. Tu és orvalho que fecunda e dá vida. Tu és de Jesus, tu és
das almas. És a bolinha de Jesus, és a bolinha dos meus
entretimentos, dos meus encantos, assim como és a bolinha de
encantos atraentes para os pecadores. És de Jesus e és deles. És
vítima que amas e encantas o céu, és vítima que dás a vida momento a
momento pela humanidade. Recebe toda esta vida divina, dá-a ao mundo
faminto, dá-a ao mundo em perigo. A ti o entreguei, a ti o confiei.
Tenho eu, Jesus, toda a confiança em ti. Confio tanto quanto tu me
amas, quanto amas as almas. És rica comigo, comigo as salvas, comigo
e minha Bendita Mãe. Vai, minha jardineira, para a minha
agricultura. Vai dar, vai distribuir.
— Deixai-me, meu Jesus, dar tudo o que de Vós recebi a todos aqueles
onde vai agora o meu pensamento.
E
nomeei as pessoas a Jesus. Ainda abrasada no Seu divino amor, cantei
à Mãezinha:
No
meu calvário, na minha cruz,
Clamei alto, clamei sempre
Por
ti, ó Mãe, ó Mãe de Jesus!
Mãe,
ó Mãe de Jesus,
Mãe,
ó Mãe do meu Senhor,
Vem,
dá-me luz, vem dá-me amor,
Suaviza a minha cruz!
Desprendi-me de Jesus. Desapareceu o céu com todo o brilho, e o
canal do coração da Mãezinha desapareceu com ele. Fiquei de novo
sozinha na minha cruz, mas com o coração a arder, todo o peito está
em chamas. Com a força que recebi pude ditar tudo isto sem grande
sacrifício das minhas palavras. Sinto ainda o fogo no coração, mas
os lábios já mal têm força para mover-se. |