(Durou
três quartos de hora)
– Para
onde caminho, Senhor? Que será de mim, meu Jesus?
Tudo é
medo, tudo é pavor. Caminho apressadamente por entre ruas escuras e
estreitas. Caio desfalecida,
esmaga-me
o peso das humilhações. Sou arrastada por duas cordas. Sinto o meu
rosto por terra, as faces muito feridas. A dor dos agudos espinhos
vem penetrar-me até ao coração; dor que parece dar-me a morte. Sinto
os joelhos, os ombros e mais partes do corpo em dolorosas chagas.
Envergonhada de tanta curiosidade, na tristeza mais profunda que se
pode imaginar, a custo vou caminhando, caindo repetidas vezes. Neste
caminho vem ao meu encontro a mulher, a mulher querida, compadecida
da minha dor. Com que ternura e amor limpa do meu rosto o suor, o
sangue e o pó. Os laços da mais estreita amizade prendem os nossos
corações. É indizível o que queria dizer dela, os louvores que
queria dar-lhe. Oh! como queria que ela fosse falada por este acto
tão heróico. No alto da montanha, que desespero sinto em mim, é
desespero de amor. Tudo me causa horror: a morte, a morte, o
abandono, ó meu Deus. De joelhos, levanto os olhos para o Eterno
Pai, dou-Lhe o meu sinal de aceitação a tudo. Baixo os olhos, entro
em mim e num abraço mais íntimo estreito tudo ao meu coração.
Entrego-me à morte. Os algozes continuam o seu bárbaro papel. Quadro
horroroso! Que nojo e vergonha de mim mesma. O meu corpo e a minha
alma a desfazerem-se em lepra. Espero a minha hora.
Passei
da dor ao amor, do calvário, da cruz ao tabor. Principiei a sentir o
amor de Jesus fortemente no meu peito e no coração e a Sua divina
presença em mim; e logo ouvi a Sua voz, doce e suave:
– Vem o
céu a prestar homenagens ao Rei do céu, à rainha da terra no seu
encontro demorado. Era meu desejo, minha amada, minha pomba querida,
que o mundo conhecesse a forma como me dou à minha esposa, à alma
virgem. Queria que o mundo conhecesse e compreendesse este amor: o
amor com que te amo, o amor com que me amas a mim, o amor às almas,
o amor à cruz. Era meu desejo, desejo, grande desejo que o mundo
conhecesse a tua vida, vida do amor mais puro, vida de heroicidade,
vida de heroísmos com toda a abundância. A tua vida é um painel
riquíssimo onde está retratada a vida divina, a vida mais completa
de Cristo crucificado. Os homens, os homens, minha filha, opõem
barreiras escandalosas a esta vida que eu desejava fosse conhecida
para glória minha e bem das almas.
– Ó meu
Jesus, por eu não ter querer quero o que Vós quereis; se assim não
fora, queria viver escondida, viver como se não vivesse, viver como
se nunca tivesse existido, contanto que Vos amasse e as almas
fossem salvas. Mas, se assim o quereis, o remédio está nas Vossas
divinas mãos; fazei que os homens procedam doutra maneira.
– Não,
não, minha amada querida, não é assim.
– Perdoai-me então, meu Jesus, perdoai-me, se Vos ofendi.
– Sossega, não me desgostaste. Onde estão as graças que lhes dei?
Não se utilizaram delas, desprezaram-nas, calcaram-nas a seus pés.
Utilizaram-se da sua vontade própria, do seu orgulho, dos seus
juízos, das falsas luzes. Que mágoa para o meu divino coração.
Coragem, filhinha, vence a minha divina causa e com ela vencem os
que por ela lutam. Tu és o verdadeiro caminho, estrada de oiro,
estrada real, cercado de um lado e do outro das pedras mais
preciosas, das maravilhas do Senhor. Felizes almas, felizes
pecadores que nela entrarem que vão a porto de salvação. Os teus
olhares, os teus carinhos, as tuas ternuras, tudo leva ao céu. São
olhares, ternuras e carinhos atraentes que atraem a ti as almas. Por
ti vêm a mim. Vais agora, minha filha, receber a vida divina, a vida
que te alimenta e dá vida, a vida que dás às almas. Vais receber o
meu divino sangue.
Jesus
uniu o Seu divino Coração ao meu assim como o Seu santíssimo rosto e
lábios se uniram aos meus. O meu coração parecia-me estar colado ao
de Jesus e do Seu Coração divino passava para o meu sangue. Sentia o
meu a dilatar-se, a dilatar-se, era grande, muito grande. Sentia
também receber vida dos lábios de Jesus para os meus. Ele cobria-me
de carícias e dizia-me:
– Dou-te o meu sangue, a minha vida por onde eu quero e como quero.
Esta
união foi demorada. Depois de algum tempo, Jesus chamou:
– Vem,
minha Mãe, minha bendita Mãe, dá a tua vida celeste, dá as tuas
graças e riquezas a esta minha filha e esposa e também tua filhinha
querida.
Jesus
desuniu de mim o Seu santíssimo rosto e lábios, mas deixou sempre
ligado o Seu divino Coração. Tomou a Mãezinha o lugar de Jesus; uniu
o seu santíssimo rosto ao meu, estreitava-me, cobria-me das suas
carícias e bafejava-me com tanta doçura. Senti que d’Ela recebi
muita vida, e dizia-me:
– Minha
filha, esposa do meu Jesus, tabernáculo do meu Jesus, sacrário do
meu Jesus, onde Ele habita sempre, sempre.
E Jesus
dizia-lhe:
– Dá-lhe, minha Mãe, as riquezas do céu, dá-lhe todo o teu amor. Ao
menos tu e eu a darmos-lhe a sentir o nosso amor e consolação, já
que das criaturas, a quem ela ama e que estão a seu lado, não recebe
consolação, não sente que elas a amam e até delas tem medo.
Tirei-lhe tudo, tudo, tirei-lhe para minha glória, tirei-lhe para a
salvação das almas, tirei-lhe para abrilhantar a escora que sustenta
o braço do meu Eterno Pai, para ela, ao ver tal brilho, tais
encantos, se esqueça do seu poder e use de misericórdia, só de
misericórdia para o mundo. Tirei-lhe tudo, espremi-a, espremi-a,
dela consegui os licores deliciosos.
– Desprende-te de nós, minha filha, vai para a tua cruz, para a tua
vida de amor.
O meu
coração estava cheio, cheio; Jesus fechou-o para não sair dele o
sangue, e disse:
– Este
é o sangue que germina, gera e dá a vida às virgens como tu.
– Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Custa-me tanto
desprender-me de Vós, sair deste amor! Sim, por Vosso amor
desprendo-me, mas antes dai-me este amor para dar às almas que eu
amo e me são tão queridas; dai-mo para eu dar a todos os meus,
dai-mo para eu dar àquela alma que está em perigo e por quem Vos
ofereci hoje os meus sofrimentos. Quero que ela se salve e como
sinal disso não quero que morra sem todos os sacramentos. Dai-mo
para eu dar às almas que tanto me fazem sofrer, para que Vos
conheçam melhor e Vos amem cada vez mais. Dai-mo para dar ao mundo
inteiro, para que ele seja salvo.
– Vai,
ó nova redentora, salvadora dos pecadores, vai, obedece, escreve
tudo, faz esse sacrifício, dá o nosso amor como desejas, com toda a
abundância.
– Obrigada, Jesus e Mãezinha, obrigada sempre na terra e no céu.
Voltei
à minha cruz, ao mar imenso das minhas dores. Já lá vão algumas
horas e o meu coração ainda arde como uma grande fornalha.
– Bendito seja Jesus e o Seu amor. |