18 de Janeiro de 1945
– Ó
meu Deus, fugir para onde, se não há esconderijo para mim.
Tristes horas me esperam. Sinto em mim um mar imenso de
sofrimentos. Estou como se a morte estivesse para bater-me à
porta. Apesar da ingratidão
contra mim, ingratidão sem limites,
quero todos os sofrimentos, quero abraçá-los. Só a dor e a morte
serão o remédio de tantos males. Sinto de joelhos, inclinada na
presença do Eterno Pai para ser imolada como a mártir que de boa
vontade se entrega e inclina diante do carrasco para ser
degolada. A minha alma está triste até à morte. À vista de
tantos sofrimentos, não pode ter alegria. Se a minha morte fosse
a vida para toda a humanidade! Ó trevas, ó horror, ó meu Deus,
que para tantos tudo é perdido, tudo é inútil; de nada valem as
minhas dores, o meu martírio, a minha morte. Estou louca. Agora
levanto-me, estendo os meus braços e com olhares de quem tudo
pode fito-os no Eterno Pai. Pai, ó meu Pai, aqui tendes a Vossa
vítima, vítima que a todos quer salvar, mas não me abandoneis,
não me deixeis envolta nas trevas, entregue ao demónio. Pobre de
mim, meu Jesus, que ânsias consumidoras. Quero meios, mais meios
para salvar o mundo. Não os encontro, não os conheço; nada mais
posso fazer por ele. O meu coração está louco, louco pela
humanidade, louco por todas as almas. Se eu tivesse vítimas que
por mim se deixassem imolar, para que eu com elas pudesse salvar
as almas que se perdem, e perda irremediável! Ó Jesus, nada
tenho, nada posso conseguir. Queria ir ao limbo baptizar as
almas. Queria ir ao inferno arrancar de lá as que lá estão
condenadas. Impossível! Ó Jesus, tende dó, tende compaixão, dai
ao menos remédio que evite a perda de mais almas. Abrasai
corações em zelo de amor por elas, corações que Vos amem por
todos os corações, vítimas que só pensem em se deixarem imolar
por Vosso amor e por toda a humanidade. Que sede, que sede,
Jesus, eu tenho de almas. É sede insuportável. Ai que saudades
do céu! Sinto-me caída sobre a terra nua, desfalecida, sem força
para resistir a tudo isto. Valha-me o Vosso amor, Jesus, sim, só
ele será a minha força.
O
demónio, sem dizer palavra, andava como o leão enfurecido, de
dentes descarnados, a arrancar-me as entranhas e a deixá-las
retalhadas pelo solo. O mesmo queria fazer-me ao coração,
formava assaltos para ele, mas sem lhe tocar. Eu sentia a raiva
que ele lhe tinha e as ânsias que tinha de o apanhar. Depois
principiou com uma desencadeada de palavras e lições feias.
– Vamos pecar, vamos gozar – dizia ele. Dá-me tudo o que eu te
peço, peca por vontade, peca por amor. Dá-me o teu coração. Se o
possuir, possuo tudo.
Pelo meio disto entremeava palavras e gestos feíssimos.
Parecia-me estar a ele entregue inteiramente, só a ele entregue.
Por algumas vezes pude fitar a Jesus Crucificado, Jesus
pequenino, a Mãezinha e S. José. Raras vezes lhes pude pedir que
me valessem. Na tremenda luta, no auge da aflição, a minha
língua ficou como que destravada, e eu exclamei:
– Pecar não, pecar não. Valei-me, Jesus, não quero manchar a
minha alma.
Serenou tudo por alguns momentos. Depois voltou o maldito, mas
mais de longe, mostrando-se satisfeito, a dançar e a afirmar-me
que eu tinha pecado. Fiquei tão triste! Sentia o meu coração
numa bola de sangue. Sozinha desabafei com Jesus:
– Ó
meu amor, quando terminará tudo isto? Tudo me aterroriza, temo
ofender-Vos, temo falar-Vos, temo não Vos amar. Que será de mim,
Jesus! Corre para mim a sexta-feira a passos de gigante. Bem
vindo seja o que é por Vós. Velai por este nada, compadecei-Vos
desta miséria, miséria sem igual. Sou sempre a Vossa vítima, meu
Amor.
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