13 de Janeiro de 1945
Há
dias que principiei a ter um sofrimento indizível (embora diga
alguma coisa, mas não digo nada) pelas criancinhas que estão no
limbo e que morreram sem baptismo. Não posso pensar que elas
passem uma eternidade sem ver a Nosso Senhor, sem gozar d’Ele, e
ao mesmo tempo não sei se sinto pena ou saudade que Nosso Senhor
tem pelas criancinhas. Com os olhos no meu crucifixo, cheguei a
dizer a Jesus se me deixasse ir ao limbo baptizá-las; à falta de
água, abria o meu peito, tirava sangue do meu coração para um
vaso; depois de as baptizar a todas, deixava o restante do
sangue. As criancinhas iam para o céu, eu voltava para a terra,
enquanto o mundo for mundo, para de vez em quando ir lá
baptizá-las.
16 de Janeiro de 1945
Lembro-me do tesouro que Jesus e a Mãezinha guardaram no meu
coração, mas já não tenho aquelas ânsias de o guardar e de tudo
fazer por ele. Agora já não me preocupa. Estou como que cansada
de tudo por ele ter feito. O que agora me faz sofrer, e sofrer
deveras, é sentir que tudo o que podia fazer fiz e agora mais
nada posso fazer para o salvar.
– Ó
meu Jesus, que hei-de eu fazer, que hei-de eu sofrer? Eu quero a
todo o custo salvar a humanidade, e a minha alma sente que não
tem mais que dar, que não tem mais que fazer, que não há
sofrimento o qual não sofresse por ela. Ó meu Deus, que penoso
martírio! Remediai Vós, meu Jesus, remediai este mal. Tendes o
meu corpo, tendes o meu sangue, é Vosso, utilizai-Vos, para que
o mundo seja salvo. Não o deixeis mais sair do meu coração. Não
me deixeis ter mais um momento de vida que não seja para Vos
amar e para o amar a ele. O mundo, Jesus, as almas, o preço do
Vosso sangue não quero que ele seja calcado aos pés, não quero
que sirva de condenação para as almas. Estou pronta, meu Jesus,
a dar a minha vida a cada momento, enquanto o mundo for mundo,
se isso for possível, para as salvar. Jesus, sou vítima do
mundo, primeiro que tudo do Vosso divino amor.
No
dia 13, entre visitas de muita estima, veio uma que eu já
esperava e que muita falta tinha feito à minha alma. Esperava-a
e recebi-a friamente; tudo me era indiferente. Olhava-a e por
vezes parecia-me não a ver, não ser a realidade. Era um preso,
saído da prisão, visitar um cadáver que lhe pertencia. Ó dor, ó
amargura, ó trevas aterradoras. Já é tarde para me darem
alegria, já é tarde para receber consolação a minha pobre alma.
Os meus olhos pareciam não verem o segundo roubo que me foi
feito. O que será ao ser-me restituído o primeiro?
– Jesus, sou a Vossa vítima, o Vosso amor, a salvação das almas,
a todo o custo, a todo o custo. Agora sofro pela minha frieza, a
minha indiferença por essa visita a quem tanto devo. Parece-me
que a desgostei, que a feri. Ó Jesus, sempre tudo pelo Vosso
amor.
Durante a noite, que passei quase sempre alerta e unida a Jesus
e no meio dum mar de dores de corpo e da alma, fui assaltada
cruelmente pelo demónio. Lutei com ele perto de duas horas. Nuns
momentos, dizia-me pecar com um, noutros, dizia-me pecar com
outros. Chamava pelos camaradas para virem pecar comigo. Quando
eu conseguia não dizer nem fazer aquilo que ele queria,
enraivecia-se muito mais ainda e, para despedaçar-me, formava
saltos desesperados. Quando podia, bradava ao céu; quando não
podia, lutava só. Nuns momentos muito assustadores, disse:
– Mãezinha, Mãezinha, vede o perigo em que estou, valei-me, não
me deixeis pecar nem manchar o meu corpo nem a minha alma.
Só
se morre, quando Jesus quer. Se assim não fosse, neste combate
teria morrido. Fiquei caída, banhada em suor e sobre um abismo
medonho sem um pequenino fio que me sustentasse. Olhava-o
assustada, ouvi Jesus a dizer-me assim:
– Este abismo, minha filha, é o abismo dos viciosos, entregues
ao prazer e à carne. Ai deles sem a tua reparação. Anjo meu,
anjo querido, apressa-te a desempenhar a tua missão.
No
mesmo instante, uma suave aragem levou-me às minhas almofadas.
Continuou Jesus:
– Vamos, minha filha, desabafar os dois. Eu contigo as minhas
mágoas e tu comigo as tuas. Coragem, tu não me ofendes. Sais
destes combates com a tua alma cada vez mais pura e mais
brilhante aos meus divino olhos. Que grande consolação dás com
isto ao meu Divino Coração tão ferido.
– Ó
meu Jesus, custa-me tanto este sofrimento! Tenho tanto medo de
pecar! Velai por mim, eu quero só o que Vós quiserdes. Vede todo
o sofrimento que me vai na alma. Que triste agonia.
– Anima-te, minha amada. Tiro da tua agonia toda a consolação
para mim. A tua morte dá a vida às almas. Não te deixei sentir
consolação da visita do meu querido Padre Humberto nem a ele de
te ver consolada; foi para tirar todo o proveito para as almas.
Foi para que os homens vejam o que é a alma abraçada à cruz e
firme no amor de Jesus, para que não levem as coisas pelo lado
do entusiasmo. Dá ao meu Padre Humberto os meus agradecimentos
por ter vindo dar vida à alma da minha esposa, da minha vítima
amada. Dá-lhe as minhas graças, bênçãos e amor, a ele e a toda a
congregação. Ele está preso duma só asa, só um voo lhe foi
cortado. Eis porque lhe mando bênçãos e graças para toda a
congregação. É o prémio que lhe dou com minha Bendita Mãe a quem
ele ama, e Ela o ama tanto. Com os seus olhares, em união com
ele, tanto bem tem feito às almas. Quero que te ampare, já que
te não pode amparar aquele que anseia voar junto de ti, o teu
paizinho, a quem cortaram os voos e, não satisfeitos, por todos
os lados o ataram. Quanto isto tem ferido o meu Divino Coração!
Mas, oh quanta consolação para o meu Divino Coração e proveito
para as almas do sofrimento dele eu tenho tirado. Coragem, pois,
para combater tudo o que vier. Coragem e firmeza, como os
soldados que no meio do maior combate nem ao menos estremecem.
Dou a todos os que cuidam da minha divina causa a certeza da
vitória. Minha filhinha, eu não demoro a vir com minha Bendita
Mãe a dar-te a nossa vida divina. Necessitas dela, é dela que
vives, a tua é-te roubada pelos pecadores e pelos perseguidores
da minha causa divina.
– Sinto-me desfalecida, Jesus, sinto-me inclinar para a morte,
não para esta morte que sinto, mas para a morte que é a vida que
me dá a eternidade, que me dá o céu, onde não poderei ter receio
de Vos ofender. Venha a dor, venha o amor, eu bendirei tudo o
que vier das Vossas mãos divinas. Conto só conVosco, por mim só
tenho dúvidas e receios.
Retirou-se Jesus ou escondeu-se; ficou silencioso na minha alma,
na minha alma tão ferida, tão receosa de ter pecado.
Aproximava-se a hora da visita de Jesus Sacramentado e não se
apagava da minha memória a luta de satanás. Que tristeza receber
a Jesus depois de ter passado por tão feias coisas. Passei o dia
morta para tudo, só viva para a dor. Ai, meu Jesus, como é
triste a minha vida; só seria alegre, muito alegre, se, no meio
de tudo isto, eu Vos amasse, e as almas fossem salvas.
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