A minha
dor! Nem eu sei dizer. Que noite tão tenebrosa e triste. Que
horrores dentro em mim. Sinto que não posso resistir a tanto. Ó dor,
ó dor, horrível tormento. Não posso demorar aqui mais tempo. Assim o
disse ontem a Jesus:
— Não
posso, não posso, meu Amor, demorar-me aqui.
Quero
deixar o mundo e quero levá-lo comigo; não o quero e amo-o; não lhe
pertenço e ele é meu; aborreço tudo o que é do mundo e quero
prendê-lo, abraçá-lo a ponto de não mais o deixar.
— Ó
mundo, o que hei-de fazer por ti. Quero voar para o céu, quero
partir para fora deste desterro, quero ir para a minha Pátria e
quero levar-te comigo; quero entrar no céu, mas com toda a
humanidade.
— Ai,
meu Jesus, o que hei-de eu fazer? Ó meu Jesus, deixai-me ir ao
limbo, não Vos esqueçais que são Vossas as almas que lá estão. Quero
ser vítima, levai-me ao sacrifício por elas. Dai-lhes o céu, o céu,
meu Jesus, dai-lho pela Vossa morte, pelas dores da Mãezinha
querida. Eu não queria ter um minuto de sossego para o meu corpo,
enquanto o mundo existisse, queria que a minha vida fosse
percorrê-lo todo dum lado ao outro, sem parar um momento, sempre de
rasto, sempre a pisar espinhos, num banho de sangue, numa só chaga,
para libertar da escuridão as almas queridas, filhas do Vosso
sangue, meu Jesus. Não sei que mais sofrimentos possa desejar para o
meu corpo. Ouvi o meu brado, meu Deus e Senhor. Eu aceito tudo o que
seja dor, eu aceito tudo o que seja o martírio, mas quero o mundo
salvo e na Vossa glória as almas do limbo. É pelo amor com que Vos
quero amar, é com a ânsia de Vos dar a maior das consolações que eu
quero salvar e levar ao céu todas as filhinhas do Vosso Divino
Coração. Amo-as, porque em todas Vos vejo a Vós; amo-as, porque
primeiro de tudo e acima de tudo sois o preferido, ó meu Amor. Sim,
parece-me estar louca por Vos amar. Não sinto o amor que Vos tenho,
mas sinto a loucura por Vós. Sim, meu Jesus, fazei-me perder e
desaparecer para sempre no Vosso amor infinito.
O
demónio odeia-me, atormenta-me. Apresentou-se na minha frente na
figura dum monstro aterrador; era grande como uma casa. Saíam dele
tantas serpentes da grossura de pessoas, de bocas abertas e as
línguas de fora alguns palmos; estendiam-se até perto de mim.
Passado algum tempo, caiu sobre o meu corpo a manha maliciosa desse
maldito. Arrumou de mim o terço: não o queria. Ele dizia-me: “vamos
ao prazer”, acrescentando palavras do que há de pior.
— Vale
mais um momento de prazer – dizia ele – do que milhões e milhões de
céus.
Soo
quando me pareceu ele ter conseguido o que desejava é que eu, de
olhos fitos no céu, clamei muitas vezes:
— Valei-me, valei-me, ó querida Mãezinha.
Senti a
dor que já expliquei ao reverendíssimo Padre. Não era dor de tirar
só uma vida, era dor de tirar todas as vidas, eu parecia-me perder a
minha. Quando esta dor caiu tão fortemente sobre mim, o maldito mais
se enfureceu, não gostou que eu a sentisse. A raiva dele ainda mais
consumiu o meu corpo. A Mãezinha veio a socorrer-me, tomou-me nos
seus santíssimos braços e disse-me:
— Aqui
estou, minha filha, a defender-te. Vem para os meus braços, vem
descansar. É a Mãe a defender a sua filhinha, é a Mãe a defender e a
consolar a esposa mais amada de Jesus. Não pecaste, filhinha. São
momentos de tanta reparação, de tanto amor para Jesus! Coragem,
sofre contente!
— Ó
Mãezinha, que martírio que me custa tanto, tenho receio de pecar.
Tenho vergonha de estar na vossa presença e na de Jesus.
— Oferece-nos tudo isto, sossega, não pecas. Recebe graça, pureza e
amor.
Estreitou-me ao seu santíssimo coração com tanto carinho, cobriu-me
de beijos e mimos e retirou-se. Apesar da vida e conforto que
recebi, fiquei por muito tempo a sentir a dor de que acima falei.
Custou-me a resistir. Contudo, confiei na Mãezinha, Ela não vinha
enganar-me. O que teria sido de mim e o que será ainda sem este
conforto do céu. Ó vida triste e amargurada. Sofro com tudo.
Continuo a sofrer os remorsos, essa traça que vai roendo nas almas
de alguém. Quero-lhes tanto em Jesus e receio tanto a presença
delas. Sofro com as infelicidades de alguém que me tem ferido tanto.
É tão grande a dor que sinto por saber que sofrem, entristeço-me por
eles. Lá vem a morte para mim. O que vejo em mim. O que sinto na
minha alma. Que tristes recordações. Sinto e vejo os tormentos que
me esperam. Sinto que sou apedrejada, as pedradas batem em meu
coração. Sinto que me retiro do convívio das pessoas, fujo para a
solidão para em silêncio poder chorar. Oh! quantas lágrimas de
perda, oh! quantas lágrimas de vergonha por me ver revestida de
todas as maldades e estar assim na presença do Eterno Pai. O amor
obriga-me à dor. De lábios mudos, olhos cerrados, entrego-me a tudo,
lá vou para a morte. Uma chuva de espinhos cai sobre mim, o meu
corpo vai ser um leproso. Mas estou de braços abertos com um terno
sorriso e uma mansidão sem igual, escondendo o disfarce de tudo.
— Ai,
meu Jesus, eu só queria para maior honra e glória Vossa saber dizer
o que vai dentro em mim, o que sofrestes por nós. Ó que ternura, ó
que bondade. O inocente, o inocente Jesus.
Se
todos os dias, ao despertar dos meus ligeiros sonos, desperto
mergulhada numa grande dor e tristeza, às sextas-feiras redobra este
sofrimento. Não tenho palavras nem sabedoria para o saber exprimir.
Quando hoje despertei, sentia-me cansadíssima. Parecia-me que os
meus cabelos estavam ensopados em sangue assim como a roupa que
tinha ensopada estava também e colada ao meu corpo. Eu estava
sozinha numa escura prisão. Sentia a dor do abandono em que me
tinham deixado aqueles que me eram mais queridos. Onde estavam as
palavras afirmativas de não me deixarem? Tudo isto é um livro de
letras bem claras que tenho gravado em minha alma; não são coisas da
imaginação. Oh! quantas vezes me esforço por me distrair, para ver
se desaparece este sofrimento da alma. Que grande engano. É ferida
profunda, é dor vivíssima que só Jesus ou a Mãezinha ma podem
suavizar.
Veio
depois o demónio em forma de lobo e de leão para a minha frente
fazer cenas horrorosas. Confio que não pequei, porque confio na
afirmação de Jesus de não me deixar pecar. Se assim não fosse, ai de
mim. Maldito demónio, que grande escola de pecado. Eu só queria que
as almas conhecessem as suas manhas diabólicas, para não se deixarem
iludir por ele. Com a visita de Jesus sacramentado, com o calor do
Seu amor divino, que me fez sentir com abundância, revivi um pouco.
O conforto que Ele me deu animou-me para poder durante a manhã
percorrer o caminho do calvário. Fui tão maltratada! Caí tantas
vezes com o peso da cruz e com cordas fui arrastada para trás a
tanta distância! Caía com o rosto em terra, e as minhas carnes
ficavam pelas pedras aos bocadinhos. Todos os sofrimentos à minha
frente aniquilavam-me o coração; era um aperto que o sufocava e
tirava a vida. Na cruz, de todos abandonada, ao ouvir as maiores
injúrias, sentia correr no meu corpo bagadas do suor da morte.
Juntavam-se às gotas do sangue que da minha cabeça e das minhas
chagas caíam com abundância. Sentia no sofrimento grande doçura por
ser a moeda das almas, mas não podia ter um sorriso. Neste abismo de
dor, veio Jesus.
— Minha
filha, estou no meu trono, no palácio da minha realeza. É o Rei do
Céu unido à sua rainha, à rainha da terra. Aqui, sim, minha pomba
bela, aqui não sou ferido, estou bem ao calor do teu amor, aqui está
bem guardado o meu divino Coração. A sentinela do teu palácio é a
tua pureza, os guardas são as tuas angélicas virtudes, o fogo das
armas é o teu amor. São armas que estenderão as suas balas, o seu
fogo aos confins do mundo. Não é fogo de morte, é fogo que dá a
vida, é fogo que atrai os corações e as almas ao meu Divino Coração.
Tu és um mar imenso de riqueza, és porto de salvação. Quando
estiveres no céu, junto do trono divino, e lá chegarem em teu nome
súplicas a favor de pecadores em perigo, quando a tua voz se fizer
ouvir: “meu Pai, quero que aquele pecador se salve”, no mesmo
momento ele sentirá o toque da graça; todos por ti serão salvos.
Serás um fio de oiro finíssimo que a mim os prende para sempre.
— Ó meu
Jesus, já que na Vossa bondade e poder infinito me fazeis no céu
assim poderosa, fazei que já na terra todos os pecadores que eu Vos
nomear se convertam e sejam salvos.
— Pede,
pede, filhinha, és poderosa. Lembra todos quantos quiseres ao meu
Divino Coração. A tua vida na terra é fazer bem à mesma terra, nela
espalhares o bem. A tua vida no céu será enriquecer o mundo, será
orvalhá-lo com um orvalho de purificação e salvação. Ó que riqueza
tenho para te dar no céu, para distribuíres para a terra. Já aqui, e
depois, de lá incendiarás o fogo do meu divino amor. Escuta, minha
filha amada, fulanos – e nomeou-mos – estão em perigo de se
perderem. Estão tão cegos nas paixões! Ofendem-me tão gravemente,
tão escandalosamente! Queres oferecer-me por eles alguma reparação,
para eles se não perderem?
— Ó meu
Jesus, eu quero oferecer-Vos tudo, para Vos consolar e para os
salvar. Escolhei a reparação que quereis, dai-me a Vossa graça e
força divina, com ela estou pronta para todo o sacrifício.
— Aceitas quinze ataques do demónio a mais do que terias de sofrer?
Algumas noites sofrerás dois combates. Oferece-me cinco por cada um
deles em honra das minhas divinas chagas. Desejava tanto que elas
fossem mais amadas e mais amado fosse o meu divino Coração. Espalha,
espalha, incendeia no mundo o meu divino amor. Aceita e oferece-me
mais um combate em honra da chaga do meu sagrado ombro; oferece-ma
pelo sacerdote. Concorreu tanto para ma aprofundar! Oh! quanto eu
sofri com ela!
— Bem
sabeis, meu Jesus, que os combates do demónio são o maior sacrifício
que podeis pedir-me, mas, se com eles Vos posso dar consolação, se
só eles podem reparar, como é preciso para tão grandes crimes, aqui
me tendes, Jesus, aqui me tendes, Amor, sou a Vossa vítima. quero
salvar essas almas ceguinhas pelo pecado, quero desviar para longe
do Vosso divino Coração esses cruéis golpes que vêm ferir-Vos.
— Minha
pomba, minha pomba, flor angélica, alvura da graça, jardim de
delícias, trono de amor para o meu divino Coração, bati, abriste-me
a porta, pedi e tudo recebi. Recebe também em troca o meu amor, todo
o meu amor. Amo-te como se não houvesse na terra nem no céu mais a
quem amar. Vive a minha vida, vive a vida do céu aqui na terra,
vive-a, para ensinares, vive-a, para que em ti aprendam. O teu céu
vem, não demora, depressa te levo comigo.
Jesus
acariciou-me, beijou-me docemente, ao mesmo tempo que me abraçou e
abrasou no fogo do Seu divino amor. Poucos momentos fiquei alegre,
depressa caí na minha cruz, depressa o meu coração principiou a
sangrar de dor. Lembro-me tanto das almas de que Jesus me falou! Mas
mais da do sacerdote que, por ser sacerdote, mais ofende a Jesus. |