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PONTOS DE
REFLEXÃO
I LEITURA – Jer 33,14-16
Estamos no ano décimo do reinado
de Sedecias (587 a.C.). O exército babilónio de Nabucodonosor cerca
Jerusalém e Jeremias está detido no cárcere do palácio real, acusado de
derrotismo e de traição (cf. Jer 32,1). Parece o princípio do fim, a
derrocada de todas as esperanças e seguranças do Povo. É neste contexto
que o profeta, em nome de Jahwéh, vai proclamar a chegada de um tempo
novo, no qual Deus vai “pensar as feridas” do seu povo e curá-las,
proporcionar a Judá “abundância de paz e segurança” (Jer 33,6). A
mensagem é tanto mais surpreendente quanto o futuro imediato parece sem
saída e o próprio Jeremias é acusado de profetizar a inutilidade de
resistir aos exércitos caldeus, a destruição de Jerusalém e o exílio de
Sedecias.
Os tempos que
vivemos são de profunda crise e frustração coletiva. Poderíamos
perguntar: como sair deste estado de espírito em que o medo e a
insegurança parecem querer tomar conta da nossa mente e do nosso
coração?
É possível acreditar no Deus da
“justiça”, fiel à “aliança”, comprometido com os ho-mens e continuar a
olhar para o mundo nessa perspectiva negativa, como se Deus – o Deus da
justiça e do amor – tivesse abandonado os homens e já não presidisse à
nossa história? O Advento é um convite a uma esperança ativa que nos
implicará na cons-trução de um mundo novo marcado pela verdade e pela
justiça.
II LEITURA
1
Tes 3,12–4,2
A comunidade cristã de
Tessalónica foi fundada por Paulo, Silvano e Timóteo durante a segunda
viagem missionária de Paulo, aí pelo ano 50 (cf. Act 17,1ss). Durante o
pouco tempo que lá passou, Paulo desenvolveu uma intensa actividade
missionária, de que resultou uma comunidade numerosa e entusiasta,
constituída na sua maioria por pagãos convertidos (cf. 1 Tess 1,9-10).
No entanto, a obra de Paulo foi brutal-mente interrompida pela reacção
da colónia judaica… Paulo teve de fugir, deixando atrás de si uma
comunidade em perigo, insuficientemente catequizada e quase desarmada
num contexto de perseguição e provação. Preocupado, Paulo envia Timó-teo
a Tessalónica para saber notícias e encorajar na fé os tessalonicenses.
Quando Timóteo regressa, encontra Paulo em Corinto e comunica-lhe
notícias animadoras: a fé, a esperança e o amor dos tessalonicenses
continuam bem vivos e até se aprofun-daram com as provações (cf. 1 Tes
1,3; 3,6-8). Os tessalonicenses podem ser apon-tados como modelos aos
cristãos das regiões vizinhas (cf. 1 Tes 1,7-8).
A caminhada cristã nunca é um
processo acabado, mas uma construção permanente, que recomeça em cada
novo instante da vida. O cristão não é aquele que é perfeito; mas é
aquele que, em cada dia, sente que há um caminho novo a fazer e não se
con-forma com o que já fez, nem se instala na mediocridade. É nesta
atitude que somos chamados a viver este tempo de espera do Messias.
Uma dimensão fundamental da
nossa experiência cristã é a caridade: só apro-fundando-a cada vez mais
podemos sentir-nos identificados com Aquele que parti-lhou a vida com
todos nós, até à morte na cruz; só praticando-a, podemos fazer uma
verdadeira experiência de Igreja e construir uma comunidade de irmãos;
só vivendo-a, podemos ser, para os homens que partilham connosco esta
vasta casa que é o mun-do, o rosto do Deus que ama.
EVANGELHO – Lc 21,25-28.34-36
A mensagem proposta aos
discípulos é clara: espera-vos um caminho marcado pelo sofrimento, pela
perseguição (cf. Lc 21,12-19); no entanto, não vos deixeis afundar no
desespero porque Jesus vem. Com a sua vinda gloriosa (de ontem, de hoje,
de ama-nhã), cessará a escravidão insuportável que vos impede de
conhecer a vida em ple-nitude e nascerá um mundo novo, de alegria e de
felicidade plenas.
Os “sinais” ca-tastróficos apresentados não são um
quadro do “fim do mundo”; são imagens uti-lizadas pelos profetas para
falar do “dia do Senhor”, isto é, o dia em que Jahwéh vai intervir na
história para libertar definitivamente o seu Povo da escravidão,
inau-gurando uma era de vida, de fecundidade e de paz sem fim (cf. Is
13,10; 34,4). O quadro destina-se, portanto, não a amedrontar, mas a
abrir os corações à esperança: quando Jesus vier com a sua autoridade
soberana, o mundo velho do egoísmo e da escravidão cairá e surgirá o dia
novo da salvação/libertação sem fim.
Há, ainda, um convite à vigilância
(cf. Lc 21,34-36): é necessário manter uma atenção constante, a fim de
que as preocupações terrenas e as cadeias escravizantes não impeçam os
discí-pulos de reconhecer e de acolher o Senhor que vem.
A realidade da história humana
está marcada pelas nossas limitações, pelo nosso egoísmo, pelo
destruição do planeta, pela escravidão, pela guerra e pelo ódio, pela
prepotência dos senhores do mundo… Quantos milhões de homens conhecem,
dia a dia, um quadro de miséria e de sofrimento que os torna escravos,
roubando-lhes a vida e a dignidade… A Palavra de Deus que hoje nos é
servida abre a porta à esperan-ça e grita a todos os que vivem na
escravidão: “alegrai-vos, pois a vossa libertação está próxima. Com a
vinda próxima de Jesus, o projecto de salvação/libertação de Deus vai
tornar-se uma realidade viva; o mundo velho vai converter-se numa nova
realida-de, de vida e de felicidade para todos”.
No entanto, a salvação/libertação
que há-de transformar as nossas existências não é uma realidade que deva
ser esperada de braços cruzados. É preciso “estar atento” a essa
salvação que nos é oferecida como dom, e aceitá-la. Jesus vem; mas é
necessário reconhecê-l’O nos sinais da história, no rosto dos irmãos,
nos apelos dos que sofrem e que buscam a libertação. É preciso, também,
ter a vontade e a liberdade de acolher o dom de Jesus, deixar que Ele
nos transforme o coração e Se faça vida nos nossos gestos e palavras.
É preciso, ainda, ter presente,
que este mundo novo – que está permanentemente a fazer-se e depende do
nosso testemunho – nunca será um realidade plena nesta terra, mas sim
uma realidade escatológica, cuja plenitude só acontecerá depois de
Cristo, o Senhor, haver destruído definitivamente o mal que nos torna
escravos.
Padre José Granja
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga (Portugal) |