A
pequena Alexandrina veio para a Póvoa de Varzim em Janeiro de 1911,
para a Escola Mónica Cardia, que ficava frente à actual estação do
Metro, e viveu em casa dum carpinteiro, na Rua da Junqueira.
Como na
altura a Póvoa ainda era uma única paróquia, ela era paroquiana da
Matriz, de que era Prior o P.e Manuel Martins Gonçalves da Silva, o
padre viúvo, como lhe chamavam, pois fora casado por pouco tempo
(antes de concluir os estudos de teologia, naturalmente).
Nesse
Janeiro, já os Padres Jesuítas, as Irmãs Doroteias e as Irmãs de
Caridade tinham ido embora há dois meses, mas sabe-se que estava bem
vivo o ódio de republicanos e carbonários contra a Igreja, com a
então vila dividida.
Certo,
certo é que o pároco local reagia duramente ao ambiente
persecutório, o que o levará, em Março de 1912, para o exílio.
Quando,
em Abril de 1911, vem a Lei da Separação, a situação complica-se
ainda muito mais. E segundo a “democracia” dessa lei, os párocos nem
a podiam comentar. E as penas eram muito severas. A situação
tornou-se terrível para padres e fiéis empenhados.
De
acordo com tal tirânica lei, a pequena Alexandrina mal estava
autorizada a frequentar a igreja, mas pelos vistos frequentou-a
sempre.
A lei
estabelecia:
As
crianças em idade escolar, que ainda não tiverem comprovado
legalmente a sua habilitação em instrução primária elementar, não
podem assistir ao culto durante as horas das lições.
Mas
isto devia querer dizer coisa diferente do que à primeira vista se
entende. Que eram “as horas das lições”? E onde estava o ensino que
todos pudessem frequentar?
Diz a
Alexandrina que fez a Primeira Comunhão com sete anos de idade e que
a encarregada da sua educação a levava a comungar diariamente.
Se a
indicação dos sete anos de idade estiver certa, então ela, que
fizera sete anos em finais de Março, teria comungado pela primeira
vez próximo da Páscoa de 1911. De facto, porém, é possível que ela
só tenha feito a Primeira Comunhão, e também o Crisma, no ano
seguinte.
Aliás,
o Crisma, recebeu-o em Vila do Conde das mãos dum bispo no exílio, o
então Bispo do Algarve. Participaria na cerimónia o seu pároco
poveiro, exilado na mesma terra.
Ainda
na Póvoa de Varzim - escreveu a Alexandrina - lembro-me que tinha
muito respeito pelos sacerdotes. Quando estava sentada à porta da
rua, só ou com a minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua
passagem, e eles correspondiam tirando o chapéu, se era de longe, ou
dando-me a bênção se passavam junto de mim. Observei algumas vezes
que várias pessoas reparavam nisto e eu gostava e até chegava a
sentar-me propositadamente para ter ocasião de me levantar no
momento em que passavam por mim, só para ter o gosto de mostrar a
minha dedicação e respeito pelos ministros do Senhor.
Esta
informação ajusta-se bem à quadra com que, segundo a sua irmã, a
Alexandrina gostava de irritar os
guardas-republicanos,
e que era esta:
Co'as barbas de Afonso Costa
Nós faremos um pincel
Para limpar as botas
Ao bom Rei D. Manuel.
Não
sabemos se estes versos correspondem rigorosamente ao que ela
cantava, já que os traduzimos do italiano, do livro Cristo Gesù
in Alexandrina (Alexandrina Maria da Costa, selecção e tradução
de textos por Humberto Pasquale, edição extracomercial, Turim,
Itália).
O Dr
Afonso Costa, Ministro da Justiça, a quem se dirige
a quadra acima, o homem que queria “safar” o nome de
Deus de Portugal. Foi ele o “autor” da Lei de separação
da Igreja e do Estado. |
Mas um
dia os guardas-republicanos assustaram-na muito. A ela e à irmã:
Depois
de umas férias, ia para a Póvoa, eu e a minha irmã; tínhamos quem
nos acompanhasse, mas só depois de atravessarmos a freguesia. Íamos
pelo caminho-de-ferro e avistámos ao longe dois
guardas-republicanos. Tivemos medo deles e refugiámo-nos na volta de
um caminho. Como minha irmã levasse um cestinho com linho, eles
imaginaram que ela levava fósforos (espera-galegos) – proibidos
naquele tempo – e perseguiram-nos. Nós fugimos e gritámos muito. Aos
nossos gritos acudiram várias pessoas. Já estavam para fazer fogo
quando compreenderam que não éramos portadoras de tal contrabando.
Felizmente desta vez escapámos à morte.
A
concluir, há uma pergunta que se deve fazer: que pensará mais tarde
uma pessoa como a Alexandrina sobre os perseguidores da sua
infância, a quem teve de resistir? Que regime opressor fora esse?
Prof.
José Ferreira |