AOS BISPOS
AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
AOS FIÉIS LEIGOS
E A TODOS OS HOMENS
DE BOA VONTADE
SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO INTEGRAL
NA CARIDADE E NA VERDADE
INTRODUÇÃO
1. A
caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida
terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força
propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada
pessoa e da humanidade inteira. O amor — « caritas » — é uma
força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com
coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É uma força
que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta. Cada
um encontra o bem próprio, aderindo ao projecto que Deus tem para
ele a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projecto
que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se
livre (cf. Jo 8, 32). Por isso, defender a verdade, propô-la
com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas
exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de facto, « rejubila
com a verdade » (1 Cor 13, 6). Todos os homens sentem o
impulso interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade
nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação colocada por
Deus no coração e na mente de cada homem. Jesus Cristo purifica e
liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da verdade e
desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de
vida verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, a caridade
na verdade torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma vocação a nós
dirigida para amarmos os nossos irmãos na verdade do seu projecto.
De facto, Ele mesmo é a Verdade (cf. Jo 14, 6).
2. A
caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas
responsabilidades e compromissos por ela delineados derivam da
caridade, que é — como ensinou Jesus — a síntese de toda a Lei (cf.
Mt 22, 36-40). A caridade dá verdadeira substância à relação
pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das
microrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno
grupo, mas também das macrorelações como relacionamentos sociais,
económicos, políticos. Para a Igreja — instruída pelo Evangelho —, a
caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4,
8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é
caridade » (Deus caritas est): da caridade de Deus tudo
provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade
é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa
esperança.
Estou ciente dos
desvios e esvaziamento de sentido que a caridade não cessa de
enfrentar com o risco, daí resultante, de ser mal entendida, de
excluí-la da vida ética e, em todo o caso, de impedir a sua correcta
valorização. Nos âmbitos social, jurídico, cultural, político e
económico, ou seja, nos contextos mais expostos a tal perigo, não é
difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e
orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de
conjugar a caridade com a verdade, não só na direcção assinalada por
S. Paulo da « veritas in caritate » (Ef 4, 15), mas
também na direcção inversa e complementar da « caritas in
veritate ». A verdade há-de ser procurada, encontrada e expressa
na « economia » da caridade, mas esta por sua vez há-de ser
compreendida, avaliada e praticada sob a luz da verdade. Deste modo
teremos não apenas prestado um serviço à caridade, iluminada pela
verdade, mas também contribuído para acreditar a verdade, mostrando
o seu poder de autenticação e persuasão na vida social concreta.
Facto este que se deve ter bem em conta hoje, num contexto social e
cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes
negligente se não mesmo refractário à mesma.
3. Pela
sua estreita ligação com a verdade, a caridade pode ser reconhecida
como expressão autêntica de humanidade e como elemento de
importância fundamental nas relações humanas, nomeadamente de
natureza pública. Só na verdade é que a caridade refulge e
pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e
valor à caridade. Esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da
fé, através das quais a inteligência chega à verdade natural e
sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doação,
acolhimento e comunhão. Sem verdade, a caridade cai no
sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode
encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem
verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos
indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o
oposto do que é realmente. A verdade liberta a caridade dos
estrangulamentos do emotivismo, que a despoja de conteúdos
relacionais e sociais, e do fideísmo, que a priva de amplitude
humana e universal. Na verdade, a caridade reflecte a dimensão
simultaneamente pessoal e pública da fé no Deus bíblico, que é
conjuntamente « Agápe » e « Lógos »: Caridade e
Verdade, Amor e Palavra.
4.
Porque repleta de verdade, a caridade pode ser compreendida pelo
homem na sua riqueza de valores, partilhada e comunicada. Com efeito,
a verdade é « lógos » que cria « diá-logos » e, consequentemente,
comunicação e comunhão. A verdade, fazendo sair os homens das
opiniões e sensações subjectivas, permite-lhes ultrapassar
determinações culturais e históricas para se encontrarem na
avaliação do valor e substância das coisas. A verdade abre e une as
inteligências no lógos do amor: tal é o anúncio e o
testemunho cristão da caridade. No actual contexto social e
cultural, em que aparece generalizada a tendência de relativizar a
verdade, viver a caridade na verdade leva a compreender que a adesão
aos valores do cristianismo é um elemento útil e mesmo indispensável
para a construção duma boa sociedade e dum verdadeiro
desenvolvimento humano integral. Um cristianismo de caridade sem
verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons
sentimentos, úteis para a convivência social mas marginais. Deste
modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no
mundo. Sem a verdade, a caridade acaba confinada num âmbito restrito
e carecido de relações; fica excluída dos projectos e processos de
construção dum desenvolvimento humano de alcance universal, no
diálogo entre o saber e a realização prática.
5. A
caridade é amor recebido e dado; é « graça » (cháris). A sua
nascente é o amor fontal do Pai pelo Filho no Espírito Santo. É amor
que, pelo Filho, desce sobre nós. É amor criador, pelo qual
existimos; amor redentor, pelo qual somos recriados. Amor revelado e
vivido por Cristo (cf. Jo 13, 1), é « derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo » (Rm 5, 5). Destinatários do
amor de Deus, os homens são constituídos sujeitos de caridade,
chamados a fazerem-se eles mesmos instrumentos da graça, para
difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade.
A esta dinâmica de
caridade recebida e dada, propõe-se dar resposta a doutrina social
da Igreja. Tal doutrina é « caritas in veritate in re sociali »,
ou seja, proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade; é
serviço da caridade, mas na verdade. Esta preserva e exprime a força
libertadora da caridade nas vicissitudes sempre novas da história. É
ao mesmo tempo verdade da fé e da razão, na distinção e,
conjuntamente, sinergia destes dois âmbitos cognitivos. O
desenvolvimento, o bem-estar social, uma solução adequada dos graves
problemas socioeconómicos que afligem a humanidade precisam desta
verdade. Mais ainda, necessitam que tal verdade seja amada e
testemunhada. Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é
verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a
actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de
poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa
sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis
como os actuais.
6. «
Caritas in veritate » é um princípio à volta do qual gira a
doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma operativa em
critérios orientadores da acção moral. Destes, desejo lembrar dois
em particular, requeridos especialmente pelo compromisso em prol do
desenvolvimento numa sociedade em vias de globalização: a justiça
e o bem comum.
Em primeiro lugar, a
justiça. Ubi societas, ibi ius: cada sociedade elabora um
sistema próprio de justiça. A caridade supera a justiça,
porque amar é dar, oferecer ao outro do que é « meu »; mas nunca
existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é « dele », o
que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso « dar
» ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe
compete por justiça. Quem ama os outros com caridade é, antes de
mais nada, justo para com eles. A justiça não só não é alheia à
caridade, não só não é um caminho alternativo ou paralelo à
caridade, mas é « inseparável da caridade »[1],
é-lhe intrínseca. A justiça é o primeiro caminho da caridade ou,
como chegou a dizer Paulo VI, « a medida mínima » dela[2],
parte integrante daquele amor « por acções e em verdade » (1 Jo
3, 18) a que nos exorta o apóstolo João. Por um lado, a caridade
exige a justiça: o reconhecimento e o respeito dos legítimos
direitos dos indivíduos e dos povos. Aquela empenha-se na construção
da « cidade do homem » segundo o direito e a justiça. Por outro, a
caridade supera a justiça e completa-a com a lógica do dom e do
perdão[3]. A « cidade do
homem » não se move apenas por relações feitas de direitos e de
deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade,
misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas
relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a
todo o empenho de justiça no mundo.
7.
Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum.
Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo.
Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das
pessoas: o bem comum. É o bem daquele « nós-todos », formado por
indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade
social[4]. Não é um bem
procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da
comunidade social e que, só nela, podem realmente e com maior
eficácia obter o próprio bem. Querer o bem comum e trabalhar
por ele é exigência de justiça e de caridade. Comprometer-se
pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele
conjunto de instituições que estruturam jurídica, civil, política e
culturalmente a vida social, que deste modo toma a forma de pólis,
cidade. Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se
trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas
necessidades reais. Todo o cristão é chamado a esta caridade,
conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de
incidência na pólis. Este é o caminho institucional — podemos
mesmo dizer político — da caridade, não menos qualificado e incisivo
do que o é a caridade que vai directamente ao encontro do próximo,
fora das mediações institucionais da pólis. Quando o empenho
pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à
do empenho simplesmente secular e político. Aquele, como todo o
empenho pela justiça, inscreve-se no testemunho da caridade divina
que, agindo no tempo, prepara o eterno. A acção do homem sobre a
terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para
a edificação daquela cidade universal de Deus que é a
meta para onde caminha a história da família humana. Numa sociedade
em vias de globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não
podem deixar de assumir as dimensões da família humana inteira, ou
seja, da comunidade dos povos e das nações[5],
para dar forma de unidade e paz à cidade do homem e torná-la
em certa medida antecipação que prefigura a cidade de Deus sem
barreiras.
8. Ao
publicar a encíclica
Populorum progressio em 1967, o meu venerado predecessor
Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o
esplendor da verdade e com a luz suave da caridade de Cristo.
Afirmou que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de
desenvolvimento [6] e
deixou-nos a recomendação de caminhar pela estrada do
desenvolvimento com todo o nosso coração e com toda a nossa
inteligência[7], ou seja,
com o ardor da caridade e a sapiência da verdade. É a verdade
originária do amor de Deus — graça a nós concedida — que abre ao dom
a nossa vida e torna possível esperar num « desenvolvimento do homem
todo e de todos os homens »[8],
numa passagem « de condições menos humanas a condições mais humanas
»[9], que se obtém
vencendo as dificuldades que inevitavelmente se encontram ao longo
do caminho.
Passados mais de
quarenta anos da publicação da referida encíclica, pretendo prestar
homenagem e honrar a memória do grande Pontífice Paulo VI, retomando
os seus ensinamentos sobre o desenvolvimento humano integral
e colocando-me na senda pelos mesmos traçada para os actualizar nos
dias que correm. Este processo de actualização teve início com a
encíclica Sollicitudo rei socialis do Servo de Deus João
Paulo II, que desse modo quis comemorar a
Populorum progressio no vigésimo aniversário da sua
publicação. Até então, semelhante comemoração tinha-se reservado
apenas para a
Rerum novarum. Passados outros vinte anos, exprimo a minha
convicção de que a
Populorum progressio merece ser considerada como « a
Rerum novarum da época contemporânea », que ilumina o caminho da
humanidade em vias de unificação.
9. O
amor na verdade — caritas in veritate — é um grande desafio
para a Igreja num mundo em crescente e incisiva globalização. O
risco do nosso tempo é que, à real interdependência dos homens e dos
povos, não corresponda a interacção ética das consciências e das
inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento
verdadeiramente humano. Só através da caridade, iluminada pela
luz da razão e da fé, é possível alcançar objectivos de
desenvolvimento dotados de uma valência mais humana e humanizadora.
A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o autêntico
desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e
por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que
vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre à reciprocidade
das consciências e das liberdades.
A Igreja não tem
soluções técnicas para oferecer
[10] e não pretende «
de modo algum imiscuir-se na política dos Estados »[11];
mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o
tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da
sua dignidade, da sua vocação. Sem verdade, cai-se numa visão
empirista e céptica da vida, incapaz de se elevar acima da acção
porque não está interessada em identificar os valores — às vezes nem
sequer os significados — pelos quais julgá-la e orientá-la. A
fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade, a única que
é garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da
possibilidade dum desenvolvimento humano integral. É por isso
que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo
o lado onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão ao
serviço da verdade é irrenunciável. A sua doutrina social é um
momento singular deste anúncio: é serviço à verdade que liberta.
Aberta à verdade, qualquer que seja o saber donde provenha, a
doutrina social da Igreja acolhe-a, compõe numa unidade os
fragmentos em que frequentemente a encontra, e serve-lhe de
medianeira na vida sempre nova da sociedade dos homens e dos povos[12].
CAPÍTULO I
A MENSAGEM
DA POPULORUM PROGRESSIO
10. A
releitura da
Populorum progressio, mais de quarenta anos depois da sua
publicação, incita a permanecer fiéis à sua mensagem de caridade e
de verdade, considerando-a no âmbito do magistério específico de
Paulo VI e, mais em geral, dentro da tradição da doutrina social da
Igreja. Depois há que avaliar os termos diferentes em que hoje,
diversamente de então, se coloca o problema do desenvolvimento. Por
isso, o ponto de vista correcto é o da Tradição da fé apostólica[13],
património antigo e novo, fora do qual a
Populorum progressio seria um documento sem raízes e as
questões do desenvolvimento ficariam reduzidas unicamente a dados
sociológicos.
11. A
publicação da
Populorum progressio deu-se imediatamente depois da
conclusão do Concílio Ecuménico Vaticano II. A própria encíclica
sublinha, nos primeiros parágrafos, a sua relação íntima com o
Concílio[14]. Vinte
anos depois, era João Paulo II que destacava, na Sollicitudo rei
socialis, a fecunda relação daquela encíclica com o Concílio,
particularmente com a constituição pastoral
Gaudium et spes[15].
Desejo, também eu, lembrar aqui a importância que o Concílio
Vaticano II teve na encíclica de Paulo VI e em todo o sucessivo
magistério social dos Sumos Pontífices. O Concílio aprofundou aquilo
que desde sempre pertence à verdade da fé, ou seja, que a Igreja,
estando ao serviço de Deus, serve o mundo em termos de amor e
verdade. Foi precisamente desta perspectiva que partiu Paulo VI para
nos comunicar duas grandes verdades. A primeira é que a Igreja
inteira, em todo o seu ser e agir, quando anuncia, celebra e actua
na caridade, tende a promover o desenvolvimento integral do homem.
Ela tem um papel público que não se esgota nas suas actividades de
assistência ou de educação, mas revela todas as suas energias ao
serviço da promoção do homem e da fraternidade universal quando pode
usufruir de um regime de liberdade. Em não poucos casos, tal
liberdade vê-se impedida por proibições e perseguições; ou então é
limitada, quando a presença pública da Igreja fica reduzida
unicamente às suas actividades sociocaritativas. A segunda verdade é
que o autêntico desenvolvimento do homem diz respeito
unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões[16].
Sem a perspectiva duma vida eterna, o progresso humano neste mundo
fica privado de respiro. Fechado dentro da história, está sujeito ao
risco de reduzir-se a simples incremento do ter; deste modo, a
humanidade perde a coragem de permanecer disponível para os bens
mais altos, para as grandes e altruístas iniciativas solicitadas
pela caridade universal. O homem não se desenvolve apenas com as
suas próprias forças, nem o desenvolvimento é algo que se lhe possa
dar simplesmente de fora. Muitas vezes, ao longo da história,
pensou-se que era suficiente a criação de instituições para garantir
à humanidade a satisfação do direito ao desenvolvimento.
Infelizmente foi depositada excessiva confiança em tais
instituições, como se estas pudessem conseguir automaticamente o
objectivo desejado. Na realidade, as instituições sozinhas não
bastam, porque o desenvolvimento humano integral é primariamente
vocação e, por conseguinte, exige uma livre e solidária assunção de
responsabilidade por parte de todos. Além disso, tal desenvolvimento
requer uma visão transcendente da pessoa, tem necessidade de Deus:
sem Ele, o desenvolvimento é negado ou acaba confiado unicamente às
mãos do homem, que cai na presunção da auto-salvação e acaba por
fomentar um desenvolvimento desumanizado. Aliás, só o encontro com
Deus permite deixar de « ver no outro sempre e apenas o outro »[17],
para reconhecer nele a imagem divina, chegando assim a descobrir
verdadeiramente o outro e a maturar um amor que « se torna cuidado
do outro e pelo outro »[18].
12. A
ligação entre a
Populorum progressio e o Concílio Vaticano II não representa
um corte entre o magistério social de Paulo VI e o dos Pontífices
seus predecessores, visto que o Concílio constitui um aprofundamento
de tal magistério na continuidade da vida da Igreja[19].
Neste sentido, não ajudam à clareza certas subdivisões abstractas da
doutrina social da Igreja, que aplicam ao ensinamento social
pontifício categorias que lhe são alheias. Não existem duas
tipologias de doutrina social — uma pré-conciliar e outra pós-conciliar
—, diversas entre si, mas um único ensinamento, coerente e
simultaneamente sempre novo[20].
É justo evidenciar a peculiaridade de uma ou outra encíclica, do
ensinamento deste ou daquele Pontífice, mas sem jamais perder de
vista a coerência do corpus doutrinal inteiro[21].
Coerência não significa reclusão num sistema, mas sobretudo
fidelidade dinâmica a uma luz recebida. A doutrina social da Igreja
ilumina, com uma luz imutável, os problemas novos que vão aparecendo[22].
Isto salvaguarda o carácter quer permanente quer histórico deste «
património » doutrinal[23],
o qual, com as suas características específicas, faz parte da
Tradição sempre viva da Igreja[24].
A doutrina social está construída sobre o fundamento que foi
transmitido pelos Apóstolos aos Padres da Igreja e, depois, acolhido
e aprofundado pelos grandes Doutores cristãos. Tal doutrina remonta,
em última análise, ao Homem novo, ao « último Adão que Se tornou
espírito vivificante » (1 Cor 15, 45) e é princípio da
caridade que « nunca acabará » (1 Cor 13, 8). É testemunhada
pelos Santos e por quantos deram a vida por Cristo Salvador no campo
da justiça e da paz. Nela se exprime a missão profética que têm os
Sumos Pontífices de guiar apostolicamente a Igreja de Cristo e
discernir as novas exigências da evangelização. Por estas razões, a
Populorum progressio, inserida na grande corrente da
Tradição, é capaz de nos falar ainda hoje.
13.
Além da sua importante ligação com toda a doutrina social da Igreja,
a
Populorum progressio está intimamente conexa com o magistério
global de Paulo VI e, de modo particular, com o seu magistério
social. De grande relevo foi, sem dúvida, o seu ensinamento social:
reafirmou a exigência imprescindível do Evangelho para a construção
da sociedade segundo liberdade e justiça, na perspectiva ideal e
histórica de uma civilização animada pelo amor. Paulo VI compreendeu
claramente como se tinha tornado mundial a questão social[25]
e viu a correlação entre o impulso à unificação da humanidade e o
ideal cristão de uma única família dos povos, solidária na
fraternidade comum. Indicou o desenvolvimento, humana e
cristãmente entendido, como o coração da mensagem social cristã
e propôs a caridade cristã como principal força ao serviço do
desenvolvimento. Movido pelo desejo de tornar o amor de Cristo
plenamente visível ao homem contemporâneo, Paulo VI enfrentou com
firmeza importantes questões éticas, sem ceder às debilidades
culturais do seu tempo.
14.
Depois, com a carta apostólica
Octogesima adveniens de 1971, Paulo VI tratou o tema do
sentido da política e do perigo de visões utópicas e ideológicas
que prejudicavam a sua qualidade ética e humana. São argumentos
estritamente relacionados com o desenvolvimento. Infelizmente as
ideologias negativas florescem continuamente. Contra a ideologia
tecnocrática, hoje particularmente radicada, já Paulo VI tinha
alertado[26], ciente do
grande perigo que era confiar todo o processo do desenvolvimento
unicamente à técnica, porque assim ficaria sem orientação. A
técnica, em si mesma, é ambivalente. Se, por um lado, há hoje quem
seja propenso a confiar-lhe inteiramente tal processo de
desenvolvimento, por outro, assiste-se à investida de ideologias que
negam in toto a própria utilidade do desenvolvimento,
considerado radicalmente anti-humano e portador somente de
degradação. Mas, deste modo, acaba-se por condenar não apenas a
maneira errada e injusta como por vezes os homens orientam o
progresso, mas também as descobertas científicas que entretanto, se
bem usadas, constituem uma oportunidade de crescimento para todos. A
ideia de um mundo sem desenvolvimento exprime falta de confiança no
homem e em Deus. Por conseguinte, é um grave erro desprezar as
capacidades humanas de controlar os extravios do desenvolvimento ou
mesmo ignorar que o homem está constitutivamente inclinado para «
ser mais ». Absolutizar ideologicamente o progresso técnico ou então
afagar a utopia duma humanidade reconduzida ao estado originário da
natureza são dois modos opostos de separar o progresso da sua
apreciação moral e, consequentemente, da nossa responsabilidade.
15.
Outros dois documentos de Paulo VI, embora não estritamente ligados
com a doutrina social — a encíclica
Humanæ vitæ, de 25 de Julho de 1968, e a exortação
apostólica
Evangelii nuntiandi, de 8 de Dezembro de 1975 —, são muito
importantes para delinear o sentido plenamente humano do
desenvolvimento proposto pela Igreja. Por isso é oportuno ler
também estes textos em relação com a
Populorum progressio.
A encíclica
Humanæ vitæ sublinha o significado conjuntamente unitivo e
procriativo da sexualidade, pondo assim como fundamento da sociedade
o casal, homem e mulher, que se acolhem reciprocamente na distinção
e na complementaridade; um casal, portanto, aberto à vida[27].
Não se trata de uma moral meramente individual: a
Humanæ vitæ indica os fortes laços existentes entre ética
da vida e ética social, inaugurando uma temática do Magistério
que aos poucos foi tomando corpo em vários documentos, sendo o mais
recente a encíclica
Evangelium
vitæ de João Paulo II[28].
A Igreja propõe, com vigor, esta ligação entre ética da vida e ética
social, ciente de que não pode « ter sólidas bases uma sociedade que
afirma valores como a dignidade da pessoa, a justiça e a paz, mas
contradiz-se radicalmente aceitando e tolerando as mais diversas
formas de desprezo e violação da vida humana, sobretudo se débil e
marginalizada »[29].
Por sua vez, a
exortação apostólica
Evangelii nuntiandi tem uma relação muito forte com o
desenvolvimento, visto que « a evangelização — escrevia Paulo VI —
não seria completa, se não tomasse em consideração a interpelação
recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta,
pessoal e social, do homem »[30].
« Entre evangelização e promoção humana — desenvolvimento,
libertação — existem de facto laços profundos »[31]:
partindo desta certeza, Paulo VI ilustrava claramente a relação
entre o anúncio de Cristo e a promoção da pessoa na sociedade. O
testemunho da caridade de Cristo através de obras de justiça, paz e
desenvolvimento faz parte da evangelização, pois a Jesus Cristo,
que nos ama, interessa o homem inteiro. Sobre estes importantes
ensinamentos, está fundado o aspecto missionário
[32] da doutrina social
da Igreja como elemento essencial de evangelização[33].
A doutrina social da Igreja é anúncio e testemunho de fé; é
instrumento e lugar imprescindível de educação para a mesma.
16. Na
Populorum progressio, Paulo VI quis dizer-nos, antes de mais
nada, que o progresso é, na sua origem e na sua essência, uma
vocação: « Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a
desenvolver-se, porque toda a vida é vocação »[34].
É precisamente este facto que legitima a intervenção da Igreja nas
problemáticas do desenvolvimento. Se este tocasse apenas aspectos
técnicos da vida do homem, e não o sentido do seu caminhar na
história juntamente com seus irmãos, nem a individuação da meta de
tal caminho, a Igreja não teria título para falar. Mas Paulo VI,
como antes dele Leão XIII na
Rerum novarum[35],
estava consciente de cumprir um dever próprio do seu serviço quando
iluminava com a luz do Evangelho as questões sociais do seu tempo[36].
Dizer que o
desenvolvimento é vocação equivale a reconhecer, por um lado,
que o mesmo nasce de um apelo transcendente e, por outro, que é
incapaz por si mesmo de atribuir-se o próprio significado último.
Não é sem motivo que a palavra « vocação » volta a aparecer noutra
passagem da encíclica, onde se afirma: « Não há, portanto,
verdadeiro humanismo senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma
vocação que exprime a ideia exacta do que é a vida humana »[37].
Esta visão do desenvolvimento é o coração da
Populorum progressio e motiva todas as reflexões de Paulo VI
sobre a liberdade, a verdade e a caridade no desenvolvimento. É
também a razão principal por que tal encíclica continua actual nos
nossos dias.
17. A
vocação é um apelo que exige resposta livre e responsável. O
desenvolvimento humano integral supõe a liberdade responsável da
pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir tal
desenvolvimento, prescindindo e sobrepondo-se à responsabilidade
humana. Os « messianismos fascinantes, mas construtores de ilusões »[38]
fundam sempre as próprias propostas na negação da dimensão
transcendente do desenvolvimento, seguros de o terem inteiramente à
sua disposição. Esta falsa segurança converte-se em fraqueza, porque
implica a sujeição do homem, reduzido à categoria de meio para o
desenvolvimento, enquanto a humildade de quem acolhe uma vocação se
transforma em verdadeira autonomia, porque torna a pessoa livre.
Paulo VI não tem dúvidas sobre a existência de obstáculos e
condicionamentos que refreiam o desenvolvimento, mas está seguro
também de que « cada um, sejam quais forem as influências que sobre
ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu êxito ou do
seu fracasso »[39].
Esta liberdade diz respeito não só ao desenvolvimento que usufruímos,
mas também às situações de subdesenvolvimento, que não são fruto do
acaso nem de uma necessidade histórica, mas dependem da
responsabilidade humana. É por isso que « os povos da fome se
dirigem hoje, de modo dramático, aos povos da opulência »[40].
Também isto é vocação, um apelo que homens livres dirigem a homens
livres em ordem a uma assunção comum de responsabilidade. Viva era,
em Paulo VI, a percepção da importância das estruturas económicas e
das instituições, mas era igualmente clara nele a noção da sua
natureza de instrumentos da liberdade humana. Somente se for livre é
que o desenvolvimento pode ser integralmente humano; apenas num
regime de liberdade responsável, pode crescer de maneira adequada.
18.
Além de requerer a liberdade, o desenvolvimento humano integral
enquanto vocação exige também que se respeite a sua verdade. A
vocação ao progresso impele os homens a « realizar, conhecer e
possuir mais, para ser mais »[41].
Mas aqui levanta-se o problema: que significa « ser mais »? A tal
pergunta responde Paulo VI indicando a característica essencial do «
desenvolvimento autêntico »: este « deve ser integral, quer dizer,
promover todos os homens e o homem todo »[42].
Na concorrência entre as várias concepções do homem, presentes na
sociedade actual ainda mais intensamente do que na de Paulo VI, a
visão cristã tem a peculiaridade de afirmar e justificar o valor
incondicional da pessoa humana e o sentido do seu crescimento. A
vocação cristã ao desenvolvimento ajuda a empenhar-se na promoção de
todos os homens e do homem todo. Escrevia Paulo VI: « O que conta
para nós é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar
à humanidade inteira »[43].
A fé cristã ocupa-se do desenvolvimento sem olhar a privilégios nem
posições de poder nem mesmo aos méritos dos cristãos — que sem
dúvida existiram e existem, a par de naturais limitações[44]
—, mas contando apenas com Cristo, a Quem há-de fazer referência
toda a autêntica vocação ao desenvolvimento humano integral. O
Evangelho é elemento fundamental do desenvolvimento, porque lá
Cristo, com « a própria revelação do mistério do Pai e do seu amor,
revela o homem a si mesmo »[45].
Instruída pelo seu Senhor, a Igreja perscruta os sinais dos tempos e
interpreta-os, oferecendo ao mundo « o que possui como próprio: uma
visão global do homem e da humanidade »[46].
Precisamente porque Deus pronuncia o maior « sim » ao homem[47],
este não pode deixar de se abrir à vocação divina para realizar o
próprio desenvolvimento. A verdade do desenvolvimento consiste na
sua integralidade: se não é desenvolvimento do homem todo e de todo
o homem, não é verdadeiro desenvolvimento. Esta é a mensagem central
da
Populorum progressio, válida hoje e sempre. O
desenvolvimento humano integral no plano natural, enquanto resposta
a uma vocação de Deus criador[48],
procura a própria autenticação num « humanismo transcendente, que
leva [o homem] a atingir a sua maior plenitude: tal é a finalidade
suprema do desenvolvimento pessoal »[49].
Portanto, a vocação cristã a tal desenvolvimento compreende tanto o
plano natural como o plano sobrenatural, motivo por que, « quando
Deus fica eclipsado, começa a esmorecer a nossa capacidade de
reconhecer a ordem natural, o fim e o ‘‘bem'' »[50].
19.
Finalmente, a concepção do desenvolvimento como vocação inclui
nele a centralidade da caridade. Paulo VI observava, na
encíclica
Populorum progressio, que as causas do subdesenvolvimento
não são primariamente de ordem material, convidando-nos a procurá-las
noutras dimensões do homem. Em primeiro lugar, na vontade, que
muitas vezes descuida os deveres da solidariedade. Em segundo, no
pensamento, que nem sempre sabe orientar convenientemente o querer;
por isso, para a prossecução do desenvolvimento, servem « pensadores
capazes de reflexão profunda, em busca de um humanismo novo, que
permita ao homem moderno o encontro de si mesmo »[51].
E não é tudo; o subdesenvolvimento tem uma causa ainda mais
importante do que a carência de pensamento: é « a falta de
fraternidade entre os homens e entre os povos »[52].
Esta fraternidade poderá um dia ser obtida pelos homens simplesmente
com as suas forças? A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos
vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver
a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica
entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade. Esta tem origem
numa vocação transcendente de Deus Pai, que nos amou primeiro,
ensinando-nos por meio do Filho o que é a caridade fraterna. Ao
apresentar os vários níveis do processo de desenvolvimento do homem,
Paulo VI colocava no vértice, depois de ter mencionado a fé, « a
unidade na caridade de Cristo que nos chama a todos a participar
como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens »[53].
20.
Abertas pela
Populorum progressio, estas perspectivas permanecem
fundamentais para dar amplitude e orientação ao nosso compromisso a
favor do desenvolvimento dos povos. E a Populorum progressio
sublinha repetidamente a urgência das reformas[54],
pedindo para que, à vista dos grandes problemas da injustiça no
desenvolvimento dos povos, se actue com coragem e sem demora. Esta
urgência é ditada também pela caridade na verdade. É a caridade
de Cristo que nos impele: « caritas Christi urget nos » (2
Cor 5, 14). A urgência não está inscrita só nas coisas, não
deriva apenas do encalçar dos acontecimentos e dos problemas, mas
também do que está em jogo: a realização de uma autêntica
fraternidade. A relevância deste objectivo é tal que exige a nossa
disponibilidade para o compreendermos profundamente e mobilizarmo-nos
concretamente, com o « coração », a fim de fazer avançar os actuais
processos económicos e sociais para metas plenamente humanas.
CAPÍTULO II
O DESENVOLVIMENTO
HUMANO
NO NOSSO TEMPO
21.
Paulo VI tinha uma visão articulada do desenvolvimento. Com o
termo « desenvolvimento », queria indicar, antes de mais nada, o
objectivo de fazer sair os povos da fome, da miséria, das doenças
endémicas e do analfabetismo. Isto significava, do ponto de vista
económico, a sua participação activa e em condições de igualdade no
processo económico internacional; do ponto de vista social, a sua
evolução para sociedades instruídas e solidárias; do ponto de vista
político, a consolidação de regimes democráticos capazes de
assegurar a liberdade e a paz. Depois de tantos anos e enquanto
contemplamos, preocupados, as evoluções e as perspectivas das crises
que foram sucedendo neste período, interrogamo-nos até que ponto
as expectativas de Paulo VI tenham sido satisfeitas pelo modelo
de desenvolvimento que foi adoptado nos últimos decénios. E
reconhecemos que eram fundadas as preocupações da Igreja acerca das
capacidades do homem meramente tecnológico conseguir impor-se
objectivos realistas e saber gerir, sempre adequadamente, os
instrumentos à sua disposição. O lucro é útil se, como meio, for
orientado para um fim que lhe indique o sentido e o modo como o
produzir e utilizar. O objectivo exclusivo de lucro, quando mal
produzido e sem ter como fim último o bem comum, arrisca-se a
destruir riqueza e criar pobreza. O desenvolvimento económico
desejado por Paulo VI devia ser capaz de produzir um crescimento
real, extensivo a todos e concretamente sustentável. É verdade que o
desenvolvimento foi e continua a ser um factor positivo, que tirou
da miséria milhões de pessoas e, ultimamente, deu a muitos países a
possibilidade de se tornarem actores eficazes da política
internacional. Todavia há que reconhecer que o próprio
desenvolvimento económico foi e continua a ser afectado por
anomalias e problemas dramáticos, evidenciados ainda mais pela
actual situação de crise. Esta coloca-nos improrrogavelmente diante
de opções que dizem respeito sempre mais ao próprio destino do homem,
o qual aliás não pode prescindir da sua natureza. As forças técnicas
em campo, as inter-relações a nível mundial, os efeitos deletérios
sobre a economia real duma actividade financeira mal utilizada e
maioritariamente especulativa, os imponentes fluxos migratórios, com
frequência provocados e depois não geridos adequadamente, a
exploração desregrada dos recursos da terra, induzem-nos hoje a
reflectir sobre as medidas necessárias para dar solução a problemas
que são não apenas novos relativamente aos enfrentados pelo Papa
Paulo VI, mas também e sobretudo com impacto decisivo no bem
presente e futuro da humanidade. Os aspectos da crise e das suas
soluções bem como de um possível novo desenvolvimento futuro estão
cada vez mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem
novos esforços de enquadramento global e uma nova síntese
humanista. A complexidade e gravidade da situação económica
actual preocupa-nos, com toda a justiça, mas devemos assumir com
realismo, confiança e esperança as novas responsabilidades a que nos
chama o cenário de um mundo que tem necessidade duma renovação
cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para
construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos a
projectar de novo o nosso caminho, a impor-nos regras novas e
encontrar novas formas de empenhamento, a apostar em experiências
positivas e rejeitar as negativas. Assim, a crise torna-se
ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação. Com
esta chave, feita mais de confiança que resignação, convém enfrentar
as dificuldades da hora actual.
22.
Actualmente o quadro do desenvolvimento é policêntrico. Os
actores e as causas tanto do subdesenvolvimento como do
desenvolvimento são múltiplas, as culpas e os méritos são
diferenciados. Este dado deveria induzir a libertar-se das
ideologias que simplificam, de forma frequentemente artificiosa, a
realidade, e levar a examinar com objectividade a consistência
humana dos problemas. Hoje a linha de demarcação entre países ricos
e pobres já não é tão nítida como nos tempos da
Populorum progressio, como aliás foi assinalado por João
Paulo II[55]. Cresce
a riqueza mundial em termos absolutos, mas aumentam as desigualdades.
Nos países ricos, novas categorias sociais empobrecem e nascem novas
pobrezas. Em áreas mais pobres, alguns grupos gozam duma espécie de
superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo
inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora.
Continua « o escândalo de desproporções revoltantes »[56].
Infelizmente a corrupção e a ilegalidade estão presentes tanto no
comportamento de sujeitos económicos e políticos dos países ricos,
antigos e novos, como nos próprios países pobres. No número de
quantos não respeitam os direitos humanos dos trabalhadores, contam-se
às vezes grandes empresas transnacionais e também grupos de produção
local. As ajudas internacionais foram muitas vezes desviadas das
suas finalidades, por irresponsabilidades que se escondem tanto na
cadeia dos sujeitos doadores como na dos beneficiários. Também no
âmbito das causas imateriais ou culturais do desenvolvimento e do
subdesenvolvimento podemos encontrar a mesma articulação de
responsabilidades: existem formas excessivas de protecção do
conhecimento por parte dos países ricos, através duma utilização
demasiado rígida do direito de propriedade intelectual,
especialmente no campo da saúde; ao mesmo tempo, em alguns países
pobres, persistem modelos culturais e normas sociais de
comportamento que retardam o processo de desenvolvimento.
23.
Temos hoje muitas áreas do globo que — de forma por vezes
problemática e não homogénea — evoluíram, entrando na categoria das
grandes potências destinadas a desempenhar um papel importante no
futuro. Contudo há que sublinhar que não é suficiente progredir
do ponto de vista económico e tecnológico; é preciso que o
desenvolvimento seja, antes de mais nada, verdadeiro e integral. A
saída do atraso económico — um dado em si mesmo positivo — não
resolve a complexa problemática da promoção do homem nem nos países
protagonistas de tais avanços, nem nos países economicamente já
desenvolvidos, nem nos países ainda pobres que, além das antigas
formas de exploração, podem vir a sofrer também as consequências
negativas derivadas de um crescimento marcado por desvios e
desequilíbrios.
Depois da queda dos
sistemas económicos e políticos dos países comunistas da Europa
Oriental e do fim dos chamados « blocos contrapostos », havia
necessidade duma revisão global do desenvolvimento. Pedira-o João
Paulo II, que em 1987 tinha indicado a existência destes « blocos »
como uma das principais causas do subdesenvolvimento[57],
enquanto a política subtraía recursos à economia e à cultura e a
ideologia inibia a liberdade. Em 1991, na sequência dos
acontecimentos do ano de 1989, o Pontífice pediu que o fim dos «
blocos » fosse seguido por uma nova planificação global do
desenvolvimento, não só em tais países, mas também no Ocidente e nas
regiões do mundo que estavam a evoluir[58].
Isto, porém, realizou-se apenas parcialmente, continuando a ser uma
obrigação real que precisa de ser satisfeita, talvez aproveitando-se
precisamente das opções necessárias para superar os problemas
económicos actuais.
24. O
mundo, que Paulo VI tinha diante dos olhos, registava muito menor
integração do que hoje, embora o processo de sociabilização se
apresentasse já tão adiantado que ele pôde falar de uma questão
social tornada mundial. Actividade económica e função política
desenrolavam-se em grande parte dentro do mesmo âmbito local e, por
conseguinte, podiam inspirar recíproca confiança. A actividade
produtiva tinha lugar prevalecentemente dentro das fronteiras
nacionais e os investimentos financeiros tinham uma circulação
bastante limitada para o estrangeiro, de tal modo que a política de
muitos Estados podia ainda fixar as prioridades da economia e, de
alguma maneira, governar o seu andamento com os instrumentos de que
ainda dispunha. Por este motivo, a Populorum progressio
atribuía um papel central, embora não exclusivo, aos « poderes
públicos »[59].
Actualmente, o Estado
encontra-se na situação de ter de enfrentar as limitações que são
impostas à sua soberania pelo novo contexto económico comercial e
financeiro internacional, caracterizado nomeadamente por uma
crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de
produção materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder
político dos Estados.
Hoje, aproveitando
inclusivamente a lição resultante da crise económica em curso que vê
os poderes públicos do Estado directamente empenhados a
corrigir erros e disfunções, parece mais realista uma renovada
avaliação do seu papel e poder, que hão-de ser sapientemente
reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo através
de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do
mundo actual. Com uma função melhor calibrada dos poderes públicos,
é previsível que sejam reforçadas as novas formas de participação na
política nacional e internacional que se realizam através da acção
das organizações operantes na sociedade civil; nesta linha, é
desejável que cresçam uma atenção e uma participação mais sentidas
na res publica por parte dos cidadãos.
25. Do
ponto de vista social, os sistemas de segurança e previdência — já
presentes em muitos países nos tempos de Paulo VI — sentem
dificuldade, e poderão senti-la ainda mais no futuro, em alcançar os
seus objectivos de verdadeira justiça social dentro de um quadro de
forças profundamente alterado. O mercado, à medida que se foi
tornando global, estimulou antes de mais nada, por parte de países
ricos, a busca de áreas para onde deslocar as actividades produtivas
a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o
poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento
centrado sobre um maior consumo pelo próprio mercado interno.
Consequentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre
Estados procurando atrair centros produtivos de empresas
estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos
favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes
processos implicaram a redução das redes de segurança social
em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global,
acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os
direitos fundamentais do homem e a solidariedade actuada nas formas
tradicionais do Estado social. Os sistemas de segurança social podem
perder a capacidade de desempenhar a sua função, quer nos países
emergentes, quer nos desenvolvidos há mais tempo, quer naturalmente
nos países pobres. Aqui, as políticas relativas ao orçamento com os
seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas
próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os
cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal
impotência torna-se ainda maior devido à falta de protecção eficaz
por parte das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças
sociais e económicas faz com que as organizações sindicais
sintam maiores dificuldades no desempenho do seu dever de
representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo facto de
os governos, por razões de utilidade económica, muitas vezes
limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos
próprios sindicatos. Assim, as redes tradicionais de solidariedade
encontram obstáculos cada vez maiores a superar. Por isso, o convite
feito pela doutrina social da Igreja, a começar pela
Rerum novarum[60],
para se criarem associações de trabalhadores em defesa dos seus
direitos há-de ser honrado, hoje ainda mais do que ontem, dando
antes de mais nada uma resposta pronta e clarividente à urgência de
instaurar novas sinergias a nível internacional, sem descurar o
nível local.
A mobilidade laboral,
associada à generalizada desregulamentação, constituiu um fenómeno
importante, não desprovido de aspectos positivos porque capaz de
estimular a produção de nova riqueza e o intercâmbio entre culturas
diversas. Todavia, quando se torna endémica a incerteza sobre as
condições de trabalho, resultante dos processos de mobilidade e
desregulamentação, geram-se formas de instabilidade psicológica, com
dificuldade a construir percursos coerentes na própria vida,
incluindo o percurso rumo ao matrimónio. Consequência disto é o
aparecimento de situações de degradação humana, além de desperdício
de força social. Comparado com o que sucedia na sociedade industrial
do passado, hoje o desemprego provoca aspectos novos de irrelevância
económica do indivíduo, e a crise actual pode apenas piorar tal
situação. A exclusão do trabalho por muito tempo ou então uma
prolongada dependência da assistência pública ou privada corroem a
liberdade e a criatividade da pessoa e as suas relações familiares e
sociais, causando enormes sofrimentos a nível psicológico e
espiritual. Queria recordar a todos, sobretudo aos governantes que
estão empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas económicos e
sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar
é o homem, a pessoa, na sua integridade: « com efeito, o homem é
o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social »[61].
26. No
plano cultural, as diferenças, relativamente aos tempos de Paulo VI,
são ainda mais acentuadas. Então, as culturas apresentavam-se
bastante bem definidas e tinham maiores possibilidades para se
defender das tentativas de homogeneização cultural. Hoje, cresceram
notavelmente as possibilidades de interacção das culturas,
dando espaço a novas perspectivas de diálogo intercultural; um
diálogo que, para ser eficaz, deve ter como ponto de partida uma
profunda noção da específica identidade dos vários interlocutores.
No entanto, não se deve descurar o facto de que esta aumentada
transacção de intercâmbios culturais traz consigo, actualmente, um
duplo perigo. Em primeiro lugar, nota-se um ecletismo cultural
assumido muitas vezes sem discernimento: as culturas são
simplesmente postas lado a lado e vistas como substancialmente
equivalentes e intercambiáveis umas com as outras. Isto favorece a
cedência a um relativismo que não ajuda o verdadeiro diálogo
intercultural; no plano social, o relativismo cultural faz com que
os grupos culturais se juntem ou convivam, mas separados, sem
autêntico diálogo e, consequentemente, sem verdadeira integração.
Depois, temos o perigo oposto que é constituído pelo nivelamento
cultural e a homogeneização dos comportamentos e estilos de
vida. Assim perde-se o significado profundo da cultura das diversas
nações, das tradições dos vários povos, no âmbito das quais a pessoa
se confronta com as questões fundamentais da existência[62].
Ecletismo e nivelamento cultural convergem no facto de separar a
cultura da natureza humana. Assim, as culturas deixam de saber
encontrar a sua medida numa natureza que as transcende[63],
acabando por reduzir o homem a simples dado cultural. Quando isto
acontece, a humanidade corre novos perigos de servidão e manipulação.
27. Em
muitos países pobres, continua — com risco de aumentar — uma
insegurança extrema de vida, que deriva da carência de alimentação:
a fome ceifa ainda inúmeras vítimas entre os muitos Lázaros, a
quem não é permitido — como esperara Paulo VI — sentar-se à mesa do
rico avarento[64].
Dar de comer aos famintos (cf. Mt 25, 35.37.42) é um
imperativo ético para toda a Igreja, que é resposta aos ensinamentos
de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus. Além
disso, eliminar a fome no mundo tornou-se, na era da globalização,
também um objectivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência
da terra. A fome não depende tanto de uma escassez material, como
sobretudo da escassez de recursos sociais, o mais importante dos
quais é de natureza institucional; isto é, falta um sistema de
instituições económicas que seja capaz de garantir um acesso regular
e adequado, do ponto de vista nutricional, à alimentação e à água e
também de enfrentar as carências relacionadas com as necessidades
primárias e com a emergência de reais e verdadeiras crises
alimentares provocadas por causas naturais ou pela
irresponsabilidade política nacional e internacional. O problema da
insegurança alimentar há-de ser enfrentado numa perspectiva a longo
prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e promovendo
o desenvolvimento agrícola dos países mais pobres por meio de
investimentos em infra-estruturas rurais, sistemas de irrigação,
transportes, organização dos mercados, formação e difusão de
técnicas agrícolas apropriadas, isto é, capazes de utilizar o melhor
possível os recursos humanos, naturais e socioeconómicos mais
acessíveis a nível local, para garantir a sua manutenção a longo
prazo. Tudo isto há-de ser realizado, envolvendo as comunidades
locais nas opções e nas decisões relativas ao uso da terra
cultivável. Nesta perspectiva, poderia revelar-se útil considerar as
novas fronteiras abertas por um correcto emprego das técnicas de
produção agrícola, tanto as tradicionais como as inovadoras, desde
que as mesmas tenham sido, depois de adequada verificação,
reconhecidas oportunas, respeitadoras do ambiente e tendo em conta
as populações mais desfavorecidas. Ao mesmo tempo não deveria ser
transcurada a questão de uma equitativa reforma agrária nos países
em vias de desenvolvimento. Os direitos à alimentação e à água
revestem um papel importante para a consecução de outros direitos, a
começar pelo direito primário à vida. Por isso, é necessária a
maturação duma consciência solidária que considere a alimentação
e o acesso à água como direitos universais de todos os seres
humanos, sem distinções nem discriminações[65].
Além disso, é importante pôr em evidência que o caminho da
solidariedade com o desenvolvimento dos países pobres pode
constituir um projecto de solução para a presente crise global, como
homens políticos e responsáveis de instituições internacionais têm
intuído nos últimos tempos. Sustentando, através de planos de
financiamento inspirados pela solidariedade, os países
economicamente pobres, para que provejam eles mesmos à satisfação
das solicitações de bens de consumo e de desenvolvimento dos
próprios cidadãos, é possível não apenas gerar verdadeiro
crescimento económico mas também concorrer para sustentar as
capacidades produtivas dos países ricos que correm o risco de ficar
comprometidas pela crise.
28. Um
dos aspectos mais evidentes do desenvolvimento actual é a
importância do tema do respeito pela vida, que não pode ser
de modo algum separado das questões relativas ao desenvolvimento dos
povos. Trata-se de um aspecto que, nos últimos tempos, está a
assumir uma relevância sempre maior, obrigando-nos a alargar os
conceitos de pobreza [66]
e subdesenvolvimento às questões relacionadas com o acolhimento da
vida, sobretudo onde o mesmo é de várias maneiras impedido.
Não só a situação de
pobreza provoca ainda altas taxas de mortalidade infantil em muitas
regiões, mas perduram também, em várias partes do mundo, práticas de
controle demográfico por parte dos governos, que muitas vezes
difundem a contracepção e chegam mesmo a impor o aborto. Nos países
economicamente mais desenvolvidos, são muito difusas as legislações
contrárias à vida, condicionando já o costume e a práxis e
contribuindo para divulgar uma mentalidade antinatalista que muitas
vezes se procura transmitir a outros Estados como se fosse um
progresso cultural.
Também algumas
organizações não governamentais trabalham activamente pela difusão
do aborto, promovendo nos países pobres a adopção da prática da
esterilização, mesmo sem as mulheres o saberem. Além disso, há a
fundada suspeita de que às vezes as próprias ajudas ao
desenvolvimento sejam associadas com determinadas políticas de saúde
que realmente implicam a imposição de um forte controle dos
nascimentos. Igualmente preocupantes são as legislações que prevêem
a eutanásia e as pressões de grupos nacionais e internacionais que
reivindicam o seu reconhecimento jurídico.
A abertura à vida
está no centro do verdadeiro desenvolvimento. Quando uma
sociedade começa a negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de
encontrar as motivações e energias necessárias para trabalhar ao
serviço do verdadeiro bem do homem. Se se perde a sensibilidade
pessoal e social ao acolhimento duma nova vida, definham também
outras formas de acolhimento úteis à vida social[67].
O acolhimento da vida revigora as energias morais e torna-nos
capazes de ajuda recíproca. Os povos ricos, cultivando a abertura à
vida, podem compreender melhor as necessidades dos países pobres,
evitar o emprego de enormes recursos económicos e intelectuais para
satisfazer desejos egoístas dos próprios cidadãos e promover, ao
invés, acções virtuosas na perspectiva duma produção moralmente
sadia e solidária, no respeito do direito fundamental de cada povo e
de cada pessoa à vida.
29.
Outro aspecto da vida actual, intimamente relacionado com o
desenvolvimento, é a negação do direito à liberdade religiosa.
Não me refiro só às lutas e conflitos que ainda se disputam no mundo
por motivações religiosas, embora estas às vezes sejam apenas a
cobertura para razões de outro género, tais como a sede de domínio e
de riqueza. Na realidade, com frequência hoje se faz apelo ao santo
nome de Deus para matar, como diversas vezes foi sublinhado e
deplorado publicamente pelo meu predecessor João Paulo II e por mim
próprio[68]. As
violências refreiam o desenvolvimento autêntico e impedem a evolução
dos povos para um bem-estar socioeconómico e espiritual maior. Isto
aplica-se de modo especial ao terrorismo de índole fundamentalista[69],
que gera sofrimento, devastação e morte, bloqueia o diálogo entre as
nações e desvia grandes recursos do seu uso pacífico e civil. Mas há
que acrescentar que, se o fanatismo religioso impede em alguns
contextos o exercício do direito de liberdade de religião, também a
promoção programada da indiferença religiosa ou do ateísmo prático
por parte de muitos países contrasta com as necessidades do
desenvolvimento dos povos, subtraindo-lhes recursos espirituais e
humanos. Deus é o garante do verdadeiro desenvolvimento do
homem, já que, tendo-o criado à sua imagem, fundamenta de igual
forma a sua dignidade transcendente e alimenta o seu anseio
constitutivo de « ser mais ». O homem não é um átomo perdido num
universo casual[70],
mas é uma criatura de Deus, à qual Ele quis dar uma alma imortal e
que desde sempre amou. Se o homem fosse fruto apenas do acaso ou da
necessidade, se as suas aspirações tivessem de reduzir-se ao
horizonte restrito das situações em que vive, se tudo fosse somente
história e cultura e o homem não tivesse uma natureza destinada a
transcender-se numa vida sobrenatural, então poder-se-ia falar de
incremento ou de evolução, mas não de desenvolvimento. Quando o
Estado promove, ensina ou até impõe formas de ateísmo prático, tira
aos seus cidadãos a força moral e espiritual indispensável para se
empenhar no desenvolvimento humano integral e impede-os de avançarem
com renovado dinamismo no próprio compromisso de uma resposta humana
mais generosa ao amor divino[71].
Sucede também que os países economicamente desenvolvidos ou os
emergentes exportem para os países pobres, no âmbito das suas
relações culturais, comerciais e políticas, esta visão redutiva da
pessoa e do seu destino. É o dano que o « superdesenvolvimento »
[72] acarreta ao
desenvolvimento autêntico, quando é acompanhado pelo «
subdesenvolvimento moral »[73].
30.
Nesta linha, o tema do desenvolvimento humano integral atinge um
ponto ainda mais complexo: a correlação entre os seus vários
elementos requer que nos empenhemos por fazer interagir os
diversos níveis do saber humano tendo em vista a promoção de um
verdadeiro desenvolvimento dos povos. Muitas vezes pensa-se que o
desenvolvimento ou as relativas medidas socioeconómicas necessitam
apenas de ser postos em prática como fruto de um agir comum,
ignorando que este agir comum precisa de ser orientado, porque «
toda a acção social implica uma doutrina »[74].
Vista a complexidade dos problemas, é óbvio que as várias
disciplinas devem colaborar através de uma ordenada
interdisciplinaridade. A caridade não exclui o saber, antes
reclama-o, promove-o e anima-o a partir de dentro. O saber nunca é
obra apenas da inteligência; pode, sem dúvida, ser reduzido a
cálculo e a experiência, mas se quer ser sapiência capaz de orientar
o homem à luz dos princípios primeiros e dos seus fins últimos, deve
ser « temperado » com o « sal » da caridade. A acção é cega sem o
saber, e este é estéril sem o amor. De facto, « aquele que está
animado de verdadeira caridade é engenhoso em descobrir as causas da
miséria, encontrar os meios de a combater e vencê-la resolutamente »[75].
Relativamente aos fenómenos que analisamos, a caridade na verdade
requer, antes de mais nada, conhecer e compreender no respeito
consciencioso da competência específica de cada nível do saber. A
caridade não é uma junção posterior, como se fosse um apêndice ao
trabalho já concluído das várias disciplinas, mas dialoga com elas
desde o início. As exigências do amor não contradizem as da razão. O
saber humano é insuficiente e as conclusões das ciências não poderão
sozinhas indicar o caminho para o desenvolvimento integral do homem.
Sempre é preciso lançar-se mais além: exige-o a caridade na verdade[76].
Todavia ir mais além nunca significa prescindir das conclusões da
razão, nem contradizer os seus resultados. Não aparece a
inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a
inteligência cheia de amor.
31.
Isto significa que as ponderações morais e a pesquisa científica
devem crescer juntas e que a caridade as deve animar num todo
interdisciplinar harmónico, feito de unidade e distinção. A doutrina
social da Igreja, que tem « uma importante dimensão
interdisciplinar »[77],
pode desempenhar, nesta perspectiva, uma função de extraordinária
eficácia. Ela permite à fé, à teologia, à metafísica e às ciências
encontrarem o próprio lugar no âmbito de uma colaboração ao serviço
do homem; é sobretudo aqui que a doutrina social da Igreja actua a
sua dimensão sapiencial. Paulo VI tinha visto claramente que, entre
as causas do subdesenvolvimento, conta-se uma carência de sabedoria,
de reflexão, de pensamento capaz de realizar uma síntese orientadora[78],
que requer « uma visão clara de todos os aspectos económicos,
sociais, culturais e espirituais »[79].
A excessiva fragmentação do saber[80],
o isolamento das ciências humanas relativamente à metafísica[81],
as dificuldades no diálogo entre as ciências e a teologia danificam
não só o avanço do saber mas também o desenvolvimento dos povos,
porque, quando isso se verifica, fica obstaculizada a visão do bem
completo do homem nas várias dimensões que o caracterizam. É
indispensável o « alargamento do nosso conceito de razão e do uso da
mesma » [82] para se
conseguir sopesar adequadamente todos os termos da questão do
desenvolvimento e da solução dos problemas sócio-económicos.
32. As
grandes novidades, que o quadro actual do desenvolvimento dos povos
apresenta, exigem em muitos casos novas soluções. Estas
hão-de ser procuradas conjuntamente no respeito das leis próprias de
cada realidade e à luz duma visão integral do homem, que espelhe os
vários aspectos da pessoa humana, contemplada com o olhar purificado
pela caridade. Descobrir-se-ão então singulares convergências e
concretas possibilidades de solução, sem renunciar a qualquer
componente fundamental da vida humana.
A dignidade da pessoa e
as exigências da justiça requerem, sobretudo hoje, que as opções
económicas não façam aumentar, de forma excessiva e moralmente
inaceitável, as diferenças de riqueza
[83] e que se continue
a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho
para todos, ou da sua manutenção. Bem vistas as coisas, isto é
exigido também pela « razão económica ». O aumento sistemático das
desigualdades entre grupos sociais no interior de um mesmo país e
entre as populações dos diversos países, ou seja, o aumento maciço
da pobreza em sentido relativo, tende não só a minar a coesão social
— e, por este caminho, põe em risco a democracia —, mas tem também
um impacto negativo no plano económico com a progressiva corrosão do
« capital social », isto é, daquele conjunto de relações de
confiança, de credibilidade, de respeito das regras, indispensáveis
em qualquer convivência civil.
E é ainda a ciência
económica a dizer-nos que uma situação estrutural de insegurança
gera comportamentos antiprodutivos e de desperdício de recursos
humanos, já que o trabalhador tende a adaptar-se passivamente aos
mecanismos automáticos, em vez de dar largas à criatividade. Também
neste ponto se verifica uma convergência entre ciência económica e
ponderação moral. Os custos humanos são sempre também custos
económicos, e as disfunções económicas acarretam sempre também
custos humanos.
Há ainda que recordar
que o nivelamento das culturas à dimensão tecnológica, se a curto
prazo pode favorecer a obtenção de lucros, a longo prazo dificulta o
enriquecimento recíproco e as dinâmicas de cooperação. É importante
distinguir entre considerações económicas ou sociológicas a curto e
a longo prazo. A diminuição do nível de tutela dos direitos dos
trabalhadores ou a renúncia a mecanismos de redistribuição do
rendimento, para fazer o país ganhar maior competitividade
internacional, impede a afirmação de um desenvolvimento de longa
duração. Por isso, há que avaliar atentamente as consequências que
podem ter sobre as pessoas as tendências actuais para uma economia a
curto se não mesmo curtíssimo prazo. Isto requer uma nova e
profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins[84],
bem como uma revisão profunda e clarividente do modelo de
desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunções e desvios. Na
realidade, exige-o o estado de saúde ecológica da terra; pede-o
sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas são
evidentes por toda a parte.
33.
Passados mais de quarenta anos da publicação da
Populorum progressio, o seu tema de fundo — precisamente o
progresso — permanece ainda um problema em aberto, que se
tornou mais agudo e premente com a crise económico-financeira em
curso. Se algumas áreas do globo, outrora oprimidas pela pobreza,
registaram mudanças notáveis em termos de crescimento económico e de
participação na produção mundial, há outras zonas que vivem ainda
numa situação de miséria comparável à existente nos tempos de Paulo
VI; antes, em qualquer caso pode-se mesmo falar de agravamento. É
significativo que algumas causas desta situação tivessem sido já
identificadas na
Populorum progressio, como, por exemplo, as altas tarifas
aduaneiras impostas pelos países economicamente desenvolvidos que
ainda impedem aos produtos originários dos países pobres de chegar
aos mercados dos países ricos. Entretanto, outras causas que a
encíclica tinha apenas pressentido, apareceram depois com maior
evidência; é o caso da avaliação do processo de descolonização,
então em pleno curso. Paulo VI almejava um percurso de autonomia que
havia de realizar-se na liberdade e na paz; quarenta anos depois,
temos de reconhecer como foi difícil tal percurso, tanto por causa
de novas formas de colonialismo e dependência de antigos e novos
países hegemónicos, como por graves irresponsabilidades internas aos
próprios países que se tornaram independentes.
A novidade principal
foi a explosão da interdependência mundial, já conhecida
comummente por globalização. Paulo VI tinha-a em parte previsto, mas
os termos e a impetuosidade com que aquela evoluiu são
surpreendentes. Nascido no âmbito dos países economicamente
desenvolvidos, este processo por sua própria natureza causou um
envolvimento de todas as economias. Foi o motor principal para a
saída do subdesenvolvimento de regiões inteiras e, por si mesmo,
constitui uma grande oportunidade. Contudo, sem a guia da caridade
na verdade, este ímpeto mundial pode concorrer para criar riscos de
danos até agora desconhecidos e de novas divisões na família humana.
Por isso, a caridade e a verdade colocam diante de nós um
compromisso inédito e criativo, sem dúvida muito vasto e complexo.
Trata-se de dilatar a razão e torná-la capaz de conhecer e
orientar estas novas e imponentes dinâmicas, animando-as na
perspectiva daquela « civilização do amor », cuja semente Deus
colocou em todo o povo e cultura.
CAPÍTULO III
FRATERNIDADE,
DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
E SOCIEDADE CIVIL
34. A caridade
na verdade coloca o homem perante a admirável experiência do
dom. A gratuidade está presente na sua vida sob múltiplas formas,
que frequentemente lhe passam despercebidas por causa duma visão
meramente produtiva e utilarista da existência. O ser humano está
feito para o dom, que exprime e realiza a sua dimensão de
transcendência. Por vezes o homem moderno convence-se, erroneamente,
de que é o único autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade.
Trata-se de uma presunção, resultante do encerramento egoísta em si
mesmo, que provém — se queremos exprimi-lo em termos de fé — do
pecado das origens. Na sua sabedoria, a Igreja sempre propôs que
se tivesse em conta o pecado original mesmo na interpretação dos
fenómenos sociais e na construção da sociedade. « Ignorar que o
homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a
graves erros no domínio da educação, da política, da acção social e
dos costumes »[85]. No
elenco dos campos onde se manifestam os efeitos perniciosos do
pecado, há muito tempo que se acrescentou também o da economia.
Temos uma prova evidente disto mesmo nos dias que correm. Primeiro,
a convicção de ser auto-suficiente e de conseguir eliminar o mal
presente na história apenas com a própria acção induziu o homem a
identificar a felicidade e a salvação com formas imanentes de bem-estar
material e de acção social. Depois, a convicção da exigência de
autonomia para a economia, que não deve aceitar « influências » de
carácter moral, impeliu o homem a abusar dos instrumentos económicos
até mesmo de forma destrutiva. Com o passar do tempo, estas
convicções levaram a sistemas económicos, sociais e políticos que
espezinharam a liberdade da pessoa e dos corpos sociais e, por isso
mesmo, não foram capazes de assegurar a justiça que prometiam. Deste
modo, como afirmei na encíclica
Spe salvi[86],
elimina-se da história a esperança cristã, a qual, ao invés,
constitui um poderoso recurso social ao serviço do desenvolvimento
humano integral, procurado na liberdade e na justiça. A esperança
encoraja a razão e dá-lhe a força para orientar a vontade[87].
Já está presente na fé, pela qual aliás é suscitada. Dela se nutre a
caridade na verdade e, ao mesmo tempo, manifesta-a. Sendo dom de
Deus absolutamente gratuito, irrompe na nossa vida como algo não
devido, que transcende qualquer norma de justiça. Por sua natureza,
o dom ultrapassa o mérito; a sua regra é a excedência. Aquele
precede-nos, na nossa própria alma, como sinal da presença de Deus
em nós e das suas expectativas a nosso respeito. A verdade, que é
dom tal como a caridade, é maior do que nós, conforme ensina Santo
Agostinho[88]. Também a
verdade acerca de nós mesmos, da nossa consciência pessoal é-nos
primariamente « dada »; com efeito, em qualquer processo
cognoscitivo, a verdade não é produzida por nós, mas sempre
encontrada ou, melhor, recebida. Tal como o amor, ela « não nasce da
inteligência e da vontade, mas de certa forma impõe-se ao ser humano
»[89].
Enquanto dom recebido
por todos, a caridade na verdade é uma força que constitui a
comunidade, unifica os homens segundo modalidades que não conhecem
barreiras nem confins. A comunidade dos homens pode ser constituída
por nós mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca poderá ser
uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para além de
qualquer fronteira, ou seja, não poderá tornar-se uma comunidade
verdadeiramente universal: a unidade do género humano, uma comunhão
fraterna para além de qualquer divisão, nasce da convocação da
palavra de Deus-Amor. Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos
especificar, por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça
nem se justapõe a ela num segundo tempo e de fora; e, por outro, que
o desenvolvimento económico, social e político precisa, se quiser
ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da
gratuidade como expressão de fraternidade.
35. O
mercado, se houver confiança recíproca e generalizada, é a
instituição económica que permite o encontro entre as pessoas, na
sua dimensão de operadores económicos que usam o contrato como regra
das suas relações e que trocam bens e serviços entre si fungíveis,
para satisfazer as suas carências e desejos. O mercado está sujeito
aos princípios da chamada justiça comutativa, que regula
precisamente as relações do dar e receber entre sujeitos iguais. Mas
a doutrina social nunca deixou de pôr em evidência a importância que
tem a justiça distributiva e a justiça social para a
própria economia de mercado, não só porque integrada nas malhas de
um contexto social e político mais vasto, mas também pela teia das
relações em que se realiza. De facto, deixado unicamente ao
princípio da equivalência de valor dos bens trocados, o mercado não
consegue gerar a coesão social de que necessita para bem funcionar.
Sem formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o
mercado não pode cumprir plenamente a própria função económica.
E, hoje, foi precisamente esta confiança que veio a faltar; e a
perda da confiança é uma perda grave.
Na
Populorum progressio, Paulo VI sublinhava oportunamente o
facto de que seria o próprio sistema económico a tirar vantagem da
prática generalizada da justiça, uma vez que os primeiros a
beneficiar do desenvolvimento dos países pobres teriam sido os
países ricos[90]. Não
se tratava apenas de corrigir disfunções, através da assistência. Os
pobres não devem ser considerados um « fardo »[91]
mas um recurso, mesmo do ponto de vista estritamente económico. Há
que considerar errada a visão de quantos pensam que a economia de
mercado tenha estruturalmente necessidade duma certa quota de
pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar do melhor modo. O
mercado tem interesse em promover emancipação, mas, para o fazer
verdadeiramente, não pode contar apenas consigo mesmo, porque não é
capaz de produzir por si aquilo que está para além das suas
possibilidades; tem de haurir energias morais de outros sujeitos,
que sejam capazes de as gerar.
36. A
actividade económica não pode resolver todos os problemas sociais
através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há-de
ter como finalidade a prossecução do bem comum, do qual se
deve ocupar também e sobretudo a comunidade política. Por isso,
tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o
agir económico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do
agir político, cuja função seria buscar a justiça através da
redistribuição.
Desde sempre a Igreja
defende que não se há-de considerar o agir económico como
anti-social. De per si o mercado não é, nem se deve tornar, o lugar
da prepotência do forte sobre o débil. A sociedade não tem que se
proteger do mercado, como se o desenvolvimento deste implicasse
ipso facto a morte das relações autenticamente humanas. É
verdade que o mercado pode ser orientado de modo negativo, não
porque isso esteja na sua natureza, mas porque uma certa ideologia
pode dirigi-lo em tal sentido. Não se deve esquecer que o mercado,
em estado puro, não existe; mas toma forma a partir das
configurações culturais que o especificam e orientam. Com efeito, a
economia e as finanças, enquanto instrumentos, podem ser mal
utilizadas se quem as gere tiver apenas referimentos egoístas. Deste
modo é possível conseguir transformar instrumentos de per si bons em
instrumentos danosos; mas é a razão obscurecida do homem que produz
estas consequências, não o instrumento por si mesmo. Por isso, não é
o instrumento que deve ser chamado em causa, mas o homem, a sua
consciência moral e a sua responsabilidade pessoal e social.
A doutrina social da
Igreja considera possível viver relações autenticamente humanas de
amizade e camaradagem, de solidariedade e reciprocidade, mesmo no
âmbito da actividade económica e não apenas fora dela ou « depois »
dela. A área económica não é eticamente neutra nem de natureza
desumana e anti-social. Pertence à actividade do homem; e,
precisamente porque humana, deve ser eticamente estruturada e
institucionalizada.
O grande desafio que
temos diante de nós — resultante das problemáticas do
desenvolvimento neste tempo de globalização, mas revestindo-se de
maior exigência com a crise económico-financeira — é mostrar, a
nível tanto de pensamento como de comportamentos, que não só não
podem ser transcurados ou atenuados os princípios tradicionais da
ética social, como a transparência, a honestidade e a
responsabilidade, mas também que, nas relações comerciais, o
princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da
fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da actividade
económica normal. Isto é uma exigência do homem no tempo actual,
mas também da própria razão económica. Trata-se de uma exigência
simultaneamente da caridade e da verdade.
37. A
doutrina social da Igreja sempre defendeu que a justiça diz
respeito a todas as fases da actividade económica, porque esta
sempre tem a ver com o homem e com as suas exigências. A angariação
dos recursos, os financiamentos, a produção, o consumo e todas as
outras fases do ciclo económico têm inevitavelmente implicações
morais. Deste modo cada decisão económica tem consequências de
carácter moral. Tudo isto encontra confirmação também nas
ciências sociais e nas tendências da economia actual. Outrora talvez
se pudesse pensar, primeiro, em confiar à economia a produção de
riqueza para, depois, atribuir à política a tarefa de a distribuir;
hoje tudo isto se apresenta mais difícil, porque, enquanto as
actividades económicas deixaram de estar circunscritas no âmbito dos
limites territoriais, a autoridade dos governos continua a ser
sobretudo local. Por isso, os cânones da justiça devem ser
respeitados desde o início enquanto se desenrola o processo
económico, e não depois ou marginalmente. Além disso, é preciso que,
no mercado, se abram espaços para actividades económicas realizadas
por sujeitos que livremente escolhem configurar o próprio agir
segundo princípios diversos do puro lucro, sem por isso renunciar a
produzir valor económico. As numerosas expressões de economia que
tiveram origem em iniciativas religiosas e laicas demonstram que
isto é concretamente possível.
Na época da
globalização, a economia denota a influência de modelos competitivos
ligados a culturas muito diversas entre si. Os comportamentos
económico-empresariais daí resultantes possuem, na sua maioria, um
ponto de encontro no respeito da justiça comutativa. A vida
económica tem, sem dúvida, necessidade do contrato, para
regular as relações de transacção entre valores equivalentes; mas
precisa igualmente de leis justas e de formas de
redistribuição guiadas pela política, para além de obras que
tragam impresso o espírito do dom. A economia globalizada
parece privilegiar a primeira lógica, ou seja, a da transacção
contratual, mas directa ou indirectamente dá provas de necessitar
também das outras duas: a lógica política e a lógica do dom sem
contrapartida.
38. O
meu antecessor João Paulo II sublinhara esta problemática, quando,
na
Centesimus annus, destacou a necessidade de um sistema com
três sujeitos: o mercado, o Estado e a sociedade
civil[92]. Ele
tinha identificado na sociedade civil o âmbito mais apropriado para
uma economia da gratuidade e da fraternidade, mas sem
pretender negá-la nos outros dois âmbitos. Hoje, podemos dizer que a
vida económica deve ser entendida como uma realidade com várias
dimensões: em todas deve estar presente, embora em medida diversa e
com modalidades específicas, o aspecto da reciprocidade fraterna. Na
época da globalização, a actividade económica não pode prescindir da
gratuidade, que difunde e alimenta a solidariedade e a
responsabilidade pela justiça e o bem comum em seus diversos
sujeitos e actores. Trata-se, em última análise, de uma forma
concreta e profunda de democracia económica. A solidariedade
consiste primariamente em que todos se sintam responsáveis por todos[93]
e, por conseguinte, não pode ser delegada só ao Estado. Se, no
passado, era possível pensar que havia necessidade primeiro de
procurar a justiça e que a gratuidade intervinha depois como um
complemento, hoje é preciso afirmar que, sem a gratuidade, não se
consegue sequer realizar a justiça. Assim, temos necessidade de um
mercado, no qual possam operar, livremente e em condições de igual
oportunidade, empresas que persigam fins institucionais diversos. Ao
lado da empresa privada orientada para o lucro e dos vários tipos de
empresa pública, devem poder-se radicar e exprimir as organizações
produtivas que perseguem fins mutualistas e sociais. Do seu
recíproco confronto no mercado, pode-se esperar uma espécie de
hibridização dos comportamentos de empresa e, consequentemente, uma
atenção sensível à civilização da economia. Neste caso,
caridade na verdade significa que é preciso dar forma e organização
àquelas iniciativas económicas que, embora sem negar o lucro,
pretendam ir mais além da lógica da troca de equivalentes e do lucro
como fim em si mesmo.
39. Na
Populorum progressio, Paulo VI pedia que se configurasse
um modelo de economia de mercado capaz de incluir, pelo menos
intencionalmente, todos os povos e não apenas aqueles adequadamente
habilitados. Solicitava que nos empenhássemos na promoção de um
mundo mais humano para todos, um mundo no qual « todos tenham
qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja
obstáculo ao desenvolvimento dos outros »[94].
Estendia assim ao plano universal as mesmas instâncias e aspirações
contidas na Rerum novarum, escrita quando pela primeira vez,
em consequência da revolução industrial, se afirmou a ideia —
seguramente avançada para aquele tempo — de que a ordem civil, para
subsistir, tinha necessidade também da intervenção distributiva do
Estado. Hoje esta visão, além de ser posta em crise pelos processos
de abertura dos mercados e das sociedades, revela-se incompleta para
satisfazer as exigências duma economia plenamente humana. Aquilo que
a doutrina social da Igreja, partindo da sua visão do homem e da
sociedade, sempre defendeu, é hoje requerido também pelas dinâmicas
características da globalização.
Quando a lógica do
mercado e a do Estado se põem de acordo entre si para continuar no
monopólio dos respectivos âmbitos de influência, com o passar do
tempo definha a solidariedade nas relações entre os cidadãos, a
participação e a adesão, o serviço gratuito, que são realidades
diversas do « dar para ter », próprio da lógica da transacção, e do
« dar por dever », próprio da lógica dos comportamentos públicos
impostos por lei pelo Estado. A vitória sobre o subdesenvolvimento
exige que se actue não só sobre a melhoria das transacções fundadas
sobre o intercâmbio, nem apenas sobre as transferências das
estruturas assistenciais de natureza pública, mas sobretudo sobre a
progressiva abertura, em contexto mundial, para formas de actividade
económica caracterizadas por quotas de gratuidade e de comunhão.
O binómio exclusivo mercado-Estado corrói a sociabilidade, enquanto
as formas económicas solidárias, que encontram o seu melhor terreno
na sociedade civil sem contudo se reduzir a ela, criam
sociabilidade. O mercado da gratuidade não existe, tal como não se
podem estabelecer por lei comportamentos gratuitos, e todavia tanto
o mercado como a política precisam de pessoas abertas ao dom
recíproco.
40. As
actuais dinâmicas económicas internacionais, caracterizadas por
graves desvios e disfunções, requerem profundas mudanças
inclusivamente no modo de conceber a empresa. Antigas
modalidades da vida empresarial declinam, mas outras prometedoras se
esboçam no horizonte. Um dos riscos maiores é, sem dúvida, que a
empresa preste contas quase exclusivamente a quem nela investe,
acabando assim por reduzir a sua valência social. Devido ao seu
crescimento de dimensão e à necessidade de capitais sempre maiores,
são cada vez menos as empresas que fazem referimento a um empresário
estável que se sinta responsável não apenas a curto mas a longo
prazo da vida e dos resultados da sua empresa, tal como diminui o
número das que dependem de um único território. Além disso, a
chamada deslocalização da actividade produtiva pode atenuar no
empresário o sentido da responsabilidade para com os interessados,
como os trabalhadores, os fornecedores, os consumidores, o ambiente
natural e a sociedade circundante mais ampla, em benefício dos
accionistas, que não estão ligados a um espaço específico, gozando
por isso duma extraordinária mobilidade; de facto, o mercado
internacional dos capitais oferece hoje uma grande liberdade de
acção. Mas é verdade também que está a aumentar a consciência sobre
a necessidade de uma mais ampla « responsabilidade social » da
empresa. Apesar de os parâmetros éticos que guiam actualmente o
debate sobre a responsabilidade social da empresa não serem, segundo
a perspectiva da doutrina social da Igreja, todos aceitáveis, é um
facto que se vai difundindo cada vez mais a convicção de que a
gestão da empresa não pode ter em conta unicamente os interesses dos
proprietários da mesma, mas deve preocupar-se também com as outras
diversas categorias de sujeitos que contribuem para a vida da
empresa: os trabalhadores, os clientes, os fornecedores dos
vários factores de produção, a comunidade de referimento. Nos
últimos anos, notou-se o crescimento duma classe cosmopolita de
gerentes, que muitas vezes respondem só às indicações dos
accionistas da empresa constituídos geralmente por fundos anónimos
que estabelecem de facto as suas remunerações. Todavia, hoje, há
também muitos gerentes que, através de análises clarividentes, se
dão conta cada vez mais dos profundos laços que a sua empresa tem
com o território ou territórios, onde opera. Paulo VI convidava a
avaliar seriamente o dano que a transferência de capitais para o
estrangeiro, com exclusivas vantagens pessoais, pode causar à
própria nação[95]. E
João Paulo II advertia que investir tem sempre um significado
moral, para além de económico[96].
Tudo isto — há que reafirmá-lo — é válido também hoje, não obstante
o mercado dos capitais tenha sido muito liberalizado e as
mentalidades tecnológicas modernas possam induzir a pensar que
investir seja apenas um facto técnico, e não humano e ético. Não há
motivo para negar que um certo capital possa ser ocasião de bem, se
investido no estrangeiro antes que na pátria; mas devem-se ressalvar
os vínculos de justiça, tendo em conta também o modo como aquele
capital se formou e os danos que causará às pessoas o seu não-investimento
nos lugares onde o mesmo foi gerado[97].
É preciso evitar que o motivo para o emprego dos recursos
financeiros seja especulativo, cedendo à tentação de procurar
apenas o lucro a breve prazo sem cuidar igualmente da
sustentabilidade da empresa a longo prazo, do seu serviço concreto à
economia real e duma adequada e oportuna promoção de iniciativas
económicas também nos países necessitados de desenvolvimento. Também
não há motivo para negar que a deslocalização, quando compreende
investimentos e formação, possa fazer bem às populações do país que
a acolhe — o trabalho e o conhecimento técnico são uma necessidade
universal –; mas não é lícito deslocalizar somente para gozar de
especiais condições de favor ou, pior ainda, para exploração, sem
prestar uma verdadeira contribuição à sociedade local para o
nascimento de um robusto sistema produtivo e social, factor
imprescindível para um desenvolvimento estável.
41.
Dentro do mesmo tema, é útil observar que o espírito empresarial
tem, e deve assumir cada vez mais, um significado polivalente.
A longa prevalência do binómio mercado-Estado habituou-nos a pensar
exclusivamente, por um lado, no empresário privado de tipo
capitalista e, por outro, no director estatal. Na realidade, o
espírito empresarial há-de ser entendido de modo articulado, como se
depreende duma série de motivações meta-económicas. O espírito
empresarial, antes de ter significado profissional, possui um
significado humano[98];
está inscrito em cada trabalho, visto como « actus personæ »[99],
pelo que é bom oferecer a cada trabalhador a possibilidade de
prestar a própria contribuição, de tal modo que ele mesmo « saiba
trabalhar ‘‘por conta própria'' »[100].
Ensinava Paulo VI, não sem motivo, que « todo o trabalhador é um
criador »[101].
Precisamente para dar resposta às exigências e à dignidade de quem
trabalha e às necessidades da sociedade é que existem vários tipos
de empresa, muito para além da simples distinção entre « privado » e
« público ». Cada uma requer e exprime um espírito empresarial
específico. A fim de realizar uma economia que, num futuro próximo,
saiba colocar-se ao serviço do bem comum nacional e mundial, convém
ter em conta este significado amplo de espírito empresarial. Tal
concepção mais ampla favorece o intercâmbio e a formação recíproca
entre as diversas tipologias de empresariado, com transferência de
competências do mundo sem lucro para aquele com lucro e vice-versa,
do sector público para o âmbito próprio da sociedade civil, do mundo
das economias avançadas para aquele dos países em vias de
desenvolvimento.
Também a autoridade
política tem um significado polivalente, que não se pode
esquecer quando se procede à realização duma nova ordem económico-produtiva,
responsável socialmente e à medida do homem. Assim como se pretende
fomentar um espírito empresarial diferenciado no plano mundial,
assim também se deve promover uma autoridade política repartida e
activa a vários níveis. A economia integrada dos nossos dias não
elimina a função dos Estados, antes obriga os governos a uma
colaboração recíproca mais intensa. Razões de sabedoria e prudência
sugerem que não se proclame depressa demais o fim do Estado;
relativamente à solução da crise actual, a sua função parece
destinada a crescer, readquirindo muitas das suas competências. Além
disso, existem nações, cuja edificação ou reconstrução do Estado
continua a ser um elemento-chave do seu desenvolvimento. A ajuda
internacional, precisamente no âmbito de um projecto de
solidariedade que tivesse em vista a solução dos problemas
económicos actuais, deveria sobretudo apoiar a consolidação de
sistemas constitucionais, jurídicos, administrativos nos países que
ainda não gozam de tais bens. A par das ajudas económicas, devem
existir outros apoios tendentes a reforçar as garantias próprias do
Estado de direito, um sistema de ordem pública e carcerário
eficiente no respeito dos direitos humanos, instituições
verdadeiramente democráticas. Não é preciso que o Estado tenha, em
todo o lado, as mesmas características: o apoio para reforço dos
sistemas constitucionais débeis pode muito bem ser acompanhado pelo
desenvolvimento de outros sujeitos políticos de natureza cultural,
social, territorial ou religiosa, ao lado do Estado. A articulação
da autoridade política a nível local, nacional e internacional é,
para além do mais, uma das vias mestras para se chegar a poder
orientar a globalização económica; e é também o modo de evitar que
esta mine realmente os alicerces da democracia.
42.
Notam-se às vezes atitudes fatalistas a respeito da globalização,
como se as dinâmicas em acto fossem produzidas por forças impessoais
anónimas e por estruturas independentes da vontade humana[102].
A tal propósito, é bom recordar que a globalização há-de ser
entendida, sem dúvida, como um processo socioeconómico, mas esta sua
dimensão não é a única. Sob o processo mais visível, há a realidade
duma humanidade que se torna cada vez mais interligada; tal
realidade é constituída por pessoas e povos, para quem o referido
processo deve ser de utilidade e desenvolvimento[103],
graças à assunção das respectivas responsabilidades por parte tanto
dos indivíduos como da colectividade. A superação das fronteiras é
um dado não apenas material mas também cultural nas suas causas e
efeitos. Se a globalização for lida de maneira determinista,
perdem-se os critérios para a avaliar e orientar. Trata-se de uma
realidade humana que pode ter, na sua fonte, várias orientações
culturais, sobre as quais é preciso fazer discernimento. A verdade
da globalização enquanto processo e o seu critério ético fundamental
provêm da unidade da família humana e do seu desenvolvimento no bem.
Por isso é preciso empenhar-se sem cessar por favorecer uma
orientação cultural personalista e comunitária, aberta à
transcendência, do processo de integração mundial.
Não obstante algumas
limitações estruturais, que não se hão-de negar nem absolutizar, « a
globalização a priori não é boa nem má. Será aquilo que as
pessoas fizerem dela »[104].
Não devemos ser vítimas dela, mas protagonistas, actuando com bom
senso, guiados pela caridade e a verdade. Opor-se-lhe cegamente
seria uma atitude errada, fruto de preconceito, que acabaria por
ignorar um processo marcado também por aspectos positivos, com o
risco de perder uma grande ocasião de se inserir nas múltiplas
oportunidades de desenvolvimento por ele oferecidas. Adequadamente
concebidos e geridos, os processos de globalização oferecem a
possibilidade duma grande redistribuição da riqueza a nível mundial,
como antes nunca tinha acontecido; se mal geridos, podem, pelo
contrário, fazer crescer pobreza e desigualdade, bem como contagiar
com uma crise o mundo inteiro. É preciso corrigir as suas
disfunções, tantas vezes graves, que introduzem novas divisões
entre os povos e no interior dos mesmos, e fazer com que a
redistribuição da riqueza não se verifique à custa de uma
redistribuição da pobreza ou até com o seu agravamento, como uma má
gestão da situação actual poderia fazer-nos temer. Durante muito
tempo, pensou-se que os povos pobres deveriam permanecer ancorados
num estádio predeterminado de desenvolvimento, contentando-se com a
filantropia dos povos desenvolvidos. Contra esta mentalidade, tomou
posição Paulo VI na
Populorum progressio. Hoje, as forças materiais de que se
pode dispor para fazer aqueles povos sair da miséria são
potencialmente maiores do que outrora, mas acabaram por se
aproveitar delas prevalecentemente os povos dos países desenvolvidos,
que conseguiram desfrutar melhor o processo de liberalização dos
movimentos de capitais e do trabalho. Por isso a difusão dos
ambientes de bem-estar a nível mundial não deve ser refreada por
projectos egoístas, proteccionistas ou ditados por interesses
particulares. De facto, hoje, o envolvimento dos países emergentes
ou em vias de desenvolvimento permite gerir melhor a crise. A
transição inerente ao processo de globalização apresenta grandes
dificuldades e perigos, que poderão ser superados apenas se se
souber tomar consciência daquela alma antropológica e ética que, do
mais fundo, impele a própria globalização para metas de humanização
solidária. Infelizmente esta alma é muitas vezes abafada e
condicionada por perspectivas ético-culturais de delineamento
individualista e utilitarista. A globalização é um fenómeno
pluridimensional e polivalente, que exige ser compreendido na
diversidade e unidade de todas as suas dimensões, incluindo a
teológica. Isto permitirá viver e orientar a globalização da
humanidade em termos de relacionamento, comunhão e partilha.
CAPÍTULO IV
DESENVOLVIMENTO DOS
POVOS,
DIREITOS E DEVERES, AMBIENTE
43. «
A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício,
mas também um dever »[105].
Hoje, muitas pessoas tendem a alimentar a pretensão de que não devem
nada a ninguém, a não ser a si mesmas. Considerando-se titulares só
de direitos, frequentemente deparam-se com fortes obstáculos para
maturar uma responsabilidade no âmbito do desenvolvimento integral
próprio e alheio. Por isso, é importante invocar uma nova reflexão
que faça ver como os direitos pressupõem deveres, sem os quais o
seu exercício se transforma em arbítrio[106].
Assiste-se hoje a uma grave contradição: enquanto, por um lado, se
reivindicam presuntos direitos, de carácter arbitrário e libertino,
querendo vê-los reconhecidos e promovidos pelas estruturas públicas,
por outro existem direitos elementares e fundamentais violados e
negados a boa parte da humanidade[107].
Aparece com frequência assinalada uma relação entre a reivindicação
do direito ao supérfluo, se não mesmo à transgressão e ao vício, nas
sociedades opulentas e a falta de alimento, água potável, instrução
básica, cuidados médicos elementares em certas regiões do mundo do
subdesenvolvimento e também nas periferias de grandes metrópoles. A
relação está no facto de que os direitos individuais, desvinculados
de um quadro de deveres que lhes confira um sentido completo,
enlouquecem e alimentam uma espiral de exigências praticamente
ilimitada e sem critérios. A exasperação dos direitos desemboca no
esquecimento dos deveres. Estes delimitam os direitos porque remetem
para o quadro antropológico e ético cuja verdade é o âmbito onde os
mesmos se inserem e, deste modo, não descambam no arbítrio. Por este
motivo, os deveres reforçam os direitos e propõem a sua defesa e
promoção como um compromisso a assumir ao serviço do bem. Se, pelo
contrário, os direitos do homem encontram o seu fundamento apenas
nas deliberações duma assembleia de cidadãos, podem ser alterados em
qualquer momento e, assim, o dever de os respeitar e promover atenua-se
na consciência comum. Então os governos e os organismos
internacionais podem esquecer a objectividade e « indisponibilidade
» dos direitos. Quando isto acontece, põe-se em perigo o verdadeiro
desenvolvimento dos povos[108].
Semelhantes posições comprometem a autoridade dos organismos
internacionais, sobretudo aos olhos dos países mais carecidos de
desenvolvimento. De facto, estes pedem que a comunidade
internacional assuma como um dever ajudá-los a serem « artífices do
seu destino »[109],
ou seja, a assumirem por sua vez deveres. A partilha dos deveres
recíprocos mobiliza muito mais do que a mera reivindicação de
direitos.
44. A
concepção dos direitos e dos deveres no desenvolvimento deve ter em
conta também as problemáticas ligadas com o crescimento
demográfico. Trata-se de um aspecto muito importante do
verdadeiro desenvolvimento, porque diz respeito aos valores
irrenunciáveis da vida e da família[110].
Considerar o aumento da população como a primeira causa do
subdesenvolvimento é errado, inclusive do ponto de vista económico:
basta pensar, por um lado, na considerável diminuição da mortalidade
infantil e no alongamento médio da vida que se regista nos países
economicamente desenvolvidos, e, por outro, nos sinais de crise que
se observam nas sociedades onde se regista uma preocupante queda da
natalidade. Obviamente é forçoso prestar a devida atenção a uma
procriação responsável, que constitui, para além do mais, uma real
contribuição para o desenvolvimento integral. A Igreja, que tem a
peito o verdadeiro desenvolvimento do homem, recomenda-lhe o
respeito dos valores humanos também no uso da sexualidade: o mesmo
não pode ser reduzido a um mero facto hedonista e lúdico, do mesmo
modo que a educação sexual não se pode limitar à instrução técnica,
tendo como única preocupação defender os interessados de eventuais
contágios ou do « risco » procriador. Isto equivaleria a empobrecer
e negligenciar o significado profundo da sexualidade, que deve, pelo
contrário, ser reconhecido e assumido responsavelmente tanto pela
pessoa como pela comunidade. Com efeito, a responsabilidade impede
que se considere a sexualidade como uma simples fonte de prazer ou
que seja regulada com políticas de planificação forçada dos
nascimentos. Em ambos os casos, estamos perante concepções e
políticas materialistas, no âmbito das quais as pessoas acabam por
sofrer várias formas de violência. A tudo isto há que contrapor a
competência primária das famílias neste campo[111],
relativamente ao Estado e às suas políticas restritivas, e também
uma apropriada educação dos pais.
A abertura
moralmente responsável à vida é uma riqueza social e económica.
Grandes nações puderam sair da miséria, justamente graças ao grande
número e às capacidades dos seus habitantes. Pelo contrário, nações
outrora prósperas atravessam agora uma fase de incerteza e, em
alguns casos, de declínio precisamente por causa da diminuição da
natalidade, problema crucial para as sociedades de proeminente bem-estar.
A diminuição dos nascimentos, situando-se por vezes abaixo do
chamado « índice de substituição », põe em crise também os sistemas
de assistência social, aumenta os seus custos, contrai a acumulação
de poupanças e, consequentemente, os recursos financeiros
necessários para os investimentos, reduz a disponibilização de
trabalhadores qualificados, restringe a reserva aonde ir buscar os «
cérebros » para as necessidades da nação. Além disso, as famílias de
pequena e, às vezes, pequeníssima dimensão correm o risco de
empobrecer as relações sociais e de não garantir formas eficazes de
solidariedade. São situações que apresentam sintomas de escassa
confiança no futuro e de cansaço moral. Deste modo, torna-se uma
necessidade social, e mesmo económica, continuar a propor às novas
gerações a beleza da família e do matrimónio, a correspondência de
tais instituições às exigências mais profundas do coração e da
dignidade da pessoa. Nesta perspectiva, os Estados são chamados a
instaurar políticas que promovam a centralidade e a integridade da
família, fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher,
célula primeira e vital da sociedade[112],
preocupando-se também com os seus problemas económicos e fiscais, no
respeito da sua natureza relacional.
45.
Dar resposta às exigências morais mais profundas da pessoa tem
também importantes e benéficas consequências no plano económico.
De facto, a economia tem necessidade da ética para o seu correcto
funcionamento; não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga
da pessoa. Hoje fala-se muito de ética em campo económico,
financeiro, empresarial. Nascem centros de estudo e percursos
formativos de negócios éticos; difunde-se no mundo desenvolvido o
sistema das certificações éticas, na esteira do movimento de ideias
nascido à volta da responsabilidade social da empresa. Os bancos
propõem contas e fundos de investimento chamados « éticos ».
Desenvolvem-se as « finanças éticas », sobretudo através do
microcrédito e, mais em geral, de microfinanciamentos. Tais
processos suscitam apreço e merecem amplo apoio. Os seus efeitos
positivos fazem-se sentir também nas áreas menos desenvolvidas da
terra. Todavia, é bom formar também um válido critério de
discernimento, porque se nota um certo abuso do adjectivo « ético »,
o qual, se usado vagamente, presta-se a designar conteúdos muito
diversos, chegando-se a fazer passar à sua sombra decisões e opções
contrárias à justiça e ao verdadeiro bem do homem.
Com efeito, muito
depende do sistema moral em que se baseia. Sobre este argumento, a
doutrina social da Igreja tem um contributo próprio e específico
para dar, que se funda na criação do homem « à imagem de Deus » (Gn
1, 27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa
humana e também o valor transcendente das normas morais naturais.
Uma ética económica que prescinda destes dois pilares arrisca-se
inevitavelmente a perder o seu cunho específico e a prestar-se a
instrumentalizações; mais concretamente, arrisca-se a aparecer em
função dos sistemas económico-financeiros existentes, em vez de
servir de correcção às disfunções dos mesmos. Além do mais, acabaria
até por justificar o financiamento de projectos que não são éticos.
Por outro lado, não se deve recorrer ao termo « ético » de modo
ideologicamente discriminatório, dando a perceber que não seriam
éticas as iniciativas não dotadas formalmente de tal qualificação.
Um dado é essencial: a necessidade de trabalhar não só para que
nasçam sectores ou segmentos « éticos » da economia ou das finanças,
mas também para que toda a economia e as finanças sejam éticas: e
não por uma rotulação exterior, mas pelo respeito de exigências
intrínsecas à sua própria natureza. A tal respeito, se pronuncia com
clareza a doutrina social da Igreja, que recorda como a economia, em
todas as suas extensões, seja um sector da actividade humana[113].
46.
Considerando as temáticas referentes à relação entre empresa e
ética e também a evolução que o sistema produtivo está a fazer,
parece que a distinção usada até agora entre empresas que têm por
finalidade o lucro (profit) e organizações que não buscam o
lucro (non profit) já não é capaz de dar cabalmente conta da
realidade, nem de orientar eficazmente o futuro. Nestas últimas
décadas, foi surgindo entre as duas tipologias de empresa uma ampla
área intermédia. Esta é constituída por empresas tradicionais mas
que subscrevem pactos de ajuda aos países atrasados, por fundações
que são expressão de empresas individuais, por grupos de empresas
que se propõem objectivos de utilidade social, pelo mundo
diversificado dos sujeitos da chamada economia civil e de comunhão.
Não se trata apenas de um « terceiro sector », mas de uma nova e
ampla realidade complexa, que envolve o privado e o público e que
não exclui o lucro mas considera-o como instrumento para realizar
finalidades humanas e sociais. O facto de tais empresas distribuírem
ou não os ganhos ou de assumirem uma ou outra das configurações
previstas pelas normas jurídicas torna-se secundário relativamente à
sua disponibilidade a conceber o lucro como um instrumento para
alcançar finalidades de humanização do mercado e da sociedade. É
desejável que estas novas formas de empresa também encontrem, em
todos os países, adequada configuração jurídica e fiscal. Sem nada
tirar à importância e utilidade económica e social das formas
tradicionais de empresa, fazem evoluir o sistema para uma assunção
mais clara e perfeita dos deveres por parte dos sujeitos económicos.
E não só... A própria pluralidade das formas institucionais de
empresa gera um mercado mais humano e simultaneamente mais
competitivo.
47. O
fortalecimento das diversas tipologias de empresa, mormente das que
são capazes de conceber o lucro como um instrumento para alcançar
finalidades de humanização do mercado e das sociedades, deve ser
procurado também nos países que sofrem exclusão ou marginalização
dos circuitos da economia global, onde é muito importante avançar
com projectos de subsidiariedade devidamente concebida e gerida que
tendam a potenciar os direitos, mas prevendo sempre também a
assunção das correlativas responsabilidades. Nas intervenções em
prol do desenvolvimento, há que salvaguardar o princípio da
centralidade da pessoa humana, que é o sujeito que primariamente
deve assumir o dever do desenvolvimento. A preocupação principal é a
melhoria das situações de vida das pessoas concretas duma certa
região, para que possam desempenhar aqueles deveres que actualmente
a indigência não lhes permite respeitar. A solicitude nunca pode ser
uma atitude abstracta. Para poderem adaptar-se às diversas situações,
os programas de desenvolvimento devem ser flexíveis; e as pessoas
beneficiárias deveriam estar envolvidas directamente na sua
delineação e tornar-se protagonistas da sua actuação. É necessário
também aplicar os critérios da progressão e do acompanhamento —
incluindo a monitorização dos resultados — porque não há receitas
válidas universalmente; depende muito da gestão concreta das
intervenções. « São os povos os autores e primeiros responsáveis do
próprio desenvolvimento. Mas não o poderão realizar isolados »[114].
Esta advertência de Paulo VI é ainda mais válida hoje, com o
processo de progressiva integração que se vai consolidando na terra.
As dinâmicas de inclusão não têm nada de mecânico. As soluções hão-de
ser calibradas olhando a vida dos povos e das pessoas concretas com
base numa ponderada avaliação de cada situação. Ao lado dos
macroprojectos servem os microprojectos, e sobretudo serve a
mobilização real de todos os sujeitos da sociedade civil, das
pessoas tanto jurídicas como físicas.
A cooperação
internacional precisa de pessoas que partilhem o processo de
desenvolvimento económico e humano, através da solidariedade feita
de presença, acompanhamento, formação e respeito. Sob este ponto de
vista, os próprios organismos internacionais deveriam interrogar-se
sobre a real eficácia das suas estruturas burocráticas e
administrativas, frequentemente muito dispendiosas. Às vezes sucede
que o destinatário das ajudas seja utilizado em função de quem o
ajuda e que os pobres sirvam para manter de pé dispendiosas
organizações burocráticas que reservam para a sua própria
conservação percentagens demasiado elevadas dos recursos que, ao
invés, deveriam ser aplicados no desenvolvimento. Nesta perspectiva,
seria desejável que todos os organismos internacionais e as
organizações não governamentais se comprometessem a uma plena
transparência, informando os doadores e a opinião pública acerca da
percentagem de fundos recebidos destinada aos programas de
cooperação, acerca do verdadeiro conteúdo de tais programas e, por
último, acerca da configuração das despesas da própria instituição.
48. O
tema do desenvolvimento aparece, hoje, estreitamente associado
também com os deveres que nascem do relacionamento do homem com o
ambiente natural. Este foi dado por Deus a todos, constituindo o
seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as
gerações futuras e a humanidade inteira. Quando a natureza, a
começar pelo ser humano, é considerada como fruto do acaso ou do
determinismo evolutivo, a noção da referida responsabilidade
debilita-se nas consciências. Na natureza, o crente reconhece o
resultado maravilhoso da intervenção criadora de Deus, de que o
homem se pode responsavelmente servir para satisfazer as suas
legítimas exigências — materiais e imateriais — no respeito dos
equilíbrios intrínsecos da própria criação. Se falta esta
perspectiva, o homem acaba por considerar a natureza um tabu
intocável ou, ao contrário, por abusar dela. Nem uma nem outra
destas atitudes corresponde à visão cristã da natureza, fruto da
criação de Deus.
A natureza é
expressão de um desígnio de amor e de verdade. Precede-nos,
tendo-nos sido dada por Deus como ambiente de vida. Fala-nos do
Criador (cf. Rm 1, 20) e do seu amor pela humanidade. Está
destinada, no fim dos tempos, a ser « instaurada » em Cristo (cf.
Ef 1, 9-10; Col 1, 19-20). Por conseguinte, também ela é
uma « vocação »[115].
A natureza está à nossa disposição, não como « um monte de lixo
espalhado ao acaso »[116],
mas como um dom do Criador que traçou os seus ordenamentos
intrínsecos dos quais o homem há-de tirar as devidas orientações
para a « guardar e cultivar » (Gn 2, 15). Mas é preciso
sublinhar também que é contrário ao verdadeiro desenvolvimento
considerar a natureza mais importante do que a própria pessoa humana.
Esta posição induz a comportamentos neopagãos ou a um novo panteísmo:
só da natureza, entendida em sentido puramente naturalista, não pode
derivar a salvação para o homem. Por outro lado, há que rejeitar
também a posição oposta, que visa a sua completa tecnicização,
porque o ambiente natural não é apenas matéria de que dispor a nosso
bel-prazer, mas obra admirável do Criador, contendo nela uma «
gramática » que indica finalidades e critérios para uma utilização
sapiente, não instrumental nem arbitrária. Advêm, hoje, muitos danos
ao desenvolvimento precisamente destas concepções deformadas.
Reduzir completamente a natureza a um conjunto de simples dados
reais acaba por ser fonte de violência contra o ambiente e até por
motivar acções desrespeitadoras da própria natureza do homem. Esta,
constituída não só de matéria mas também de espírito e, como tal,
rica de significados e de fins transcendentes a alcançar, tem um
carácter normativo também para a cultura. O homem interpreta e
modela o ambiente natural através da cultura, a qual, por sua vez, é
orientada por meio da liberdade responsável, atenta aos ditames da
lei moral. Por isso, os projectos para um desenvolvimento humano
integral não podem ignorar os vindouros, mas devem ser animados
pela solidariedade e a justiça entre as gerações, tendo
em conta os diversos âmbitos: ecológico, jurídico, económico,
político, cultural[117].
49.
Hoje, as questões relacionadas com o cuidado e a preservação do
ambiente devem ter na devida consideração as problemáticas
energéticas. De facto, o açambarcamento dos recursos energéticos
não renováveis por parte de alguns Estados, grupos de poder e
empresas constitui um grave impedimento para o desenvolvimento dos
países pobres. Estes não têm os meios económicos para chegar às
fontes energéticas não renováveis que existem, nem para financiar a
pesquisa de fontes novas e alternativas. A monopolização dos
recursos naturais, que em muitos casos se encontram precisamente nos
países pobres, gera exploração e frequentes conflitos entre as
nações e dentro das mesmas. E muitas vezes estes conflitos são
travados precisamente no território de tais países, com um pesado
balanço em termos de mortes, destruições e maior degradação. A
comunidade internacional tem o imperioso dever de encontrar as vias
institucionais para regular a exploração dos recursos não
renováveis, com a participação também dos países pobres, de modo a
planificar em conjunto o futuro.
Também sobre este
aspecto, há urgente necessidade moral de uma renovada
solidariedade, especialmente nas relações entre os países em
vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados[118].
As sociedades tecnicamente avançadas podem e devem diminuir o
consumo energético seja porque as actividades manufactureiras
evoluem, seja porque entre os seus cidadãos reina maior
sensibilidade ecológica. Além disso há que acrescentar que,
actualmente, é possível melhorar a eficiência energética e fazer
avançar a pesquisa de energias alternativas; mas é necessária também
uma redistribuição mundial dos recursos energéticos, de modo que os
próprios países desprovidos possam ter acesso aos mesmos. O seu
destino não pode ser deixado nas mãos do primeiro a chegar nem estar
sujeito à lógica do mais forte. Trata-se de problemas relevantes
que, para ser enfrentados de modo adequado, requerem da parte de
todos uma responsável tomada de consciência das consequências que
recairão sobre as novas gerações, principalmente sobre a imensidade
de jovens presentes nos povos pobres, que « reclamam a sua parte
activa na construção de um mundo melhor »[119].
50.
Esta responsabilidade é global, porque não diz respeito somente à
energia, mas a toda a criação, que não devemos deixar às novas
gerações depauperada dos seus recursos. É lícito ao homem exercer um
governo responsável sobre a natureza para a guardar, fazer
frutificar e cultivar inclusive com formas novas e tecnologias
avançadas, para que possa acolher e alimentar condignamente a
população que a habita. Há espaço para todos nesta nossa terra: aqui
a família humana inteira deve encontrar os recursos necessários para
viver decorosamente, com a ajuda da própria natureza, dom de Deus
aos seus filhos, e com o empenho do seu próprio trabalho e inventiva.
Devemos, porém, sentir como gravíssimo o dever de entregar a terra
às novas gerações num estado tal que também elas possam dignamente
habitá-la e continuar a cultivá-la. Isto implica « o empenho de
decidir juntos depois de ter ponderado responsavelmente qual a
estrada a percorrer, com o objectivo de reforçar aquela aliança
entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador
de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho »[120].
É desejável que a comunidade internacional e os diversos governos
saibam contrastar, de maneira eficaz, as modalidades de utilização
do ambiente que sejam danosas para o mesmo. É igualmente forçoso que
se empreendam, por parte das autoridades competentes, todos os
esforços necessários para que os custos económicos e sociais
derivados do uso dos recursos ambientais comuns sejam reconhecidos
de maneira transparente e plenamente suportados por quem deles
usufrui e não por outras populações nem pelas gerações futuras: a
protecção do ambiente, dos recursos e do clima requer que todos os
responsáveis internacionais actuem conjuntamente e se demonstrem
prontos a agir de boa fé, no respeito da lei e da solidariedade para
com as regiões mais débeis da terra[121].
Uma das maiores tarefas da economia é precisamente um uso mais
eficiente dos recursos, não o abuso, tendo sempre presente que a
noção de eficiência não é axiologicamente neutra.
51.
As modalidades com que o homem trata o ambiente influem sobre as
modalidades com que se trata a si mesmo, e vice-versa. Isto
chama a sociedade actual a uma séria revisão do seu estilo de vida
que, em muitas partes do mundo, pende para o hedonismo e o
consumismo, sem olhar aos danos que daí derivam[122].
É necessária uma real mudança de mentalidade que nos induza a
adoptar novos estilos de vida, « nos quais a busca do
verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens para
um crescimento comum sejam os elementos que determinam as opções dos
consumos, das poupanças e dos investimentos »[123].
Toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos
ambientais, assim como a degradação ambiental por sua vez gera
insatisfação nas relações sociais. A natureza, especialmente no
nosso tempo, está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais
que quase já não constitui uma variável independente. A
desertificação e a penúria produtiva de algumas áreas agrícolas são
fruto também do empobrecimento das populações que as habitam e do
seu atraso. Incentivando o desenvolvimento económico e cultural
daquelas populações, tutela-se também a natureza. Além disso,
quantos recursos naturais são devastados pela guerra! A paz dos
povos e entre os povos permitiria também uma maior preservação da
natureza. O açambarcamento dos recursos, especialmente da água, pode
provocar graves conflitos entre as populações envolvidas. Um acordo
pacífico sobre o uso dos recursos pode salvaguardar a natureza e,
simultaneamente, o bem-estar das sociedades interessadas.
A Igreja sente o seu
peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta
responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas de
defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a
todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si
mesmo. Requer-se uma espécie de ecologia do homem, entendida no
justo sentido. De facto, a degradação da natureza está estreitamente
ligada à cultura que molda a convivência humana: quando a «
ecologia humana »
[124] é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a
ecologia ambiental. Tal como as virtudes humanas são
intercomunicantes, de modo que o enfraquecimento de uma põe em risco
também as outras, assim também o sistema ecológico se rege sobre o
respeito de um projecto que se refere tanto à sã convivência em
sociedade como ao bom relacionamento com a natureza.
Para preservar a
natureza não basta intervir com incentivos ou penalizações
económicas, nem é suficiente uma instrução adequada. Trata-se de
instrumentos importantes, mas o problema decisivo é a solidez
moral da sociedade em geral. Se não é respeitado o direito à
vida e à morte natural, se se tornam artificiais a concepção, a
gestação e o nascimento do homem, se são sacrificados embriões
humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder o conceito
de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental. É uma
contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural,
quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas.
O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do
ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do
matrimónio, da família, das relações sociais, numa palavra, do
desenvolvimento humano integral. Os deveres que temos para com o
ambiente estão ligados com os deveres que temos para com a pessoa
considerada em si mesma e em relação com os outros; não se podem
exigir uns e espezinhar os outros. Esta é uma grave antinomia da
mentalidade e do costume actual, que avilta a pessoa, transtorna o
ambiente e prejudica a sociedade.
52. A
verdade e o amor que a mesma desvenda não se podem produzir, mas
apenas acolher. A sua fonte última não é — nem pode ser — o homem,
mas Deus, ou seja, Aquele que é Verdade e Amor. Este princípio é
muito importante para a sociedade e para o desenvolvimento, enquanto
nem uma nem outro podem ser somente produtos humanos; a própria
vocação ao desenvolvimento das pessoas e dos povos não se funda
sobre a simples deliberação humana, mas está inscrita num plano que
nos precede e constitui para todos nós um dever que há-de ser
livremente assumido. Aquilo que nos precede e constitui — o Amor e a
Verdade subsistentes — indica-nos o que é o bem e em que consiste a
nossa felicidade. E, por conseguinte, aponta-nos o caminho para o
verdadeiro desenvolvimento.
CAPÍTULO V
A COLABORAÇÃO
DA FAMÍLIA HUMANA
53.
Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a
solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a
material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da
dificuldade de amar. As pobrezas frequentemente nascem da recusa do
amor de Deus, de uma originária e trágica reclusão do homem em si
próprio, que pensa que se basta a si mesmo ou então que é só um
facto insignificante e passageiro, um « estrangeiro » num universo
formado por acaso. O homem aliena-se quando fica sozinho ou se
afasta da realidade, quando renuncia a pensar e a crer num
Fundamento[125]. A
humanidade inteira aliena-se quando se entrega a projectos
unicamente humanos, a ideologias e a falsas utopias[126].
A humanidade aparece, hoje, muito mais interactiva do que no passado:
esta maior proximidade deve transformar-se em verdadeira comunhão.
O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do reconhecimento que
são uma só família, a qual colabora em verdadeira comunhão e é
formada por sujeitos que não se limitam a viver uns ao lado dos
outros[127].
Observava Paulo VI que
« o mundo sofre por falta de convicções »[128].
A afirmação quer exprimir não apenas uma constatação, mas sobretudo
um voto: serve um novo ímpeto do pensamento para compreender melhor
as implicações do facto de sermos uma família; a interacção entre os
povos da terra chama-nos a este ímpeto, para que a integração se
verifique sob o signo da solidariedade[129],
e não da marginalização. Tal pensamento obriga a um
aprofundamento crítico e axiológico da categoria da relação.
Trata-se de uma tarefa que não pode ser desempenhada só pelas
ciências sociais, mas requer a contribuição de ciências como a
metafísica e a teologia para ver lucidamente a dignidade
transcendente do homem.
De natureza espiritual,
a criatura humana realiza-se nas relações interpessoais: quanto mais
as vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a própria
identidade pessoal. Não é isolando-se que o homem se valoriza a si
mesmo, mas relacionando-se com os outros e com Deus, pelo que estas
relações são de importância fundamental. Isto vale também para os
povos; por isso é muito útil para o seu desenvolvimento uma visão
metafísica da relação entre as pessoas. A tal respeito, a razão
encontra inspiração e orientação na revelação cristã, segundo a qual
a comunidade dos homens não absorve em si a pessoa aniquilando a sua
autonomia, como acontece nas várias formas de totalitarismo, mas
valoriza-a ainda mais porque a relação entre pessoa e comunidade é
feita de um todo para outro todo[130].
Do mesmo modo que a comunidade familiar não anula em si as pessoas
que a compõem e a própria Igreja valoriza plenamente a « nova
criatura » (Gal 6, 15; 2 Cor 5, 17) que pelo baptismo
se insere no seu Corpo vivo, assim também a unidade da família
humana não anula em si as pessoas, os povos e as culturas, mas torna-os
mais transparentes reciprocamente, mais unidos nas suas legítimas
diversidades.
54. O
tema do desenvolvimento coincide com o da inclusão relacional de
todas as pessoas e de todos os povos na única comunidade da família
humana, que se constrói na solidariedade tendo por base os valores
fundamentais da justiça e da paz. Esta perspectiva encontra um
decisivo esclarecimento na relação entre as Pessoas da Trindade na
única Substância divina. A Trindade é absoluta unidade, enquanto as
três Pessoas divinas são pura relação. A transparência recíproca
entre as Pessoas divinas é plena, e a ligação de uma com a outra
total, porque constituem uma unidade e unicidade absoluta. Deus quer-nos
associar também a esta realidade de comunhão: « para que sejam um
como Nós somos um » (Jo 17, 22). A Igreja é sinal e
instrumento desta unidade[131].
As próprias relações entre os homens, ao longo da história, só podem
ganhar com a referência a este Modelo divino. De modo particular
compreende-se, à luz do mistério revelado da Trindade, que a
verdadeira abertura não significa dispersão centrífuga, mas profunda
compenetração. O mesmo resulta das experiências humanas comuns do
amor e da verdade. Como o amor sacramental entre os esposos os une
espiritualmente a ponto de formarem « uma só carne » (Gn 2,
24; Mt 19, 5; Ef 5, 31) e, de dois que eram, faz uma
unidade relacional e real, de forma análoga a verdade une os
espíritos entre si e fá-los pensar em uníssono, atraindo-os e unindo-os
nela.
55. A
revelação cristã sobre a unidade do género humano pressupõe uma
interpretação metafísica do humanum na qual a relação seja
elemento essencial. Também outras culturas e outras religiões
ensinam a fraternidade e a paz, revestindo-se, por isso, de grande
importância para o desenvolvimento humano integral; mas não faltam
comportamentos religiosos e culturais em que não se assume
plenamente o princípio do amor e da verdade, e acaba-se assim por
refrear o verdadeiro desenvolvimento humano ou mesmo impedi-lo. O
mundo actual regista a presença de algumas culturas de matiz
religioso que não empenham o homem na comunhão, mas isolam-no na
busca do bem-estar individual, limitando-se a satisfazer os seus
anseios psicológicos. Também uma certa proliferação de percursos
religiosos de pequenos grupos ou mesmo de pessoas individuais e o
sincretismo religioso podem ser factores de dispersão e de apatia.
Um possível efeito negativo do processo de globalização é a
tendência a favorecer tal sincretismo[132],
alimentando formas de « religião » que, em vez de fazer as pessoas
encontrarem-se, alheiam-nas umas das outras e afastam-nas da
realidade. Simultaneamente às vezes perduram legados culturais e
religiosos que bloqueiam a sociedade em castas sociais estáticas, em
crenças mágicas não respeitadoras da dignidade da pessoa, em
comportamentos de sujeição a forças ocultas. Nestes contextos, o
amor e a verdade encontram dificuldade em afirmar-se, com prejuízo
para o autêntico desenvolvimento.
Por este motivo, se é
verdade, por um lado, que o desenvolvimento tem necessidade das
religiões e das culturas dos diversos povos, por outro, não o é
menos a necessidade de um adequado discernimento. A liberdade
religiosa não significa indiferentismo religioso, nem implica que
todas as religiões sejam iguais[133].
Para a construção da comunidade social no respeito do bem comum,
torna-se necessário, sobretudo para quem exerce o poder político, o
discernimento sobre o contributo das culturas e das religiões. Tal
discernimento deverá basear-se sobre o critério da caridade e da
verdade. Dado que está em jogo o desenvolvimento das pessoas e dos
povos, aquele há-de ter em conta a possibilidade de emancipação e de
inclusão na perspectiva de uma comunidade humana verdadeiramente
universal. O critério « o homem todo e todos os homens » serve para
avaliar também as culturas e as religiões. O cristianismo, religião
do « Deus de rosto humano »[134],
traz em si mesmo tal critério.
56. A
religião cristã e as outras religiões só podem dar o seu contributo
para o desenvolvimento, se Deus encontrar lugar também na esfera
pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social, económica
e particularmente política. A doutrina social da Igreja nasceu para
reivindicar este « estatuto de cidadania »[135]
da religião cristã. A negação do direito de professar publicamente a
própria religião e de fazer com que as verdades da fé moldem a vida
pública, acarreta consequências negativas para o verdadeiro
desenvolvimento. A exclusão da religião do âmbito público e, na
vertente oposta, o fundamentalismo religioso impedem o encontro
entre as pessoas e a sua colaboração para o progresso da humanidade.
A vida pública torna-se pobre de motivações, e a política assume um
rosto oprimente e agressivo. Os direitos humanos correm o risco de
não ser respeitados, porque ficam privados do seu fundamento
transcendente ou porque não é reconhecida a liberdade pessoal. No
laicismo e no fundamentalismo, perde-se a possibilidade de um
diálogo fecundo e de uma profícua colaboração entre a razão e a fé
religiosa. A razão tem sempre necessidade de ser purificada pela
fé; e isto vale também para a razão política, que não se deve
crer omnipotente. A religião, por sua vez, precisa sempre
de ser purificada pela razão, para mostrar o seu autêntico rosto
humano. A ruptura deste diálogo implica um custo muito gravoso para
o desenvolvimento da humanidade.
57. O
diálogo fecundo entre fé e razão não pode deixar de tornar mais
eficaz a acção da caridade na sociedade, e constitui o quadro mais
apropriado para incentivar a colaboração fraterna entre crentes e
não-crentes na perspectiva comum de trabalhar pela justiça e a
paz da humanidade. Na constituição pastoral
Gaudium et spes, os Padres conciliares afirmavam: « Tudo
quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem,
como seu centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase
geral entre crentes e não-crentes »[136].
Segundo os crentes, o mundo não é fruto do acaso nem da necessidade,
mas de um projecto de Deus. Daqui nasce o dever que os crentes têm
de unir os seus esforços com todos os homens e mulheres de boa
vontade de outras religiões ou não-crentes, para que este nosso
mundo corresponda efectivamente ao projecto divino: viver como uma
família, sob o olhar do seu Criador. Particular manifestação da
caridade e critério orientador para a colaboração fraterna de
crentes e não-crentes é, sem dúvida, o princípio de
subsidiariedade[137],
expressão da inalienável liberdade humana. A subsidiariedade é,
antes de mais nada, uma ajuda à pessoa, na autonomia dos corpos
intermédios. Tal ajuda é oferecida quando a pessoa e os sujeitos
sociais não conseguem operar por si sós, e implica sempre
finalidades emancipativas, porque favorece a liberdade e a
participação enquanto assunção de responsabilidades. A
subsidiariedade respeita a dignidade da pessoa, na qual vê um
sujeito sempre capaz de dar algo aos outros. Ao reconhecer na
reciprocidade a constituição íntima do ser humano, a subsidiariedade
é o antídoto mais eficaz contra toda a forma de assistencialismo
paternalista. Pode motivar tanto a múltipla articulação dos vários
níveis e consequentemente a pluralidade dos sujeitos, como a sua
coordenação. Trata-se, pois, de um princípio particularmente idóneo
para governar a globalização e orientá-la para um verdadeiro
desenvolvimento humano. Para não se gerar um perigoso poder
universal de tipo monocrático, o governo da globalização deve ser
de tipo subsidiário, articulado segundo vários e diferenciados
níveis que colaborem reciprocamente. A globalização tem necessidade,
sem dúvida, de autoridade, enquanto põe o problema de um bem comum
global a alcançar; mas tal autoridade deverá ser organizada de modo
subsidiário e poliárquico[138],
seja para não lesar a liberdade, seja para resultar concretamente
eficaz.
58.
O princípio de subsidiariedade há-de ser mantido estritamente ligado
com o princípio de solidariedade e vice-versa, porque, se a
subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo social,
a solidariedade sem a subsidiariedade decai no assistencialismo que
humilha o sujeito necessitado. Esta regra de carácter geral deve ser
tida em grande consideração também quando se enfrentam as temáticas
referentes às ajudas internacionais destinadas ao desenvolvimento.
Estas, independentemente das intenções dos doadores, podem por vezes
manter um povo num estado de dependência e até favorecer situações
de sujeição local e de exploração dentro do país ajudado. Para serem
verdadeiramente tais, as ajudas económicas não devem visar segundos
fins. Hão-de ser concedidas envolvendo não só os governos dos países
interessados, mas também os agentes económicos locais e os sujeitos
da sociedade civil portadores de cultura, incluindo as Igrejas
locais. Os programas de ajuda devem assumir sempre mais as
características de programas integrados e participados a partir de
baixo. A verdade é que o maior recurso a valorizar nos países que
são assistidos no desenvolvimento é o recurso humano: este é o
autêntico capital que se há-de fazer crescer para assegurar aos
países mais pobres um verdadeiro futuro autónomo. Há que recordar
também que, no campo económico, a principal ajuda de que têm
necessidade os países em vias de desenvolvimento é a de permitir e
favorecer a progressiva inserção dos seus produtos nos mercados
internacionais, tornando possível assim a sua plena participação na
vida económica internacional. Muitas vezes, no passado, as ajudas
serviram apenas para criar mercados marginais para os produtos
destes países. Isto, frequentemente, fica a dever-se à falta de uma
verdadeira procura destes produtos; por isso, é necessário ajudar
tais países a melhorar os seus produtos e a adaptá-los melhor à
procura. Além disso, alguns temem a concorrência das importações de
produtos, normalmente agrícolas, provenientes dos países
economicamente pobres; contudo devem-se recordar que, para estes
países, a possibilidade de comercializar tais produtos significa
muitas vezes garantir a sua sobrevivência a breve e longo prazo. Um
comércio internacional justo e equilibrado no campo agrícola pode
trazer benefícios a todos, quer do lado da oferta quer do lado da
procura. Por este motivo, é preciso não só orientar comercialmente
estas produções, mas também estabelecer regras comerciais
internacionais que as apoiem e reforçar o financiamento ao
desenvolvimento para tornar mais produtivas estas economias.
59.
A cooperação no desenvolvimento não deve limitar-se apenas à
dimensão económica, mas há-de tornar-se uma grande ocasião de
encontro cultural e humano. Se os sujeitos da cooperação dos
países economicamente desenvolvidos não têm em conta — como às vezes
sucede — a identidade cultural, própria e alheia, feita de valores
humanos, não podem instaurar algum diálogo profundo com os cidadãos
dos países pobres. Se estes, por sua vez, se abrem indiferentemente
e sem discernimento a qualquer proposta cultural, ficam sem
condições para assumir a responsabilidade do seu autêntico
desenvolvimento[139].
As sociedades tecnologicamente avançadas não devem confundir o
próprio desenvolvimento tecnológico com uma suposta superioridade
cultural, mas hão-de descobrir em si próprias virtudes, por vezes
esquecidas, que as fizeram florescer ao longo da história. As
sociedades em crescimento devem permanecer fiéis a tudo o que há de
verdadeiramente humano nas suas tradições, evitando de lhes sobrepor
automaticamente os mecanismos da civilização tecnológica globalizada.
Existem, em todas as culturas, singulares e variadas convergências
éticas, expressão de uma mesma natureza humana querida pelo Criador
e que a sabedoria ética da humanidade chama lei natural[140].
Esta lei moral universal é um fundamento firme de todo o diálogo
cultural, religioso e político e permite que o multiforme pluralismo
das várias culturas não se desvie da busca comum da verdade, do bem
e de Deus. Por isso, a adesão a esta lei escrita nos corações é o
pressuposto de qualquer colaboração social construtiva. Em todas as
culturas existem pesos de que libertar-se, sombras a que subtrair-se.
A fé cristã, que se encarna nas culturas transcendendo-as, pode
ajudá-las a crescer na fraternização e solidariedade universais com
benefício para o desenvolvimento comunitário e mundial.
60.
Quando se procurarem soluções para a crise económica actual, a
ajuda ao desenvolvimento dos países pobres deve ser considerada como
verdadeiro instrumento de criação de riqueza para todos. Que
projecto de ajuda pode abrir perspectivas tão significativas de mais
valia — mesmo da economia mundial — como o apoio a populações que se
encontram ainda numa fase inicial ou pouco avançada do seu processo
de desenvolvimento económico? Nesta linha, os Estados economicamente
mais desenvolvidos hão-de fazer o possível por destinar quotas
maiores do seu produto interno bruto para as ajudas ao
desenvolvimento, respeitando os compromissos que, sobre este ponto,
foram tomados a nível de comunidade internacional. Poderão fazê-lo
inclusivamente revendo as políticas internas de assistência e de
solidariedade social, aplicando-lhes o princípio de subsidiariedade
e criando sistemas mais integrativos de previdência social, com a
participação activa dos sujeitos privados e da sociedade civil.
Deste modo, pode-se até melhorar os serviços sociais e de
assistência e simultaneamente poupar recursos, eliminando
desperdícios e subvenções abusivas, para destinar à solidariedade
internacional. Um sistema de solidariedade social melhor
comparticipado e organizado, menos burocrático sem ficar menos
coordenado, permitiria valorizar muitas energias, hoje adormecidas,
em benefício também da solidariedade entre os povos.
Uma possibilidade de
ajuda para o desenvolvimento poderia derivar da aplicação eficaz da
chamada subsidiariedade fiscal, que permitiria aos cidadãos
decidirem a destinação de quotas dos seus impostos pagos ao Estado.
Evitando degenerações particularistas, isso pode servir de incentivo
para formas de solidariedade social a partir de baixo, com óbvios
benefícios também na vertente da solidariedade para o
desenvolvimento.
61.
Uma solidariedade mais ampla a nível internacional exprime-se, antes
de mais nada, continuando a promover, mesmo em condições de crise
económica, maior acesso à educação, já que esta é condição
essencial para a eficácia da própria cooperação internacional. Com o
termo « educação », não se pretende referir apenas à instrução
escolar ou à formação para o trabalho — ambas, causas importantes de
desenvolvimento — mas à formação completa da pessoa. A este
propósito, deve-se sublinhar um aspecto do problema: para educar, é
preciso saber quem é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. A
progressiva difusão de uma visão relativista desta coloca sérios
problemas à educação, sobretudo à educação moral, prejudicando a sua
extensão a nível universal. Cedendo a tal relativismo, ficam todos
mais pobres, com consequências negativas também sobre a eficácia da
ajuda às populações mais carecidas, que não têm necessidade apenas
de meios económicos ou técnicos, mas também de métodos e meios
pedagógicos que ajudem as pessoas a chegar à sua plena realização
humana.
Um exemplo da
relevância deste problema temo-lo no fenómeno do turismo
internacional[141],
que pode constituir notável factor de desenvolvimento económico e de
crescimento cultural, mas pode também transformar-se em ocasião de
exploração e degradação moral. A situação actual oferece singulares
oportunidades para que os aspectos económicos do desenvolvimento, ou
seja, os fluxos de dinheiro e o nascimento em sede local de
significativas experiências empresariais, cheguem a combinar-se com
os aspectos culturais, sendo o educativo o primeiro deles. Há casos
onde isso ocorre, mas em muitos outros o turismo internacional é
fenómeno deseducativo tanto para o turista como para as populações
locais. Com frequência, estas são confrontadas com comportamentos
imorais ou mesmo perversos, como no caso do chamado turismo sexual,
em que são sacrificados muitos seres humanos, mesmo de tenra idade.
É doloroso constatar que isto acontece frequentemente com o aval dos
governos locais, com o silêncio dos governos donde provêm os
turistas e com a cumplicidade de muitos agentes do sector. Mesmo
quando não se chega tão longe, o turismo internacional não raramente
é vivido de modo consumista e hedonista, como evasão e com
modalidades de organização típicas dos países de proveniência, e
assim não se favorece um verdadeiro encontro entre pessoas e
culturas. Por isso, é preciso pensar num turismo diverso, capaz de
promover verdadeiro conhecimento recíproco, sem tirar espaço ao
repouso e ao são divertimento: um turismo deste género há-de ser
incrementado, graças também a uma ligação mais estreita com as
experiências de cooperação internacional e de empresariado para o
desenvolvimento.
62.
Outro aspecto merecedor de atenção, ao tratar do desenvolvimento
humano integral, é o fenómeno das migrações. É um fenómeno
impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas
problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas
que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca à comunidade
nacional e internacional. Pode-se dizer que estamos perante um
fenómeno social de natureza epocal, que requer uma forte e
clarividente política de cooperação internacional para ser
convenientemente enfrentado. Esta política há-de ser desenvolvida a
partir de uma estreita colaboração entre os países donde partem os
emigrantes e os países de chegada; há-de ser acompanhada por
adequadas normativas internacionais capazes de harmonizar os
diversos sistemas legislativos, na perspectiva de salvaguardar as
exigências e os direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao
mesmo tempo, os das sociedades de chegada dos próprios emigrantes.
Nenhum país se pode considerar capaz de enfrentar, sozinho, os
problemas migratórios do nosso tempo. Todos somos testemunhas da
carga de sofrimentos, contrariedades e aspirações que acompanha os
fluxos migratórios. Como é sabido, o fenómeno é de gestão complicada;
todavia é certo que os trabalhadores estrangeiros, não obstante as
dificuldades relacionadas com a sua integração, prestam com o seu
trabalho um contributo significativo para o desenvolvimento
económico do país de acolhimento e também do país de origem com as
remessas monetárias. Obviamente, tais trabalhadores não podem ser
considerados como simples mercadoria ou mera força de trabalho; por
isso, não devem ser tratados como qualquer outro factor de produção.
Todo o imigrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui
direitos fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por
todos em qualquer situação[142].
63. Ao
considerar os problemas do desenvolvimento, não se pode deixar de
pôr em evidência o nexo directo entre pobreza e desemprego.
Em muitos casos, os pobres são o resultado da violação da
dignidade do trabalho humano, seja porque as suas possibilidades
são limitadas (desemprego, subemprego), seja porque são
desvalorizados « os direitos que dele brotam, especialmente o
direito ao justo salário, à segurança da pessoa do trabalhador e da
sua família »[143].
Por isso, já no dia 1 de Maio de 2000, o meu predecessor João Paulo
II, de venerada memória, lançou um apelo, por ocasião do Jubileu dos
Trabalhadores, para « uma coligação mundial em favor do trabalho
decente »[144],
encorajando a estratégia da Organização Internacional do Trabalho.
Conferia, assim, uma forte valência moral a este objectivo, enquanto
aspiração das famílias em todos os países do mundo. Qual é o
significado da palavra « decente » aplicada ao trabalho? Significa
um trabalho que, em cada sociedade, seja a expressão da dignidade
essencial de todo o homem e mulher: um trabalho escolhido
livremente, que associe eficazmente os trabalhadores, homens e
mulheres, ao desenvolvimento da sua comunidade; um trabalho que,
deste modo, permita aos trabalhadores serem respeitados sem qualquer
discriminação; um trabalho que consinta satisfazer as necessidades
das famílias e dar a escolaridade aos filhos, sem que estes sejam
constrangidos a trabalhar; um trabalho que permita aos trabalhadores
organizarem-se livremente e fazerem ouvir a sua voz; um trabalho que
deixe espaço suficiente para reencontrar as próprias raízes a nível
pessoal familiar e espiritual; um trabalho que assegure aos
trabalhadores aposentados uma condição decorosa.
64. Ao
reflectir sobre este tema do trabalho, é oportuna uma chamada de
atenção também para a urgente necessidade de as organizações
sindicais dos trabalhadores – desde sempre encorajadas e
apoiadas pela Igreja — se abrirem às novas perspectivas que surgem
no âmbito laboral. Superando as limitações próprias dos sindicatos
de categoria, as organizações sindicais são chamadas a
responsabilizar-se pelos novos problemas das nossas sociedades:
refiro-me, por exemplo, ao conjunto de questões que os peritos de
ciências sociais identificam no conflito entre pessoa trabalhadora e
pessoa consumidora. Sem ter necessariamente de abraçar a tese duma
efectiva passagem da centralidade do trabalhador para a do
consumidor, parece em todo o caso que também este é um terreno para
experiências sindicais inovadoras. O contexto global em que se
realiza o trabalho requer igualmente que as organizações sindicais
nacionais, fechadas prevalecentemente na defesa dos interesses dos
próprios inscritos, volvam o olhar também para os não-inscritos,
particularmente para os trabalhadores dos países em vias de
desenvolvimento, onde frequentemente os direitos sociais são
violados. A defesa destes trabalhadores, promovida com oportunas
iniciativas também nos países de origem, permitirá às organizações
sindicais porem em evidência as autênticas razões éticas e culturais
que lhes consentiram, em contextos sociais e laborais diferentes,
ser um factor decisivo para o desenvolvimento. Continua sempre
válido o ensinamento da Igreja que propõe a distinção de papéis e
funções entre sindicato e política. Esta distinção possibilitará às
organizações sindicais individualizarem na sociedade civil o âmbito
mais ajustado para a sua acção necessária de defesa e promoção do
mundo do trabalho, sobretudo a favor dos trabalhadores explorados e
não representados, cuja amarga condição resulta frequentemente
ignorada pelo olhar distraído da sociedade.
65. Em
seguida, é preciso que as finanças enquanto tais — com
estruturas e modalidades de funcionamento necessariamente renovadas
depois da sua má utilização que prejudicou a economia real — voltem
a ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção de
riqueza e o desenvolvimento. Enquanto instrumentos, a economia e
as finanças em toda a respectiva extensão, e não apenas em alguns
dos seus sectores, devem ser utilizadas de modo ético a fim de criar
as condições adequadas para o desenvolvimento do homem e dos povos.
É certamente útil, se não mesmo indispensável em certas
circunstâncias, dar vida a iniciativas financeiras nas quais
predomine a dimensão humanitária. Isto, porém, não deve fazer
esquecer que o inteiro sistema financeiro deve ser orientado para
dar apoio a um verdadeiro desenvolvimento. Sobretudo, é necessário
que não se contraponha o intuito de fazer o bem ao da efectiva
capacidade de produzir bens. Os operadores das finanças devem
redescobrir o fundamento ético próprio da sua actividade, para não
abusarem de instrumentos sofisticados que possam atraiçoar os
aforradores. Recta intenção, transparência e busca de bons
resultados são compatíveis entre si e não devem jamais ser
separados. Se o amor é inteligente, sabe encontrar também os modos
para agir segundo uma previdente e justa conveniência, como
significativamente indicam muitas experiências no campo do crédito
cooperativo.
Tanto uma
regulamentação do sector capaz de assegurar os sujeitos mais débeis
e impedir escandalosas especulações, como a experimentação de novas
formas de financiamento destinadas a favorecer projectos de
desenvolvimento, são experiências positivas que hão-de ser
aprofundadas e encorajadas, invocando a responsabilidade própria
do aforrador. Também a experiência do microfinanciamento,
que mergulha as próprias raízes na reflexão e nas obras dos
humanistas civis (penso nomeadamente no nascimento dos montepios),
há-de ser revigorada e sistematizada, sobretudo nestes tempos em que
os problemas financeiros podem tornar-se dramáticos para muitos
sectores mais vulneráveis da população, que devem ser tutelados dos
riscos de usura ou do desespero. Os sujeitos mais débeis hão-de ser
educados para se defender da usura, do mesmo modo que os povos
pobres devem ser educados para tirar real vantagem do microcrédito,
desencorajando assim as formas de exploração possíveis nestes dois
campos. Uma vez que existem novas formas de pobreza também nos
países ricos, o microfinanciamento pode proporcionar ajudas
concretas para a criação de iniciativas e sectores novos em favor
das classes débeis da sociedade mesmo numa fase de possível
empobrecimento da própria sociedade.
66. A
interligação mundial fez surgir um novo poder político: o dos
consumidores e das suas associações. Trata-se de um fenómeno
carecido de aprofundamento, com elementos positivos que hão-de ser
incentivados e excessos que se devem evitar. É bom que as pessoas
ganhem consciência de que a acção de comprar é sempre um acto moral,
para além de económico. Por isso, ao lado da responsabilidade social
da empresa, há uma específica responsabilidade social do
consumidor. Este há-de ser educado[145],
sem cessar, para o papel que exerce diariamente e que pode
desempenhar no respeito dos princípios morais, sem diminuir a
racionalidade económica intrínseca ao acto de comprar. Também no
sector das compras — precisamente em tempos como os que se estão
experimentando, em que vêem o poder de compra reduzir-se, devendo
por conseguinte consumir com maior sobriedade — é necessário
percorrer outras estradas como, por exemplo, formas de cooperação
para as compras à semelhança das cooperativas de consumo activas a
partir do século XIX graças à iniciativa dos católicos. Além disso,
é útil favorecer formas novas de comercialização de produtos
provenientes de áreas pobres da terra para garantir uma retribuição
decente aos produtores, contanto que se trate de um mercado
verdadeiramente transparente, que os produtores não usufruam apenas
de uma margem maior de lucro mas também de maior formação,
profissionalização e tecnologia, e que, enfim, não se incluam em
tais experiências de economia visões ideológicas de parte. Um papel
mais incisivo dos consumidores, desde que não sejam eles próprios
manipulados por associações não verdadeiramente representativas, é
desejável como factor de democracia económica.
67.
Perante o crescimento incessante da interdependência mundial,
sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial —
a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas
quer da arquitectura económica e financeira internacional,
para que seja possível uma real concretização do conceito de família
de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas
inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de
proteger [146] e
para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas
decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de
um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie
a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de
todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as
economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da
mesma e em consequência maiores desequilíbrios, para realizar um
oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz,
para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os
fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade
política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato
João XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito,
ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e
solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum[147],
comprometer-se na realização de um autêntico desenvolvimento humano
integral inspirado nos valores da caridade na verdade. Além
disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos, gozar de
poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da
justiça, o respeito dos direitos[148].
Obviamente, deve gozar da faculdade de fazer com que as partes
respeitem as próprias decisões, bem como as medidas coordenadas e
adoptadas nos diversos fóruns internacionais. É que, se isso
faltasse, o direito internacional, não obstante os grandes
progressos realizados nos vários campos, correria o risco de ser
condicionado pelos equilíbrios de poder entre os mais fortes. O
desenvolvimento integral dos povos e a colaboração internacional
exigem que seja instituído um grau superior de ordenamento
internacional de tipo subsidiário para o governo da globalização
[149] e que se dê
finalmente actuação a uma ordem social conforme à ordem moral e
àquela ligação entre esfera moral e social, entre política e esfera
económica e civil que aparece já perspectivada no Estatuto das
Nações Unidas.
CAPÍTULO VI
O DESENVOLVIMENTO
DOS POVOS E A TÉCNICA
68. O
tema do desenvolvimento dos povos está intimamente ligado com o do
desenvolvimento de cada indivíduo. Por sua natureza, a pessoa humana
está dinamicamente orientada para o próprio desenvolvimento. Não se
trata de um desenvolvimento garantido por mecanismos naturais,
porque cada um de nós sabe que é capaz de realizar opções livres e
responsáveis; também não se trata de um desenvolvimento à mercê do
nosso capricho, enquanto todos sabemos que somos dom e não resultado
de autogeração. Em nós, a liberdade é originariamente caracterizada
pelo nosso ser e pelos seus limites. Ninguém plasma arbitrariamente
a própria consciência, mas todos formam a própria personalidade
sobre a base duma natureza que lhes foi dada. Não são apenas as
outras pessoas que são indisponíveis; também nós não podemos dispor
arbitrariamente de nós mesmos. O desenvolvimento da pessoa
degrada-se, se ela pretende ser a única produtora de si mesma.
De igual modo, degenera o desenvolvimento dos povos, se a humanidade
pensa que se pode recriar valendo-se dos « prodígios » da tecnologia.
Analogamente, o progresso económico revela-se fictício e danoso
quando se abandona aos « prodígios » das finanças para apoiar
incrementos artificiais e consumistas. Perante esta pretensão
prometeica, devemos robustecer o amor por uma liberdade não
arbitrária, mas tornada verdadeiramente humana pelo reconhecimento
do bem que a precede. Com tal objectivo, é preciso que o homem
reentre em si mesmo, para reconhecer as normas fundamentais da lei
moral natural que Deus inscreveu no seu coração.
69.
Hoje, o problema do desenvolvimento está estreitamente unido com o
progresso tecnológico, com as suas deslumbrantes aplicações
no campo biológico. A técnica — é bom sublinhá-lo — é um dado
profundamente humano, ligado à autonomia e à liberdade do homem.
Nela exprime-se e confirma-se o domínio do espírito sobre a matéria.
O espírito, « tornando-se assim ‘‘mais liberto da escravidão das
coisas, pode facilmente elevar-se ao culto e à contemplação do
Criador'' »[150]. A
técnica permite dominar a matéria, reduzir os riscos, poupar fadigas,
melhorar as condições de vida. Dá resposta à própria vocação do
trabalho humano: na técnica, considerada como obra do génio pessoal,
o homem reconhece-se a si mesmo e realiza a própria humanidade. A
técnica é o aspecto objectivo do agir humano[151],
cuja origem e razão de ser estão no elemento subjectivo: o homem que
actua. Por isso, aquela nunca é simplesmente técnica; mas manifesta
o homem e as suas aspirações ao desenvolvimento, exprime a tensão do
ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos
materiais. Assim, a técnica insere-se no mandato de « cultivar e
guardar a terra » (Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e
há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e
ambiente em que se deve reflectir o amor criador de Deus.
70. O
desenvolvimento tecnológico pode induzir à ideia de auto-suficiência
da própria técnica, quando o homem, interrogando-se apenas sobre o
como, deixa de considerar os muitos porquês pelos quais é
impelido a agir. Por isso, a técnica apresenta-se com uma fisionomia
ambígua. Nascida da criatividade humana como instrumento da
liberdade da pessoa, pode ser entendida como elemento de liberdade
absoluta; aquela liberdade que quer prescindir dos limites que as
coisas trazem consigo. O processo de globalização poderia substituir
as ideologias com a técnica[152],
passando esta a ser um poder ideológico que exporia a humanidade ao
risco de se ver fechada dentro de um a priori do qual não
poderia sair para encontrar o ser e a verdade. Em tal caso, todos
nós conheceríamos, avaliaríamos e decidiríamos as situações da nossa
vida a partir do interior de um horizonte cultural tecnocrático, ao
qual pertenceríamos estruturalmente, sem poder jamais encontrar um
sentido que não fosse produzido por nós. Esta visão torna hoje tão
forte a mentalidade tecnicista que faz coincidir a verdade com o
factível. Mas, quando o único critério da verdade é a eficiência e a
utilidade, o desenvolvimento acaba automaticamente negado. De facto,
o verdadeiro desenvolvimento não consiste primariamente no fazer; a
chave do desenvolvimento é uma inteligência capaz de pensar a
técnica e de individualizar o sentido plenamente humano do agir do
homem, no horizonte de sentido da pessoa vista na globalidade do seu
ser. Mesmo quando actua mediante um satélite ou um comando
electrónico à distância, o seu agir continua sempre humano,
expressão de uma liberdade responsável. A técnica seduz intensamente
o homem, porque o livra das limitações físicas e alarga o seu
horizonte. Mas a liberdade humana só o é propriamente quando
responde à sedução da técnica com decisões que sejam fruto de
responsabilidade moral. Daqui, a urgência de uma formação para a
responsabilidade ética no uso da técnica. A partir do fascínio que a
técnica exerce sobre o ser humano, deve-se recuperar o verdadeiro
sentido da liberdade, que não consiste no inebriamento de uma
autonomia total, mas na resposta ao apelo do ser, a começar pelo ser
que somos nós mesmos.
71.
Esta possibilidade da mentalidade técnica se desviar do seu
originário álveo humanista ressalta, hoje, nos fenómenos da
tecnicização do desenvolvimento e da paz. Frequentemente o
desenvolvimento dos povos é considerado um problema de engenharia
financeira, de abertura dos mercados, de redução das tarifas
aduaneiras, de investimentos produtivos, de reformas institucionais;
em suma, um problema apenas técnico. Todos estes âmbitos são muito
importantes, mas não podemos deixar de interrogar-nos por que motivo,
até agora, as opções de tipo técnico tenham resultado apenas de modo
relativo. A razão há-de ser procurada mais profundamente. O
desenvolvimento não será jamais garantido completamente por forças
de certo modo automáticas e impessoais, sejam elas as do mercado ou
as da política internacional. O desenvolvimento é impossível sem
homens rectos, sem operadores económicos e homens políticos que
sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum.
São necessárias tanto a preparação profissional como a coerência
moral. Quando prevalece a absolutização da técnica, verifica-se uma
confusão entre fins e meios: como único critério de acção, o
empresário considerará o máximo lucro da produção; o político, a
consolidação do poder; o cientista, o resultado das suas descobertas.
Deste modo sucede frequentemente que, sob a rede das relações
económicas, financeiras ou políticas, persistem incompreensões,
contrariedades e injustiças; os fluxos dos conhecimentos técnicos
multiplicam-se, mas em benefício dos seus proprietários, enquanto a
situação real das populações que vivem sob tais influxos, e quase
sempre na sua ignorância, permanece imutável e sem efectivas
possibilidades de emancipação.
72. Às
vezes, também a paz corre o risco de ser considerada como uma
produção técnica, fruto apenas de acordos entre governos ou de
iniciativas tendentes a assegurar ajudas económicas eficientes. É
verdade que a construção da paz exige um constante tecimento
de contactos diplomáticos, intercâmbios económicos e tecnológicos,
encontros culturais, acordos sobre projectos comuns, e também a
assunção de empenhos compartilhados para conter as ameaças de tipo
bélico e cercear à nascença eventuais tentações terroristas. Mas,
para que tais esforços possam produzir efeitos duradouros, é
necessário que se apoiem sobre valores radicados na verdade da vida.
Por outras palavras, é preciso ouvir a voz das populações
interessadas e atender à situação delas para interpretar
adequadamente os seus anseios. De certo modo, deve-se colocar em
continuidade com o esforço anónimo de tantas pessoas decididamente
comprometidas a promover o encontro entre os povos e a favorecer o
desenvolvimento partindo do amor e da compreensão recíproca. Entre
tais pessoas, contam-se também fiéis cristãos, empenhados na grande
tarefa de dar ao desenvolvimento e à paz um sentido plenamente
humano.
73.
Ligada ao desenvolvimento tecnológico está a crescente presença dos
meios de comunicação social. Já é quase impossível imaginar a
existência da família humana sem eles. No bem e no mal, estão de tal
modo encarnados na vida do mundo, que parece verdadeiramente absurda
a posição de quantos defendem a sua neutralidade, reivindicando em
consequência a sua autonomia relativamente à moral que diria
respeito às pessoas. Muitas vezes tais perspectivas, que enfatizam a
natureza estritamente técnica dos mass media, de facto
favorecem a sua subordinação a cálculos económicos, ao intuito de
dominar os mercados e, não último, ao desejo de impor parâmetros
culturais em função de projectos de poder ideológico e político.
Dada a importância fundamental que têm na determinação de alterações
no modo de ler e conhecer a realidade e a própria pessoa humana,
torna-se necessária uma atenta reflexão sobre a sua influência
principalmente na dimensão ético-cultural da globalização e do
desenvolvimento solidário dos povos. Como requerido por uma correcta
gestão da globalização e do desenvolvimento, o sentido e a
finalidade dos mass media devem ser buscados no
fundamento antropológico. Isto quer dizer que os mesmos podem
tornar-se ocasião de humanização, não só quando, graças ao
desenvolvimento tecnológico, oferecem maiores possibilidades de
comunicação e de informação, mas também e sobretudo quando são
organizados e orientados à luz de uma imagem da pessoa e do bem
comum que traduza os seus valores universais. Os meios de
comunicação social não favorecem a liberdade nem globalizam o
desenvolvimento e a democracia para todos, simplesmente porque
multiplicam as possibilidades de interligação e circulação das
ideias; para alcançar tais objectivos, é preciso que estejam
centrados na promoção da dignidade das pessoas e dos povos, animados
expressamente pela caridade e colocados ao serviço da verdade, do
bem e da fraternidade natural e sobrenatural. De facto, na
humanidade, a liberdade está intrinsecamente ligada a estes valores
superiores. Os mass media podem constituir uma válida ajuda
para fazer crescer a comunhão da família humana e o ethos das
sociedades, quando se tornam instrumentos de promoção da
participação universal na busca comum daquilo que é justo.
74.
Hoje, um campo primário e crucial da luta cultural entre o
absolutismo da técnica e a responsabilidade moral do homem é o da
bioética, onde se joga radicalmente a própria possibilidade de
um desenvolvimento humano integral. Trata-se de um âmbito
delicadíssimo e decisivo, onde irrompe, com dramática intensidade, a
questão fundamental de saber se o homem se produziu por si mesmo ou
depende de Deus. As descobertas científicas neste campo e as
possibilidades de intervenção técnica parecem tão avançadas que
impõem a escolha entre estas duas concepções: a da razão aberta à
transcendência ou a da razão fechada na imanência. Está-se perante
uma opção decisiva. No entanto a concepção racional da tecnologia
centrada sobre si mesma apresenta-se como irracional, porque implica
uma decidida rejeição do sentido e do valor. Não é por acaso que a
posição fechada à transcendência se defronta com a dificuldade de
pensar como tenha sido possível do nada ter brotado o ser e do acaso
ter nascido a inteligência[153].
Face a estes dramáticos problemas, razão e fé ajudam-se mutuamente;
e só conjuntamente salvarão o homem: fascinada pela pura
tecnologia, a razão sem a fé está destinada a perder-se na ilusão da
própria omnipotência, enquanto a fé sem a razão corre o risco do
alheamento da vida concreta das pessoas[154].
75.
Paulo VI já tinha reconhecido e indicado o horizonte mundial da
questão social[155].
Prosseguindo por esta estrada, é preciso afirmar que hoje a
questão social se tornou radicalmente antropológica, enquanto
toca o próprio modo não só de conceber mas também de manipular a
vida, colocada cada vez mais nas mãos do homem pelas biotecnologias.
A fecundação in vitro, a pesquisa sobre os embriões, a
possibilidade da clonagem e hibridação humana nascem e promovem-se
na actual cultura do desencanto total, que pensa ter desvendado
todos os mistérios porque já se chegou à raiz da vida. Aqui o
absolutismo da técnica encontra a sua máxima expressão. Em tal
cultura, a consciência é chamada apenas a registar uma mera
possibilidade técnica. Contudo não se podem minimizar os cenários
inquietantes para o futuro do homem e os novos e poderosos
instrumentos que a « cultura da morte » tem à sua disposição. À
difusa e trágica chaga do aborto poder-se-ia juntar no futuro —
embora sub-repticiamente já esteja presente in nuce — uma
sistemática planificação eugenética dos nascimentos. No extremo
oposto, vai abrindo caminho uma mens eutanasica, manifestação
não menos abusiva de domínio sobre a vida, que é considerada, em
certas condições, como não digna de ser vivida. Por detrás destes
cenários encontram-se posições culturais negacionistas da dignidade
humana. Por sua vez, estas práticas estão destinadas a alimentar uma
concepção material e mecanicista da vida humana. Quem poderá medir
os efeitos negativos de tal mentalidade sobre o desenvolvimento?
Como poderá alguém maravilhar-se com a indiferença diante de
situações humanas de degradação, quando se comporta indiferentemente
com o que é humano e com aquilo que não o é? Maravilha a selecção
arbitrária do que hoje é proposto como digno de respeito: muitos,
prontos a escandalizar-se por coisas marginais, parecem tolerar
injustiças inauditas. Enquanto os pobres do mundo batem às portas da
opulência, o mundo rico corre o risco de deixar de ouvir tais apelos
à sua porta por causa de uma consciência já incapaz de reconhecer o
humano. Deus revela o homem ao homem; a razão e a fé colaboram para
lhe mostrar o bem, desde que o queira ver; a lei natural, na qual
reluz a Razão criadora, indica a grandeza do homem, mas também a sua
miséria quando ele desconhece o apelo da verdade moral.
76. Um
dos aspectos do espírito tecnicista moderno é palpável na propensão
a considerar os problemas e as moções ligados à vida interior
somente do ponto de vista psicológico, chegando-se mesmo ao
reducionismo neurológico. Assim esvazia-se a interioridade do homem
e, progressivamente, vai-se perdendo a noção da consistência
ontológica da alma humana, com as profundidades que os Santos
souberam pôr a descoberto. O problema do desenvolvimento está
estritamente ligado também com a nossa concepção da alma do homem,
uma vez que o nosso eu acaba muitas vezes reduzido ao psíquico, e a
saúde da alma é confundida com o bem-estar emotivo. Na base, estas
reduções têm uma profunda incompreensão da vida espiritual e levam-nos
a ignorar que o desenvolvimento do homem e dos povos depende
verdadeiramente também da solução dos problemas de carácter
espiritual. Além do crescimento material, o desenvolvimento deve
incluir o espiritual, porque a pessoa humana é « um ser uno,
composto de alma e corpo »[156],
nascido do amor criador de Deus e destinado a viver eternamente. O
ser humano desenvolve-se quando cresce no espírito, quando a sua
alma se conhece a si mesma e apreende as verdades que Deus nela
imprimiu em gérmen, quando dialoga consigo mesma e com o seu Criador.
Longe de Deus, o homem vive inquieto e está mal. A alienação social
e psicológica e as inúmeras neuroses que caracterizam as sociedades
opulentas devem-se também a causas de ordem espiritual. Uma
sociedade do bem-estar, materialmente desenvolvida mas oprimente
para a alma, de per si não está orientada para o autêntico
desenvolvimento. As novas formas de escravidão da droga e o
desespero em que caem tantas pessoas têm uma explicação não só
sociológica e psicológica, mas essencialmente espiritual. O vazio em
que a alma se sente abandonada, embora no meio de tantas terapias
para o corpo e para o psíquico, gera sofrimento. Não há
desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e
moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e
corpo.
77. O
absolutismo da técnica tende a produzir uma incapacidade de perceber
aquilo que não se explica meramente pela matéria; e, no entanto,
todos os homens experimentam os numerosos aspectos imateriais e
espirituais da sua vida. Conhecer não é um acto apenas material,
porque o conhecido esconde sempre algo que está para além do dado
empírico. Todo o nosso conhecimento, mesmo o mais simples, é sempre
um pequeno prodígio, porque nunca se explica completamente com os
instrumentos materiais que utilizamos. Em cada verdade, há sempre
mais do que nós mesmos teríamos esperado; no amor que recebemos, há
sempre qualquer coisa que nos surpreende. Não deveremos cessar
jamais de maravilhar-nos diante destes prodígios. Em cada
conhecimento e em cada acto de amor, a alma do homem experimenta um
« extra » que se assemelha muito a um dom recebido, a uma altura
para a qual nos sentimos atraídos. Também o desenvolvimento do homem
e dos povos se coloca a uma tal altura, se considerarmos a
dimensão espiritual que deve necessariamente conotar aquele para
que possa ser autêntico. Este requer olhos novos e um coração novo,
capaz de superar a visão materialista dos acontecimentos humanos
e entrever no desenvolvimento um « mais além » que a técnica não
pode dar. Por este caminho, será possível perseguir aquele
desenvolvimento humano integral que tem o seu critério orientador na
força propulsora da caridade na verdade.
CONCLUSÃO
78.
Sem Deus, o homem não sabe para onde ir e não consegue sequer
compreender quem é. Perante os enormes problemas do desenvolvimento
dos povos que quase nos levam ao desânimo e à rendição, vem em nosso
auxílio a palavra do Senhor Jesus Cristo que nos torna cientes deste
dado fundamental: « Sem Mim, nada podeis fazer » (Jo 15, 5),
e encoraja: « Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo » (Mt
28, 20). Diante da vastidão do trabalho a realizar, somos
apoiados pela fé na presença de Deus junto daqueles que se unem no
seu nome e trabalham pela justiça. Paulo VI recordou-nos, na
Populorum progressio, que o homem não é capaz de gerir
sozinho o próprio progresso, porque não pode por si mesmo fundar um
verdadeiro humanismo. Somente se pensarmos que somos chamados,
enquanto indivíduos e comunidade, a fazer parte da família de Deus
como seus filhos, é que seremos capazes de produzir um novo
pensamento e exprimir novas energias ao serviço de um verdadeiro
humanismo integral. Por isso, a maior força ao serviço do
desenvolvimento é um humanismo cristão
[157] que reavive a
caridade e que se deixe guiar pela verdade, acolhendo uma e outra
como dom permanente de Deus. A disponibilidade para Deus abre à
disponibilidade para os irmãos e para uma vida entendida como tarefa
solidária e jubilosa. Pelo contrário, a reclusão ideológica a Deus e
o ateísmo da indiferença, que esquecem o Criador e correm o risco de
esquecer também os valores humanos, contam-se hoje entre os maiores
obstáculos ao desenvolvimento. O humanismo que exclui Deus é um
humanismo desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto pode
guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil
— no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do
ethos — preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das
modas do momento. É a consciência do Amor indestrutível de Deus que
nos sustenta no fadigoso e exaltante compromisso a favor da justiça,
do desenvolvimento dos povos, por entre êxitos e fracassos, na busca
incessante de ordenamentos rectos para as realidades humanas. O
amor de Deus chama-nos a sair daquilo que é limitado e não
definitivo, dá-nos coragem de agir continuando a procurar o bem de
todos, ainda que não se realize imediatamente e aquilo que
conseguimos actuar — nós e as autoridades políticas e os operadores
económicos — seja sempre menos de quanto anelamos[158].
Deus dá-nos a força de lutar e sofrer por amor do bem comum, porque
Ele é o nosso Tudo, a nossa esperança maior.
79.
O desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços
levantados para Deus em atitude de oração, cristãos movidos pela
consciência de que o amor cheio de verdade — caritas in veritate
–, do qual procede o desenvolvimento autêntico, não o produzimos nós,
mas é-nos dado. Por isso, inclusive nos momentos mais difíceis e
complexos, além de reagir conscientemente devemos sobretudo referir-nos
ao seu amor. O desenvolvimento implica atenção à vida espiritual,
uma séria consideração das experiências de confiança em Deus, de
fraternidade espiritual em Cristo, de entrega à providência e à
misericórdia divina, de amor e de perdão, de renúncia a si mesmo, de
acolhimento do próximo, de justiça e de paz. Tudo isto é
indispensável para transformar os « corações de pedra » em «
corações de carne » (Ez 36, 26), para tornar « divina » e
consequentemente mais digna do homem a vida sobre a terra. Tudo
isto é do homem, porque o homem é sujeito da própria existência;
e ao mesmo tempo é de Deus, porque Deus está no princípio e
no fim de tudo aquilo que tem valor e redime: « quer o mundo, quer a
vida, quer a morte, quer o presente, quer o futuro, tudo é vosso;
mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus » (1 Cor 3,
22-23). A ânsia do cristão é que toda a família humana possa invocar
a Deus como o « Pai nosso ». Juntamente com o Filho unigénito,
possam todos os homens aprender a rezar ao Pai e a pedir-Lhe, com as
palavras que o próprio Jesus nos ensinou, para O saber santificar
vivendo segundo a sua vontade, e depois ter o pão necessário para
cada dia, a compreensão e a generosidade com quem nos ofendeu, não
ser postos à prova além das suas forças e ver-se livres do mal (cf.
Mt 6, 9-13).
No final do Ano
Paulino, apraz-me formular os seguintes votos com palavras do
Apóstolo tiradas da sua Carta aos Romanos: « Que a vossa
caridade seja sincera, aborrecendo o mal e aderindo ao bem. Amai-vos
uns aos outros com amor fraternal, adiantando-vos em honrar uns aos
outros» (12, 9-10). Que a Virgem Maria, proclamada por Paulo VI
Mater Ecclesiæ e honrada pelo povo cristão como Speculum
Iustitiæ e Regina Pacis, nos proteja e obtenha, com a sua
intercessão celeste, a força, a esperança e a alegria necessárias
para continuarmos a dedicar-nos com generosidade ao compromisso de
realizar o « desenvolvimento integral do homem todo e de todos os
homens »[159].
Dado em Roma, junto
de São Pedro, no dia 29 de Junho — Solenidade dos Santos Apóstolos
Pedro e Paulo — do ano de 2009, quinto do meu Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI
NOTAS
[1] Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 22: AAS
59 (1967), 268; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja
no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 69.
[2] Discurso no Dia do
Desenvolvimento (23 de Agosto de 1968): AAS 60 (1968),
626-627.
[3] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002: AAS 94
(2002), 132-140.
[4] Cf. Conc. Ecum. Vat.
II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 26.
[5] Cf. João XXIII, Carta
enc.
Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS 55 (1963),
268-270.
[6] Cf. n. 16: AAS
59 (1967), 265.
[7] Cf. ibid., 82:
o.c., 297.
[8] Ibid., 42:
o.c., 278.
[9] Ibid., 20:
o.c., 267.
[10] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 36; Paulo VI, Carta ap.
Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 4: AAS 63
(1971), 403-404; João Paulo II, Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 43: AAS 83 (1991), 847.
[11] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 13: AAS
59 (1967), 263-264.
[12] Cf. Pont. Conselho
« Justiça e Paz »,
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 76.
[13] Cf. Bento XVI,
Discurso na Sessão inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano e do Caribe (13 de Maio de
2007): Insegnamenti III/1 (2007), 854-870.
[14] Cf. nn. 3-5:
AAS 59 (1967), 258-260.
[15] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 6-7:
AAS 80 (1988), 517-519.
[16] Cf. Paulo VI,
Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967) 14: AAS 59
(1967), 264.
[17] Bento XVI, Carta
enc.
Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 18: AAS 98
(2006), 232.
[18] Ibid., 6:
o.c., 222.
[19] Cf. Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana durante a apresentação de votos natalícios
(22 de Dezembro de 2005): Insegnamenti I (2005), 1023-1032.
[20] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Sollicitudo
rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 3: AAS 80
(1988), 515.
[21] Cf. ibid.,
1: o.c., 513-514.
[22] Cf. ibid.,
3: o.c., 515.
[23] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 3: AAS 73
(1981), 583-584.
[24] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Centesimus annus
(1 de Maio de 1991), 3: AAS 83 (1991), 794-796.
[25] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 3: AAS 59
(1967), 258.
[26] Cf. ibid.,
34: o.c., 274.
[27] Cf. nn. 8-9:
AAS 60 (1968), 485-487; Bento XVI,
Discurso aos participantes no Congresso Internacional organizado no
40º aniversário da « Humanae vitae » (10 de Maio de 2008):
Insegnamenti IV/1 (2008), 753-756.
[28] Cf. Carta enc.
Evangelium
vitae (25 de Março de 1995), 93: AAS 87 (1995),
507-508.
[29] Ibid., 101:
o.c., 516-518.
[30] N. 29: AAS
68 (1976), 25.
[31] Ibid., 31:
o.c., 26.
[32] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Sollicitudo
rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 41: AAS 80
(1988), 570-572.
[33] Cf. ibid.,
41: o.c., 570-572; Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 5.54: AAS 83 (1991),
799.859-860.
[34] N. 15: AAS
59 (1967), 265.
[35] Cf. ibid.,
2: o.c., 481-482; Leão XIII, Carta enc.
Rerum novarum (15 de Maio de 1891): Leonis XIII P. M.
Acta, XI (1892), 97-144; João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo
rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 8: AAS 80
(1988), 519-520; Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 5: AAS 83 (1991), 799.
[36] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 2.13: AAS
59 (1967), 258.263-264.
[37] Ibid., 42:
o.c., 278.
[38] Ibid., 11:
o.c., 262; cf. João Paulo II, Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 25: AAS 83 (1991),
822-824.
[39] Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 15: AAS
59 (1967), 265.
[40] Ibid., 3:
o.c., 258.
[41] Ibid., 6:
o.c., 260.
[42] Ibid., 14:
o.c., 264.
[43] Ibid., 14:
o.c., 264; cf. João Paulo II, Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 53-62: AAS 83 (1991),
859-867; Carta enc.
Redemptor
hominis (4 de Março de 1979), 13-14: AAS 71 (1979),
282-286.
[44] Cf. Paulo VI,
Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 12: AAS
59 (1967), 262-263.
[45] Conc. Ecum. Vat.
II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 22.
[46] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 13: AAS
59 (1967), 263-264.
[47] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da
Igreja que está na Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 465-477.
[48] Cf. Paulo VI,
Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 16: AAS
59 (1967), 265.
[49] Ibid., 16:
o.c., 265.
[50] Bento XVI,
Discurso aos jovens no cais de Barangaroo (17 de Julho de
2008): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 19//VII/2008),
4.
[51] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 20: AAS
59 (1967), 267.
[52] Ibid., 66:
o.c., 289-290.
[53] Ibid., 21:
o.c., 267-268.
[54] Cf. nn. 3.29.32:
o.c., 258.272.273.
[55] Cf. Carta enc.
Sollicitudo
rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 28: AAS 80
(1988), 548-550.
[56] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 9: AAS 59
(1967), 261-262.
[57] Cf. Carta enc.
Sollicitudo
rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 20: AAS 80
(1988), 536-537.
[58] Cf. Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 22-29: AAS 83 (1991),
819-830.
[59] Cf. nn. 23.33:
AAS 59 (1967), 268-269.273-274.
[60] Cf. Leonis XIII
P. M. Acta, XI (1892), 135.
[61] Conc. Ecum. Vat.
II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 63.
[62] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 24: AAS 83
(1991), 821-822.
[63] Cf. João Paulo II,
Carta enc. Veritatis splendor (6 de Agosto de 1993),
33.46.51:
AAS 85 (1993), 1160.1169-1171.1174-1175; Discurso à
Assembleia Geral das Nações Unidas na comemoração do cinquentenário
de fundação (5 de Outubro de 1995), 3: Insegnamenti
XVIII/2 (1995), 732-733.
[64] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 47: AAS
59 (1967), 280-281; João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo
rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 42: AAS 80
(1988), 572-574.
[65] Cf. Bento XVI,
Mensagem por ocasião do Dia Mundial da Alimentação de 2007:
AAS 99 (2007), 933-935.
[66] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Evangelium vitae (25 de Março de 1995), 18.59.63-64: AAS
87 (1995), 419-421.467-468.472-475.
[[67]
Cf. Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2007, 5:
Insegnamenti II/2 (2006), 778.
[68] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002, 4-7.12-15:
AAS 94 (2002), 134-136.138-140;
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2004, 8: AAS 96
(2004), 119;
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2005, 4: AAS 97
(2005), 177-178; Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2006, 9-10: AAS
98 (2006), 60-61;
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2007, 5.14:
Insegnamenti II/2 (2006), 778.782-783.
[69] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002, 6: AAS 94
(2002), 135; Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2006, 9-10: AAS
98 (2006), 60-61.
[70] Cf. Bento XVI,
Homilia da Santa Missa no « Islinger Feld » de Regensburg
(12 de Setembro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006), 252-256.
[71] Cf. Bento XVI,
Carta enc.
Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 1: AAS 98
(2006), 217-218.
[72] João Paulo II,
Carta enc.
Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 28:
AAS 80 (1988), 548-550.
[73] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 19: AAS
59 (1967), 266-267.
[74] Ibid., 39:
o.c., 276-277.
[75] Ibid., 75:
o.c., 293-294.
[76] Cf. Bento XVI,
Carta enc.
Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 28: AAS 98
(2006), 238-240.
[77] João Paulo II,
Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 59: AAS 83
(1991), 864.
[78] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 40.85: AAS
59 (1967), 277.298-299.
[79] Ibid., 13:
o.c., 263-264.
[80] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 85: AAS 91
(1999), 72-73.
[81] Cf. ibid.,
83: o.c., 70-71.
[82] Bento XVI,
Discurso na Universidade de Regensburg (12 de Setembro de
2006): Insegnamenti II/2 (2006), 265.
[83] Cf. Paulo VI,
Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 33: AAS
59 (1967), 273-274.
[84] Cf. João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2000, 15: AAS
92 (2000), 366.
[85]
Catecismo da Igreja Católica, 407; cf. João Paulo II, Carta
enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 25: AAS 83
(1991), 822-824.
[86] Cf. n. 17: AAS
99 (2007), 1000.
[87] Cf. ibid.,
23: o.c., 1004-1005.
[88] Santo Agostinho
expõe, de maneira detalhada, este ensinamento no diálogo sobre o
livre arbítrio (De libero arbitrio, II, 3, 8s.). Aponta para
a existência de um « sentido interno » dentro da alma humana. Este
sentido consiste num acto que se realiza fora das funções normais da
razão, um acto não reflexo e quase instintivo, pelo qual a razão, ao
dar-se conta da sua condição transitória e falível, admite acima de
si mesma a existência de algo de eterno, absolutamente verdadeiro e
certo. O nome, que Santo Agostinho dá a esta verdade interior, umas
vezes é Deus (Confissões X, 24, 35; XII, 25, 35; De libero
arbitrio, II, 3, 8, 27), outras e mais frequentemente é Cristo (De
magistro 11, 38; Confissões VII, 18, 24; XI, 2, 4).
[89] Bento XVI, Carta
enc.
Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 3: AAS 98
(2006), 219.
[90] Cf. n. 49: AAS
59 (1967), 281.
[91] João Paulo II,
Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 28: AAS 83
(1991), 827-828.
[92] Cf. n. 35: AAS
83 (1991), 836-838.
[93] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 38:
AAS 80 (1988), 565-566.
[94] N. 44: AAS
59 (1967), 279.
[95] Cf. ibid.,
24: o.c., 269.
[96] Cf. Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 36: AAS 83 (1991),
838-840.
[97] Cf. Paulo VI,
Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 24: AAS
59 (1967), 269.
[98] Cf. João Paulo II,
Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 32: AAS 83 (1991),
832-833; Paulo VI, Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 25: AAS
59 (1967), 269-270.
[99] João Paulo II,
Carta enc.
Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 24: AAS 73
(1981), 637-638.
[100] Ibid.,
15: o.c., 616-618.
[101] Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 27: AAS
59 (1967), 271.
[102] Cf. Congr. para
a Doutrina da Fé, Instr. sobre a liberdade cristã e a libertação
Libertatis conscientia (22 de Março de 1987), 74: AAS 79
(1987), 587.
[103] Cf. João Paulo
II, Entrevista ao diário católico « La Croix » de 20 de
Agosto de 1997.
[104] João Paulo II,
Discurso à Pontifícia Academia das Ciências Sociais (27 de
Abril de 2001): Insegnamenti XXIV/1 (2001), 800.
[105] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 17: AAS
59 (1967), 265-266.
[106] Cf. João Paulo
II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2003, 5: AAS 95
(2003), 343.
[107] Cf. ibid.,
5: o.c., 343.
[108] Cf. Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2007, 13:
Insegnamenti II/2 (2006), 781-782.
[109] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 65: AAS
59 (1967), 289.
[110] Cf. ibid.,
36-37: o.c., 275-276.
[111] Cf. ibid.,
37: o.c., 275-276.
[112] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos
Apostolicam actuositatem, 11.
[113] Cf. Paulo VI,
Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 14: AAS
59 (1967), 264; João Paulo II, Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 32: AAS 83 (1991),
832-833.
[114] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 77: AAS
59 (1967), 295.
[115] João Paulo II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 6: AAS 82
(1990), 150.
[116]
Heráclito de Éfeso (± 535-475 a.C.), Fragmento 22B124, in H.
Diels-W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker (Weidmann,
Berlim 19526).
[117] Cf. Pont.
Conselho « Justiça e Paz »,
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nn.
451-487.
[118] Cf. João Paulo
II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 10: AAS
82 (1990), 152-153.
[119] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 65: AAS
59 (1967), 289.
[120] Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008, 7: AAS
100 (2008), 41.
[121] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes na Assembleia Geral das Nações Unidas
(18 de Abril de 2008): Insegnamenti IV//1 (2008),
618-626.
[122] Cf. João Paulo
II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 13: AAS
82 (1990), 154-155.
[123] João Paulo II,
Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1967), 36: AAS 83
(1991), 838-840.
[124] Ibid.,
38: o.c., 840-841; cf. Bento XVI,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2007, 8:
Insegnamenti II/2 (2006), 779.
[125] Cf. João Paulo
II, Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 2009), 41: AAS 83 (1991),
843-845.
[126] Cf. ibid.,
41: o.c., 843-845.
[127] Cf. João Paulo
II, Carta enc.
Evangelium
vitae (25 de Março de 1995), 20: AAS 87 (1995),
422-424.
[128] Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 85: AAS
59 (1967), 298-299.
[129] Cf. João Paulo
II,
Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1998, 3: AAS 90
(1998), 150;
Discurso aos Membros da Fundação Centesimus annus
(9 de Maio de 1998), 2: Insegnamenti XXI/1 (1998), 873-874;
Discurso às Autoridades Civis e Políticas e ao Corpo Diplomático
durante o encontro no « Wiener Hofburg » (20 de Junho de
1998), 8: Insegnamenti XXI/1 (1998), 1435-1436;
Mensagem ao Magnífico Reitor da Universidade Católica « Sacro Cuore
» por ocasião do Dia Anual desta Instituição (5 de Maio de
2000), 6: Insegnamenti XXIII/1 (2000), 759-760.
[130] Segundo São
Tomás, « ratio partis contrariatur rationi personae », in III
Sent. d. 5, 3, 2; e ainda « homo non ordinatur ad communitatem
politicam secundum se totum et secundum omnia sua », in Summa
Theologiae I-II, q. 21, a. 4, ad 3um.
[131] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja
Lumen gentium, 1.
[132] Cf. João Paulo
II,
Discurso aos participantes na Sessão Pública das Academias
Pontifícias de Teologia e de São Tomás de Aquino (8 de
Novembro de 2001), 3: Insegnamenti XXIX/2 (2001), 676-677.
[133] Cf. Congr. para
a Doutrina da Fé, Decl. sobre a unicidade e universalidade salvífica
de Jesus Cristo e da Igreja
Dominus Iesus (6 de Agosto 2000), 22: AAS 92 (2000),
763-764;
Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e ao
comportamento dos católicos na vida política (24 de Novembro de
2002) 8: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25/I/2005),
11.
[134] Bento XVI,
Carta enc.
Spe salvi (30 de Novembro de 2007), 31: AAS 99
(2007), 1010;
Discurso aos participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da
Igreja que está na Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 465-477.
[135] João Paulo II,
Carta enc.
Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 5: AAS 83
(1991), 798-800; cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da
Igreja que está na Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 471.
[136] N. 12.
[137] Cf. Pio XI,
Carta enc.
Quadragesimo anno (15 de Maio de 1931): AAS 23
(1931), 203; João Paulo II, Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 48: AAS 83 (1991),
852-854;
Catecismo da Igreja Católica, n. 1883.
[138] Cf. João XXIII,
Carta enc.
Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS 55 (1963),
274.
[139] Cf. Paulo VI,
Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 10.41: AAS
59 (1967), 262.277-278.
[140] Cf. Bento XVI,
Discurso aos membros da Comissão Teológica Internacional (5
de Outubro de 2007): Insegnamenti III/2 (2007), 418-421;
Discurso aos participantes no Congresso internacional sobre « Lei
moral natural » promovido pelo Pontifícia Universidade Lateranense
(12 de Fevereiro de 2007): Insegnamenti III/1 (2007),
209-212.
[141] Cf. Bento XVI,
Discurso aos membros da Conferência Episcopal da Tailândia em visita
« ad Limina » (16 de Maio de 2008): Insegnamenti IV/1
(2008), 798-801.
[142] Cf. Pont.
Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, Instr.
Erga migrantes caritas Christi (3 de Maio de 2004): AAS
96 (2004), 762-822.
[143] João Paulo II,
Carta enc.
Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 8: AAS 73
(1981), 594-598.
[144]
Discurso no final da Concelebração Eucarística por ocasião do
Jubileu dos Trabalhadores (1 de Maio de 2000):
Insegnamenti XXIII/1 (2000), 720.
[145] Cf. João Paulo
II, Carta enc.
Centesimus
annus (1 de Maio de 1991), 36: AAS 83 (1991),
838-840.
[146] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes na Assembleia Geral das Nações Unidas
(18 de Abril de 2008): Insegnamenti IV/1 (2008), 618-626.
[147] Cf. João XXIII,
Carta enc.
Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS 55 (1963),
293; Pont. Conselho « Justiça e Paz »,
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 441.
[148] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 82.
[149] Cf. João Paulo
II, Carta enc.
Sollicitudo
rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 43: AAS 80
(1988), 574-575.
[150] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 41: AAS
59 (1967), 277-278; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a
Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 57.
[151] Cf. João Paulo
II, Carta enc.
Laborem
exercens (14 de Setembro de 1981), 5: AAS 73 (1981),
586-589.
[152] Cf. Paulo VI,
Carta ap.
Octogesima adveniens
(14 de Maio de 1971), 29: AAS 63 (1971), 420.
[153] Cf. Bento XVI,
Discurso aos participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da
Igreja que está na Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 465-477;
Homilia da Santa Missa no « Islinger Feld » de Regensburg
(12 de Setembro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006), 252-256.
[154] Cf. Congr. para
a Doutrina da Fé, Instr. sobre algumas questões de bioética
Dignitas personae (8 de Setembro de 2008): AAS 100
(2008), 858-887.
[155] Cf. Carta enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 3: AAS 59
(1967), 258.
[156] Conc. Ecum.
Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 14.
[157] Cf. n. 42:
AAS 59 (1967), 278.
[158] Cf. Bento XVI,
Carta enc.
Spe salvi (30 de Novembro de 2007), 35: AAS 99
(2007), 1013-1014.
[159] Paulo VI, Carta
enc.
Populorum progressio (26 de Março de 1967), 42: AAS
59 (1967), 278.
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