Magnificat: cântico da Virgem Maria
Queridos irmãos e irmãs
1. Chegámos agora ao final do longo itinerário começado há
precisamente cinco anos, na primavera de 2001, pelo meu amado
Predecessor, o inesquecível Papa João Paulo II. O grande Papa
quisera percorrer nas suas catequeses toda a sequência dos Salmos e
dos Cânticos que constituem o tecido orante fundamental da
Liturgia das Laudes e das Vésperas. Tendo chegado ao fim
desta peregrinação textual, semelhante a uma viagem no jardim
florido do louvor, da invocação, da oração e da contemplação,
deixemos agora o espaço àquele Cântico que idealmente sela
toda a celebração das Vésperas, o Magnificat(Lc1,46-55).
É um cântico que revela em filigrana a espiritualidade dos anawim
bíblicos, isto é, daqueles fiéis que se reconhecem "pobres" não só
no desapego de qualquer idolatria da riqueza e do poder, mas também
na humildade profunda do coração, despojado da tentação do orgulho,
aberto à irrupção da graça divina que salva. De facto, todo o
Magnificat, que ouvimos agora pela "Capela Sistina", está
assinalado por esta "humildade", em grego tapeinosis, que
indica uma situação de humildade e pobreza concretas.
2. O primeiro movimento do cântico mariano (cf. Lc 1, 46-50)
é uma espécie de voz solista que se eleva em direcção ao céu para
alcançar o Senhor. Com efeito, observe-se o ressoar constante da
primeira pessoa: "A minha alma... o meu espírito... meu salvador...
chamar-me-ão bem-aventurada... fez grandes coisas em mim...". A alma
da oração é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou
no coração e na existência de Maria, tornando-a a Mãe do Senhor.
Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu
Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo.
A estrutura íntima do seu canto é, portanto, o louvor, o
agradecimento, a alegria reconhecedora. Mas este testemunho pessoal
não é solitário, intimista ou puramente individualista, porque a
Virgem Mãe está consciente de ter uma missão a cumprir pela
humanidade e a sua vicissitude insere-se no âmbito da história da
salvação. E assim pode dizer: "A sua misericórdia se estende de
geração em geração sobre aqueles que o temem" (v. 50). Com este
louvor ao Senhor Nossa Senhora dá voz a todas as criaturas remidas,
que no seu "Fiat", assim como na figura de Jesus nascido da Virgem,
encontram a misericórdia de Deus.
3. Neste ponto desenvolve-se o segundo movimento poético e
espiritual do Magnificat (cf. vv. 51-55). Ele possui uma
tonalidade mais coral, como que se à voz de Maria se associasse a da
inteira comunidade dos fiéis que celebram as opções surpreendentes
de Deus. No original grego do Evangelho de Lucas temos sete verbos
no aoristo, que indicam igual número de acções que o Senhor realiza
de modo permanente na história: "Manifestou o poder do seu braço...
dispersou os soberdos. Derrubou os poderosos e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens... despediu os ricos... acolheu Israel".
Neste septenário de obras divinas é evidente o "estilo" no qual o
Senhor da história inspira o seu comportamento: ele declara-se da
parte dos últimos. O seu é um projecto que com frequência está
escondido sob o terreno obscuro das vicissitudes humanas, que vêem
triunfar "os soberbos, os poderosos e os ricos". Contudo a sua força
secreta está destinada a revelar-se no final, para mostrar quem são
os verdadeiros prediletos de Deus: "Os que o temem", fiéis à sua
palavra; "os humildes, os famintos, Israel seu servo", isto é, a
comunidade do povo de Deus que, como Maria, está constituída por
aqueles que são "pobres", puros e simples de coração. É aquele
"pequeno rebanho" que está convidado a não temer porque ao Pai
aprouve conceder-lhe o seu reino (cf. Lc 12, 32). E assim
este cântico nos convida a associar-nos a este pequeno rebanho, a
ser realmente membros do Povo de Deus na pureza e na simplicidade do
coração no amor de Deus.
4. Aceitemos então o convite que no seu comentário ao texto do
Magnificat nos dirige santo Ambrósio. O grande Doutor da Igreja
diz: "Esteja em cada um a alma de Maria que engrandece o Senhor,
esteja em todos o espírito de Maria que exulta em Deus; se, segundo
a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram
Cristo; de facto, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus... A alma de
Maria engrandece o Senhor, e o seu espírito exulta em Deus, porque,
consagrada com a alma e com o espírito ao Pai e ao Filho, ela adora
com afecto devoto um só Deus, do qual tudo provém, e um só Senhor,
em virtude do qual todas as coisas existem" (Exposição do
Evangelho segundo Lucas, 2, 26-27: SAEMO, XI, Milão-Roma
1978, p. 169).
Neste maravilhoso comentário do Magnificat de santo Ambrósio
sensibiliza-me de modo particular a palavra surpreendente: "Se,
segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as
almas geram Cristo: de facto cada uma acolhe em si o Verbo de Deus".
Assim o santo Doutor, interpretando as palavras de Nossa Senhora,
convida-nos a fazer com que o Senhor encontre um abrigo na nossa
alma e na nossa vida. Não devemos apenas levá-lo no coração, mas
devemos levá-lo ao mundo, de forma que também nós possamos gerar
Cristo para o nosso tempo. Peçamos ao Senhor que nos ajude a
magnificá-lo com o Espírito e com a alma de Maria e a levar de novo
Cristo ao nosso mundo. |