Rejubila, cidade de
Colónia, que um dia acolheste dentro dos teus muros João Duns Escoto,
homem doutíssimo e piedosíssimo, o qual a 8 de Novembro de 1308
passou da vida presente para a pátria celeste; e tu, com grande
admiração e veneração, conservas os seus despojos mortais.
Os Nossos Veneráveis
Predecessores, Servos de Deus Paulo VI e João Paulo II, exaltaram-no
com elevadas expressões; também Nós agora desejamos circundá-lo com
o merecido louvor e invocar o seu patrocínio.
Portanto justa e
merecidamente é agora celebrado o sétimo centenário do seu trânsito
piedoso. E enquanto, para esta feliz ocasião, em diversas partes do
mundo se estão a publicar artigos e inteiras obras em honra do beato
João Duns Escoto e se realizam congressos, entre os quais está agora
em preparação um solene em Colónia, que se realizará nos dias 5-9 do
próximo mês de Novembro, consideramos ser dever do Nosso serviço,
nesta ocasião, dizer algumas palavras sobre um homem tão eminente,
que se tornou tão benemérito ao contribuir para o progresso da
doutrina da Igreja e da ciência humana.
De facto, ele ao
associar a piedade com a pesquisa científica, segundo a sua
invocação: "O primeiro Princípio dos seres me conceda crer,
pregustar e expressar quanto é agradável à sua majestade e eleve as
nossas mentes à sua contemplação" (Duns Scotus, Tractatus de
primo Principio, c, 1 [ed. Muller M., Friburgi Brisgoviae, 1941,
1]), com o seu requintado engenho tão profundamente embuído nos
segredos da verdade natural e revelada e dela tirou uma doutrina tal
que foi chamado "Doutor da Ordem", "Doutor Subtil" e "Doutor
Mariano", tornando-se mestre e guia da Escola Franciscana, luz e
exemplo para todo o povo cristão.
Desejamos portanto
chamar os ânimos dos estudiosos e de todos, crentes e não crentes,
para o itinerário e para o método que Escoto seguiu para estabelecer
a harmonia entre fé e razão, ao definir deste modo a natureza da
teologia que exaltou constantemente a sua acção, a prática, o amor,
e não a especulação; ao realizar este trabalho, ele fez-se guiar
pelo Magistério da Igreja e por um sentido crítico em relação ao
crescimento no conhecimento da verdade, e estava persuadido de que a
ciência tem valor na medida em que é realizada na prática.
Muito firme na fé
católica, ele esforçou-se por compreender, explicar e defender as
verdades da fé à luz da razão humana. Portanto nada mais se esforçou
por fazer a não ser demonstrar a consonância de todas as verdades,
naturais e sobrenaturais, que promanam de uma única e mesma Fonte.
Ao lado da Sagrada
Escritura, divinamente inspirada, coloca-se a autoridade da Igreja.
Parece que ele segue o ditado de Santo Agostinho: "Não acreditaria
no Evangelho, se antes não acreditasse na Igreja" (Idem,
Ordinatio I d. 5 [ed. Vat. IV, 24-25]). De facto, o nosso Doutor
ressalta com frequência de modo especial a suprema autoridade do
Sucessor de Pedro. Segundo ele, "mesmo se o Papa não pode dispensar
contra o direito natural e divino dado que o seu poder é inferior a
ambos contudo, sendo Sucessor de Pedro, o Príncipe dos Apóstolos,
ele tem a mesma autoridade que teve Pedro" (Idem, Rep. IV d.
33 q. 2. n. 19 [ed. vives XXIV 439 a]).
Portanto a Igreja
Católica, que tem como Chefe invisível o próprio Cristo, o qual
deixou os seus Vigários na pessoa do bem-aventurado Pedro e nos seus
Sucessores, guiada pelo Espírito de verdade, é guarda autêntica do
depósito revelado e regra da fé. A Igreja é critério firme e estável
da canonicidade da Sagrada Escritura. De facto, ela "estabeleceu
quais são os livros que devem ser considerados no cânone da Bíblia"
(Idem, Ordinatio i d. 5 [ed. Vat. IV 25]).
Noutro texto afirma que "as Escrituras foram expostas com aquele
mesmo espírito com o qual foram escritas, e assim deve-se considerar
que a Igreja católica as tenha apresentado com o mesmo Espírito com
o qual nos foi transmitida a fé, ou seja, instruída pelo Espírito de
verdade" (Idem, IV d. 11 q.3 n. 15 [ed. Vat. IX 181]).
Depois de ter provado
com vários argumentos, tirados da razão teológica, o próprio facto
da preservação da Bem-Aventurada Virgem Maria do pecado original,
ele estava totalmente pronto para rejeitar até esta persuasão, caso
resultasse que ela não estava em sintonia com a autoridade da
Igreja, dizendo: "Se não contrasta com a autoridade da Igreja ou com
a autoridade da Escritura, parece provável que se deva atribuir a
Maria o que é mais excelente" (Idem, III d.3 n. 34 [ed. Vives
XIX 167 b]).
A primazia da vontade
ressalta que Deus é antes de tudo caridade. Esta caridade, este
amor, Duns Escoto tem-no presente quando quer reconduzir a teologia
a uma única expressão, ou seja, à teologia prática. Segundo o seu
pensamento, sendo Deus "formalmente amor e formalmente caridade"
(Ibid., I d. 17 n. 173 [ed. Vat V 221-222]), comunica com
grandíssima generosidade além de si os raios da sua bondade e do seu
amor (cf. Idem, Tractatus de primo Principio, c. 4 [ed.
Muller M., 127]). E na realidade, é por amor que Deus "nos escolheu
antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados diante
dele na caridade, predestinando-nos para sermos seus filhos
adoptivos por obra de Jesus Cristo" (Ef 1, 3-4).
Discípulo fiel de São
Francisco de Assis, o beato João contemplou e pregou assiduamente a
encarnação e a paixão do Filho de Deus. Mas a caridade ou o amor de
Cristo manifesta-se de modo especial não só no Calvário, mas também
no santíssimo sacramento da Eucaristia, sem o qual "desapareceria
qualquer forma de piedade na Igreja, nem se poderia a não ser
através da veneração do mesmo sacramento tributar a Deus o culto de
adoração" (Idem, Rep. IV d. 8 q.1 n. 3 [ed. Vives XXIV
9-10]). Além disso este sacramento é sacramento de unidade e de amor;
por meio dele somos levados a amar-nos reciprocamente e a amar a
Deus como bem comum e a ser co-amado pelos outros.
E como este amor, esta
caridade, foi o início de tudo, assim também só no amor e na
caridade será a nossa bem-aventurança: "O querer ou a vontade
amorosa é simplesmente a vida eterna, bem-aventurada e perfeita"(Ibid.,
IV d. 49 q. 2 n. 21 [ed. Vives XXIV 630 a]).
Tendo nós no início do
Nosso ministério antes de tudo pregado a caridade, que é o próprio
Deus, vemos com alegria que a doutrina singular deste Beato reserva
um lugar particular a esta verdade, que consideramos maximamente
digna de ser pesquisada e ensinada no nosso tempo. Portanto, indo de
bom grado ao encontro do pedido do Nosso Venerado Irmão Joachim
Meisner, Cardeal da S.R.I., Arcebispo de Colónia, enviamos esta
Carta Apostólica com a qual desejamos honrar o beato João Duns
Escoto e invocar sobre Nós a sua celeste intercessão. Por fim, a
quantos participam de qualquer forma neste congresso internacional e
noutras iniciativas relativas a este exímio filho de São Francisco,
concedemos de coração a Nossa Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto
de São Pedro, no dia 28 de Outubro de 2008, quarto ano do Nosso
Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI |