Bernardo Vaz Lobo Teixeira de Vasconcelos
nasceu na Casa do Marvão, em S. Romão
do Corgo (Celorico de Basto), em 7 de Julho de 1902.
Depois de ter feito os preparatórios no
Colégio de Lamego, foi estudar na Universidade de Coimbra. Ali se expandiu a sua
alma de fogo em actividade, fecunda em obra de apostolado: como membro das
Conferências de S. Vicente de Paulo; como redactor da revista “Estudos”, órgão
do C A D C (Centro Académico de Democracia Cristã); como Vice-Presidente da
direcção do mesmo C A D C e Presidente da Liga Eucarística, criada no C A D C
para vivificar a piedade dos sócios.
Em Agosto de 1924 entrou na Ordem de S.
Bento. Professou em 29 de Setembro de 1925. Recebeu as Ordens Menores en 5 e 6
de Janeiro de 1929.
Subir os degraus do altar, ser ordenando
sacerdote – era a grande aspiração de sua alma, mas quis oferecer ao Senhor o
sacrifício heróico de ficar privado da dignidade sacerdotal.
E Deus aceitou o seu sacrifício. D. Bernardo,
como se ficou chamando como benedictino, foi uma hóstia em sangue,
sofrendo em seu corpo os duros golpes com que Deus imolava a sua vítima. Sofreu,
com resignação edificante, operações repetidas, dolorosíssimas, que lhe
mutilhavam a carne, a ponto de ele próprio chamar ao seu corpo uma “casa
esburacada”; sofreu raspagens de ossos, extração quase diária
de pus das feridas, que eram chagas abertas no corpo; sofreu a imobilidade na
cama, febre persistente, dores de intestinos e de rins, dificuldades de
digestão, perturbações do coração.
O seu constante e multímodo sofrimento,
aceito generosamente com amor e alegria, prolongou-se durante seis anos, em
hospitais e sanatórios, no Porto, na Falperra, na Póvoa de Varzim e na For do
Douro, até à madrugada de 4 de Julho de 1932, em que D. Bernard, aos trinta
anos, entregou a sua alma a Deus, incovando a SS. Trindade e dizendo:
“Não chorem; eu vou para o céu... Jesus!
Jesus! Eu sou todo de Jesus!...”
Desde então, numerosos peregrinos acorrem
frequentemente ao túmulo de D. Bernardo, na freguesia onde nasceu. Invocam a sua
intercessão e agradecem os favores que, por seu intermédio têm obtido.
Fonte : Patriarcado de Lisboa.

* * *
Frei Bernardo de Vasconcelos
mais um Santo Português
A 9 de Outubro de 1987 ficou concluído em
Braga o Processo Diocesano em ordem à desejada Beatificação e Canonização de
Frei Bernardo de Vasconcelos, falecido há 67 anos.
O povo, porém, não esperou pela decisão da
Igreja, e desde a sua morte começou o venerá-lo como «santo» e a peregrinar até
à sua sepultura.
Bernardo de Vasconcelos nasceu o 7 de Julho
de 1902 no seio de urna distinta família na Casa do Marvão em S. Romão do Corgo,
Celorico de Basto, distrito e Diocese de Braga.
Feito a curso liceal no Colégio de Lamego,
dirige-se aos 17 anos para Coimbra, onde sofreu, no princípio, uma certa
desorientação. Teve porém o felicidade de ser levado pelo mão de Deus para a
C.A.D.C. Nessa Associação militavam numerosos jovens dos mais distintos na vida
católica e cultural. Alguns deles vieram mesma a exercer influência decisiva no
panorama religioso e político da nassa Pátria.
Integrado nas Conferências de S. Vicente de
Paulo, sentiu a problema dos pobres, a cujo bem, material e sobretudo espiritual
se dedicou ardorosamente. Visitava-os, consolava-os e partilhava com eles todos
os seus haveres. Quando em 1924 se despediu de Coimbra, deixou-Ihes todos os
objectos escolares e um sobretudo cuja venda se converteu em alimentos para as
famílias mais carenciadas.
Em 1931 escreverá a um colega:
«Faz muito bem em se inscrever nas
Conferências de S. Vicente de Paula, obra das melhores, das mais frutuosas.
Recordo com saudade os meus pobrezinhos e ainda aí tenho uma afilhadita, como
recordação desses tempos».
Bernardo tem urna alma de poeta que se
expande em versos inspirados; é conferente, escritor secretário da revista
Estudos, órgão do C.A.D.C.
Filiou-se na Congregação Mariana e é eleito
Presidente da Liga Eucarística dos Estudantes, criada para vivificar a piedade
dos seus sócios.
O estudo sério, o trabalho incansável e o
apostolado activo, entusiasmam o seu coração ardente.
A oração, a leitura e meditação de bons
livros, a comunhão diária e as longas visitas ao Santíssimo Sacramento, elevaram
o seu espírito das banalidades da terra para a sublimidade celestial. Quantas
vezes o viram, envolvido na capa de universitário, diante do Sacrário, na Sé
velha de Coimbra! Em Janeiro de 1923 escreve:
«Sinto-me cada vez mais feliz e praza a Deus
que eu possa vir ser digno de tanta felicidade. Continuo a orientar a minha vida
por um caminho austero e iluminado, conservando sempre bem arraigado à alma o
lema que tomei: " a renúncia é o caminho". Conservo, com a graça de Deus, a
mesma pureza de coração e também de acções».
Um facto vincou decisivamente a sua vida: o
retiro espiritual feito no Luso, com outros colegas universitários, em Fevereiro
de 1923:
Vou-me preparar melhor para uma confissão
geral, que farei com uma alegria imensa. É a maior graça que Deus me pode
conceder , como desejo".
No seu Diário Espiritual, anotou também:
«Servir a Deus é o ideal mais alto, é o ideal
única — é o ideal».
A sua vida interior não passava despercebida
aos seus companheiros de estudos. Era até para eles motivo de admiração e
estímulo.
Doutar José de Paiva Boléu, seu antigo
colega, escreveu:
«Um dia, urna pessoa que o não conhecia, ao
vê-lo numa sessão solene, numa atitude não afectada, e numa concentração natural
do seu espírito, declarou-me que o Bernardo parecia um anjo a rezar.
Em Fátima, por ocasião de uma peregrinação,
urna pessoa, que também o não conhecia, declarava admirada, que nem a multidão,
nem as cerimónias litúrgicas, nem a fé simples e entusiasta do bom povo da nossa
terra, a impressionaram tanto como a resignação cristã, a coragem
verdadeiramente heróica que se espelhava no rosto do Bernardo, enfileirada com
os outros doentes para receber a bênção do Santíssimo».
Uma sua condiscípula, na Faculdade de
Direito, deu este testemunho a 19 de Maio de 1924, depois de o ter ouvido
recitar um soneto seu:
«Ouvi o Bernardo... Este, ou eu me engano
muito, ou é já santo. Esta convicção mais se arraigou posteriormente, ao saber
da sua resignação e da conformidade com a vontade do Senhor durante a sua longa
doença...
A partir de certa altura convivi com ele, na
persuasão de que seria santo... No seu apostolado activo e intenso e, sobretudo,
no seu elevado misticismo, o Bernardo é um modelo vivo a apresentar aos jovens
de Portugal».
Sob a orientação de alguns guias espirituais,
sobretudo do jovem professor da Faculdade de Letras, o Doutor Manuel Gonçalves
Cerejeira, mais tarde Cardeal Patriarca de Lisboa, decidiu entregar-se ao
Senhor, na vida religiosa, na Ordem de São Bento.
Ao saberem, em segredo, que ele ia deixar
Coimbra, os seus colegas, acorrem à estação do caminho de ferro, para se
despedirem. Houve lágrimas, mas lágrimas de alegria. Pastas e fitas voaram nos
ares. Os passageiros, que iam no comboio, perguntavam o que era aquilo, que
apoteose era aquela. Era alguém que deixava tudo para se unir ao Senhor.
O místico jovem ficou impressionado.
«Recordo com íntima mas serena comoção aquela
despedida fraternal que tive em Coimbra. Para a minha alma sedenta de Deus e de
O comunicar às almas todas, foi uma grande consolação».
A 16 de Agosto de 1924 ingressou no Mosteiro
beneditino de Singeverga. Pouco depois expande a sua alegria:
«Este delicioso isolamento tem-me feito um
bem incalculável à alma. O Ofício Divino é um encanto! Que majestade e que
poesia! Que esplêndidas orações da Igreja! Salmos de súplica, de saudade de
Deus, de louvor e de glorificação! Que beleza e fonte inexaurível da mais sã
poesia! Como Deus é bom!».
A sua piedosa e santa mãe, que tinha feito o
sacrifício da sua oferta ao Senhor escreve:
«E o que fez a minha boa mãe? Reconheceu
também que eu era de Deus, e a Ele me entregou de novo. Perdeu-me? Restituiu-me
a esse Bondosíssimo Senhor e a esse Inigualável Amigo».
O seu ideal era ser sacerdote, celebrar a
Santa Missa, sobre a qual escreveu coisas tão belas. Resolveu porém fazer o acto
heróico de renunciar a essa dignidade, o fim de obter para a sua Ordem, em
Portugal, as graças necessárias para a seu estabelecimento e florescimento.
A oferta foi aceite.
A cruz bate-lhe à porta e transforma-o numa
«hóstia em sangue».
Vai percorrer as casas do sua Ordem, quer em
Portugal, quer em Espanha e na Bélgica, com o sofrimento a dilacerar-lhe o
corpo, com uma tuberculose vertebral. E internado em hospitais e clínicas, mas
sempre debaixo do peso da cruz.
São seis anos de martírio numa imolação
cruenta, com operações repetidas - a mutilar a carne, a abrir canais, a raspar
ossos - a extracção quase diária do pús, a imobilidade do corpo, a febre
persistente, as dores dos intestinos e dos rins, as dificuldades da digestão, a
fadiga cerebral, as perturbações do coração.
Admiremos a grandeza da sua alma :
«Estou nas mãos de Deus. Tenho sofrido
bastante; Só com o auxílio d'Ele poderia suportar certas dores. Ele lá tem os
seus desígnios. Uns são destinados para pregar; outros para orar; outros para
sofrer. Neste tempo em que o mundo é atravessado por uma onda de despudor e de
baixeza moral, é mais necessária a expiação e o desagravo».
Sofria, porém, inundado de alegria
sobrenatural, vivendo aquilo que recomendava o um colega enfermo:
«Não te entregues à tristeza que só serve
para inutilizar as nossas melhores energias... dilata o teu coração e deixa
entrar nele o sol vivificador da alegria. Alegria, mas com tantas provações?
Olha o que te digo: quem viste ainda sem cruz? A cruz segue-nos onde quer que
vamos e temos de a levar; e, se a não quisermos erguer generosamente e levar nos
nossos braços aos abraços, quer dizer; com todo o ardor do nosso coração o que a
fará mais levezinha, teremos de a levar atrás de nós, aos arrastos».
Noutra carta :
«Para longe as tristezas doentias. Triste é o
pecado, triste deve ficar quem ofende a Deus... Um bom cristão não tem direito
de se dar à tristeza».
A seu respeito escreveu o médico que o
tratava no Porto :
«No meu consultório conhecem-no todos; todos
o respeitavam carinhosamente e todos, qualquer que fosse o seu ideal religioso
ou político, lhe chamavam o frade santinho».
Quantas pessoas não impressionou Frei
Bernardo com a sua vida de amor! Amou a todos e amou-os com amor puro, delicado,
ardente. Possuía o condão de atrair, aquecer e elevar as almas. Uma auréola de
profunda simpatia envolve o seu nome. E tantos, no contacto com ele,
experimentaram a maravilhosa atracção para a verdade, o bem, para Deus.
Na Foz do Douro, aos 30 anos de idade, no dia
4 de Julho de 1932, sem agonia, rodeado da família, a quem pedia perdão e
consolava, suspirou :
«Ó Santíssima, ó Santíssima Trindade! Não
chorem, eu vou para o Céu... Jesus, Jesus, eu sou todo de Jesus».
E expirou santamente.
(Da Revista " Cruzada ", de
Agosto-Setembro 1999 ) |