São
cerca de oito horas da tarde. É verão e o céu ainda está claro. A
multidão comprime-se em volta da guilhotina,
erguida no centro da
antiga Place du Thrône, atual Barrière de Vincennes. Junto dos
degraus que conduzem ao cadafalso, o carrasco,
Charles-Henri Sanson, espera respeitosamente de pé, flanqueado por
dois ajudantes. Há quarenta anos vem prestando esse serviço ao
governo, com inalterável resignação. O calor é opressivo, e em toda
a praça reina um odor mefítico de sangue.
Vindos da cidade, despontam os carroções. Hoje são dois, e vêm
bastante cheios: ao todo, serão quarenta vítimas. Recebem-nas as
exclamações e ameaças habituais, mas o barulho logo se abafa em
murmúrios de espanto. Acontece que, entre os condenados, se vêem
diversas mulheres de capa branca: são as dezesseis carmelitas do
convento de Compiègne. Ao contrário dos seus companheiros de
infortúnio, não deixam pender a cabeça nem choram ou gritam; trazem
o rosto erguido, e a linha firme do corpo é sublinhada pelas mãos
amarradas às costas. E cantam: aos ouvidos de todos, ressoam as
notas esquecidas da Salve Rainha em latim e do Te Deum. Até para o
mais empedernido dos basbaques presentes, é um espetáculo inaudito.
Quando os carroções param ao pé do cadafalso, o burburinho faz-se
silêncio absoluto. Até essas mulheres histéricas, as chamadas
"fúrias da guilhotina", que sempre estão na primeira fila dos
espectadores, emudecem.
As
primeiras a descer são as carmelitas. Uma delas, a priora, Madre
Teresa de Santo Agostinho, aproxima-se do carrasco e pede-lhe que
lhes conceda uns minutos para poderem renovar os seus votos e que a
deixe ser a última a sofrer a execução, para que possa animar cada
uma das suas filhas até o fim. Sanson, alma delicada, concorda de
bom grado.
Todas juntas, cantam o Veni Creator Spiritus. A seguir,
renovam os seus votos religiosos. Enquanto rezam, uma voz de mulher
sussurra na multidão: "Essas boas almas, vejam se não parecem anjos!
Pela minha fé, se essas mulheres não forem diretas ao paraíso, é
porque o paraíso não existe!"
A
priora recua até a base da escada. Tem nas mãos uma estatueta de
cerâmica da Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. A primeira a
ser chamada, a mais jovem de todas, é a noviça Constança. Ajoelha-se
diante da Madre e pede-lhe a benção. Segundo uma testemunha,
ter-se-ia também acusado nesse momento de não haver terminado o
ofício do dia. Com um sorriso a Madre diz-lhe: "Vai, minha filha,
confiança! Acabarás de rezá-lo no Céu"... e dá-lhe a beijar a
imagem.
Contança sobe rapidamente os degraus, entoando o salmo Laudate
Dominum omnes gentes, "Louvai o Senhor, todos os povos". "Ia
alegre, como se se dirigisse para uma festa". O carrasco e seus
ajudantes, com gesto profissional, dispõem-na debaixo da guilhotina.
Ouve-se o golpe surdo do contrapeso, o ruído seco da lâmina que cai,
o baque da cabeça recolhida num saco de couro. Sem solução de
continuidade, o corpo é lançado ao carroção funerário.
Uma
por uma, as freiras ajoelham-se diante da priora e pedem-lhe a
benção e permissão para morrer. Cantam o hino iniciado por
Constança. Quando chega a vez da Irmã de Jesus Crucificado, que tem
78 anos, os jovens ajudantes do carrasco têm de descer para ajudá-la
a vencer os degraus. Ela diz-lhes afavelmente: "Meus amigos, eu vos
perdôo de todo o coração, tal como desejo que Deus me perdoe".
Só
falta a Madre. Com gesto simples e firme, beija a estatuinha e
confia-a à primeira pessoa que tem ao lado. Tem 41 anos, um rosto
expressivo, nem muito bonito nem feio; o porte é, mais do que
altivo, descontraído. Os olhos castanhos, sofridos mas irradiando
bondade, procuram os do pe. Lamarche, que as confessara no dia
anterior na prisão e que se encontra entre a multidão. Como quem tem
pressa em concluir uma tarefa urgente, sobe por sua vez os degraus.
Agora tudo terminou. Pode-se cortar o silêncio como se fosse um
queijo. Muitos dos assistentes choram baixinho. Anos mais tarde,
encontrar-se-ão — registrados em cartas pessoais, diários íntimos e
memoriais — os ecos da emoção que experimentaram e dos efeitos que
ela lhes causou: muitos sentiram a necessidade de mudar de vida, de
retomar a prática dos sacramentos, um ou outro de ingressar num
convento... Um deles, um menino que presenciara a cena das janelas
de um prédio situado em frente da guilhotina, guardou dela uma
impressão tão profunda que, anos mais tarde, quando fazia o serviço
militar, carregava sempre consigo as obras de Santa Teresa de Ávila
e acabou por fazer-se sacerdote. "O amor vence sempre", costumava
dizer a Madre priora; "o amor vence tudo".
Os
corpos foram levados às pressas para o antigo convento dos
agostinianos do Faubourg de Picpus. Lá foram lançados na fossa comum
e cobertos de cal viva. Hoje há ali um gramado cercado de ciprestes,
com uma simples cruz de ferro. É um lugar de silêncio e oração.
O texto que leu foi tirado do apêndice histórico da edição
brasileira da obra de Gertrud von le Fort (A Última ao
Cadafalso, trad. de Roberto Furquim, Quadrante, São Paulo,
1998), e tem por base o livro de Bruno de Jesus Maria, O.C.D,
Le Sang du Carmel ou la véritable passion des seize
carmelites de Compiègne, Plon, Paris, 1954 e o informe do
Secretariatus pro monialibus, Curia Generalis O.C.D., As
Bem-aventuradas mártires de Compiègne, Roma, S.d. As
citações entre aspas, exceto quando é indicado o contrário,
provêm dos manuscritos da Irmã Maria da Encarnação. |
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