O título poderá
surpreender: “Cartas de amor e de dor”...
Não se trata aqui
de cartas de amor no género das que escreveu a “Religiosa portuguesa”, cartas
mundialmente conhecidas e reconhecidas como obra-prima da literatura amorosa
mundial : o amor aqui referido é o amor a Deus, o amor “que arde sem se ver” ,
que é “ferida que doe e não se sente” ,
que é paradoxal não sendo um paradoxo.
Alexandrina de
Balasar foi uma grande amorosa, amorosa de Deus e do comprimento à letra da sua
Palavra, da sua Vontade, dos seus Desígnios, por vezes incompreensíveis.
Vamos, tanto quanto
possível comentar as cartas que a Alexandrina escreveu ao seu Director
espiritual, o jesuíta Padre Mariano Pinho. Não vamos comentar todas elas, quer
dizer, desde 1933 até 1955, mas apenas aquelas dos três primeiros anos dessa
correspondência importantíssima : 1933 a 1935.
Comentando já estas
cartas, o próprio Padre Pinho confessa no seu livro “No Calvário de Balasar” :
« Não há
dúvida : a gente pasma, ao ver uma donzela do campo, quase analfabeta, sem nunca
ter frequentado agremiações nem lido obras de alta espiritualidade e literatura,
entrevada mais de trinta anos e em absoluto jejum nos últimos treze anos e meio
da sua existência, escrever ou ditar, sem prévio rascunho, tantos documentos de
autêntico valor literário, ascético e até teológico, de uma tal interioridade
que não é fácil igualar, e, sobretudo, manancial de luz abundante a revelar-nos
eloquentemente o que é em concreto a vida mística da verdadeira alma vítima ».
Mais adiante, na
mesma introdução ao livro citado, o digno sacerdote acrescenta ainda :
« Da abundância
do coração falam os lábios. Foi da abundância do coração, do seu intenso viver
íntimo que brotaram todas essas páginas da Alexandrina e elas revelam-nos tantas
coisas extraordinárias. Apesar da sua feição tão angelical, tão simples, tão
verdadeira, tão serena, tão sem complicações: aprouve à divina Providência
levá-la por vias nada vulgares e de autênticas maravilhas ».
E como se estes
elogios não fossem suficientes, ele, bom conhecedor e excelente director
espiritual — não só da Alexandrina, mas de muitas outras almas — afirma ainda :
« São belas de
mais, são preciosas de mais essas inúmeras páginas, para as julgarmos simples
fruto da imaginação e afectividade de uma pobre filha do campo, quase
analfabeta, entrevada, vivendo ininterruptamente em dores contínuas, mais de
trinta anos ».
Porquê esta
escolha ?
As
cartas destes três primeiros anos de correspondência contêm muitas informações
sobre o começo da vida espiritual da Alexandrina, da sua subida ao “Monte
Carmelo” como diria São João da Cruz. Durante este período, a Alexandrina parece
buscar o seu caminho que sendo já caminho de dor, vai cada vez mais
transformar-se em caminho de amor, em caminho conduzindo a Deus.
Não será este
caminho de amor um caminho plano e fácil ; nada na vida da Alexandrina foi
fácil ; por isso mesmo ela precisava de alguém, alguém experiente, que a
ajudasse, que a “conduzisse pela mão”, que a aconselhasse, que a animasse nos
momentos mais difíceis, de maneira a evitar os desânimos e os sempre possíveis
abandonos ; este Cireneu vai ser o Jesuíta, Padre Mariano Pinho.
Como se deu o
encontro ?
A própria
Alexandrina no-lo conta na Autobiografia. Ouçamo-la :
« Eu não tinha
nem sabia sequer o que era um director espiritual ;
apenas tinha o meu pároco como guia da minha alma.
Como minha irmã
fizesse um retiro aberto das Filhas de Maria ,
tomou nessa ocasião para seu director espiritual o conferente desse retiro, o
Sr. Dr. Mariano Pinho. Este, sabendo que eu estava doente,
mandou pedir as minhas orações, prometendo orar por mim. De vez em quando,
mandava-me um santinho. Passaram-se dois anos, e sabendo eu que ele estava
doente, sem saber como, senti tanta pena que comecei a chorar ; minha irmã
perguntou-me porque chorava, se o não conhecia sequer. Respondi-lhe : “Choro,
porque ele era meu amigo e eu também sou dele.”
Em 16 de Agosto
de 1933, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um tríduo ao Sagrado
Coração de Jesus, tomando-o então para meu director espiritual. Não lhe falei
nos oferecimentos que fazia ao sacrário, nem nos calores que sentia, nem na
força que fazia elevar ,
nem nas palavras que tomei como uma exigência de Jesus .
Pensava que era assim toda a gente. Só passados dois meses é que lhe falei nas
palavras de Jesus e do resto nada disse, porque nada compreendia como coisas de
Nosso Senhor. Apesar de Sua Reverência não me dizer que eram palavras de Nosso
Senhor, eu continuei sempre e cada vez mais unida a Nosso Senhor ».
« Eu não tinha
nem sabia sequer o que era um director espiritual ».
Feliz aquele que em
tudo é humilde e cujo caminho é a verdade !
A Alexandrina não
tem o mínimo receio em confessar que “nem sabia sequer o que era um director
espiritual”, mas desde que o Padre Mariano Pinho solicitou as suas orações,
prometendo orar igualmente por ela, ela sentiu por ele uma “atracção”
especial, um carinho espiritual que nunca mais desfaleceu e, como eram esses os
desígnios do Senhor, o bom e santo jesuíta tornou-se o Director espiritual que
ela não tinha, o “Cireneu” que de perto ou de longe, a ajudará a levar a cruz ao
cimo do Calvário. Essa “eleição” tem uma data precisa : 20 de Agosto de 1933.
Mas quem era o
Padre Mariano Pinho ?
Um seu colega
jesuíta, o Padre Fernando Leite, a nosso pedido, traçou, em poucas linhas, o
“retrato” deste homem excepcional, cuja causa, a nosso humilde ver, deveria ser
introduzida, em vista da sua beatificação e canonização :
« O Padre
Mariano Pinho nasceu no Porto a 16 de Janeiro de 1894. Entrou na Companhia de
Jesus a 7 de Dezembro de 1910. Não sendo ainda sacerdote, os superiores
destinaram-no ao Brasil onde, no Colégio António Vieira, Baía, leccionou e
fundou a revista Legionário das Missões.
Regressado a
Portugal, em 1923, partiu para Innsbruck, na Áustria, onde estudou Teologia e
graduando-se depois na Universidade de Comillas, Espanha.
Na sua Pátria
foi notável conferencista, pregador e Promotor incansável das Congregações
Marianas e Cruzada Eucarística, exercendo ao mesmo tempo o cargo de Director dos
seus órgãos de comunicação.
Em 1931 teve o
seu primeiro encontro com a Alexandrina Maria da Costa, a carismática de
Balasar. No ano seguinte começou a direcção espiritual, tendo-lhe o Senhor dito:
“Obedece em tudo ao teu pai espiritual. Não foste tu que o escolheste; fui eu
que to mandei”. Exerceu este cargo até 1942.
Tendo recebido a
Alexandrina o encargo de pedir ao Papa a Consagração do mundo ao Coração de
Maria, o Padre Pinho prestou-lhe a melhor colaboração.
Em 1938 pregou o
Retiro ao Episcopado Português. Por sua sugestão os nossos Bispos dirigiram uma
súplica colectiva ao Papa Pio XI, em ordem à consagração.
Endereçou mais
duas missivas do mesmo teor ao Secretário de Estado do Papa, o Cardeal Eugénio
Paccelli. A 2 de Março de 1939, foi eleito Papa, assumindo o nome de Pio XII.
Dezoito dias depois a 20 de Março de 1939, o Senhor comunica à sua confidente:
“Será este o Papa que fará a Consagração. O Papa de coração de oiro, está
resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria… Todo o mundo pertence ao
Coração Divino de Jesus; todo o mundo vai pertencer ao Coração Imaculado de
Maria”.
Efectivamente, a
31 de Outubro de 1942, Pio XII, dirigindo-se a Portugal e falando em português,
fez esta consagração, que renovou a 8 de Dezembro seguinte, na Basílica de São
Pedro.
Devido a uma
série de calúnias e informações maldosas, a 1 de Outubro de 1942, o Padre
Mariano Pinho recebe uma ordem terminante do seu Superior de cortar toda a
relação com a Alexandrina “directa ou indirecta, pessoal ou escrita”. Com um
intuito punitivo, foi mandado para um Seminário menor da Companhia de Jesus. O
seu Superior assim escreveu à Santa Sé : “Sofreu, como os santos, as piores
calúnias e tribulações, sem um lamento e sem quebra da sua alegria espiritual”.
E o Cardeal Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, assim o qualificou : “Era um santo!”.
Para poder
exercer doravante apostolado, em Fevereiro de 1946, voltou para o Brasil, onde
continuou a sua actividade espiritual.
Faleceu no
Recife a 11 de Julho de 1963.
Padre Fernando
Leite, SJ »
Aqui ficam as
indicações que pensamos necessárias antes de começarmos o comentário das cartas
do período acima referido.
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