Se queria a Missa...
« Balasar, 6 de Novembro de 1933
Senhor Padre
Pinho :
Principio por
lhe dizer que estou de posse de uma carta de Vossa Reverência. Escusado era
dizer-lhe que com isso sinto grande alegria. Leio-a e torno a lê-la, e com isso
me sinto muito bem. Naquelas palavras eu vejo como que uma luz a guiar a minha
pobre alma que tanto precisa de quem lhe infunda muito amor por o meu querido
Jesus a quem tão pouco sei amar.
Senhor Padre
Pinho, regressou bem de Fontão para Braga ? Foi feliz na viagem ? Desejava
saber, assim como do estado de saúde. Por saber de mim, bem que Vossa Reverência
toma cuidado ; mas em me mandar dizer como vai, esquece-se, a não ser uma
excepção.
Senhor Padre
Pinho, perguntava-me na última carta se eu era Maria dos Sacrários-Calvários.
Sim, sou. Se queria a Missa... Já há muito que tenho grandes saudades disso.
Quando soube que era Vossa Reverência que vinha fazer o tríduo, apesar de ainda
o não conhecer pessoalmente, falei à minha irmã para lhe fazer esse pedido, mas
por acanhamento e para lhe não exigir o sacrifício de pregar em jejum, não o
fizemos. Quando soube que sempre pregava em jejum, fiquei com pena. Agora se
isso se puder conseguir, para mim era uma grande alegria, que me não é possível
explicar-lhe. Mas apesar dessa alegria, custa-me imenso o grande sacrifício que
vai fazer em ter de vir em jejum, estando umas manhãs tão frias.
Agradeço-lhe o
santinho que me enviou para eu oferecer a minha mãe. Ela ficou muito contente, e
envia-lha muitas lembranças, assim como a Deolinda que espera ansiosa o tríduo
de Outiz.
Senhor Padre
Pinho, cá estou eu a dizer-lhe duas palavrinhas apenas, porque não me sinto com
forças para mais. Esta noite passei-a mal ; não encontrava posição para estar,
mas assim vou passando dia melhor, dia pior, com esta cruz que Nosso Senhor me
dá.
Amanhã acabo a novena
, como me
mandou dizer pela Deolinda. Parece-me que Nosso Senhor daqui só me levará para o
Céu. Vejo que continua pedindo por mim, mas eu também nunca o esqueço.
Peço que me
abençoe. A
A. M. Costa »
“Principio por
lhe dizer que estou de posse de uma carta de Vossa Reverência”.
Assim começa esta carta da Alexandrina, a sétima escrita ao Padre Mariano Pinho.
E como sempre, quando dele recebe uma carta, a alegria é grande e, nesta mais
do que noutras, sente-se bem : nem era necessário que o dissesse. Isso mesmo
ela o pensa, porque também o diz : “Escusado era dizer-lhe que com isso sinto
grande alegria”. E porque se sente feliz, lê essa carta várias vezes, porque
ela lhe trás notícias prometedoras que vão no sentido dos seus ardentes desejos,
mas não adiantemos... Alexandrina confessa : “Leio-a e torno a lê-la, e com
isso me sinto muito bem”, porque hoje mais do ontem, aquelas palavras
soam-lhe bem no coração, acendem nele novos braseiros ardentes de amor.
Ela diz :
“Naquelas palavras eu vejo como que uma luz a guiar a minha pobre alma que tanto
precisa de quem lhe infunda muito amor por o meu querido Jesus a quem tão pouco
sei amar”.
Vimos na carta
precedente que o Padre Mariano Pinho ia deixar Braga e viajar até Fontão.
No momento em que a
Alexandrina responde à sua carta, ele já está de novo na cidade de Braga, onde
se ocupa dos seus numerosos afazeres. Mas a sua dirigida quer mais notícias :
saber como decorreu a estadia e a viagem de retorno, assim como vai a saúde
dele. Todas estas perguntas poderão parecer pieguices femininas, o que seria um
erro, visto que a preocupação da Alexandrina é sincera, responde a um critério
de reciprocidade e tem um fundamento que ela logo a seguir explica de maneira
sensata : “Por saber de mim, bem que Vossa Reverência toma cuidado ; mas em
me mandar dizer como vai, esquece-se, a não ser uma excepção”.
Depois de lhe
perguntar, ultimamente, se ela estava inscrita nas Filhas de Maria, o Padre
Mariano Pinho pergunta-lhe agora se ela também é “Maria dos
Sacrários-Calvários”, outra associação semelhante aquela das Filhas de
Maria, mas cuja dedicação e fundamento é aquela dos sacrários, sobretudo aqueles
que estão mais abandonados.
Esta obra fundado pelo sacerdote
espanhol Manuel Gonzalez Garcia,
depois bispo de Málaga e de Palência — agora canonizado —, tinha-se propagado rapidamente em Portugal
e estava instalada em várias dioceses, entre as quais a Arquidiocese de Braga.
O objecto mesmo
desta Obra não podia deixar a Alexandrina indiferente, visto que é uma obra de
carácter especificamente eucarístico.
A resposta que dá
ao seu Director espiritual é curta mas suficiente : “Sim, sou”.
Depois, ela
responde àquela pergunta que provavelmente mais chamou a sua atenção : “Gostaria
que fosse celebrada Missa no seu quarto ?”
Diríamos, como diz
o nosso povo que é tão sábio e que muito bem sabe resumir : “É a mesmo coisa que
perguntar a um cego se ele quer ver !”
Evidentemente, esta
é a notícia que tem o efeito de fogo de artifício no coração da Alexandrina ; se
queria... mas isso nem se pergunta...
A sua resposta aqui
é clara, mas motivada :
“Se queria a
Missa... Já há muito que tenho grandes saudades disso. Quando soube que era
Vossa Reverência que vinha fazer o tríduo, apesar de ainda o não conhecer
pessoalmente, falei à minha irmã para lhe fazer esse pedido, mas por acanhamento
e para lhe não exigir o sacrifício de pregar em jejum, não o fizemos”.
Alexandrina pensara
já nessa possibilidade, mas por acanhamento ― note-se aqui a sua
delicadeza ! ― não ousou fazer esse pedido ao bom sacerdote : primeiramente por
“ainda o não conhecer pessoalmente”, e depois para o não o obrigar a
estar “em jejum” até à hora em que celebrasse a Missa no seu quarto.
Depois soube que o
Padre Pinho “sempre pregava em jejum” e por isso ficou com pena de não
lhe ter falado.
Mas agora que a
proposta lhe é assim feita tão gentilmente, para ela é “uma grande alegria que
não é possível explicar”. Todavia esta mesma alegria é moderada pelo facto de
saber que, mesmo assim, terá de fazer um grande sacrifício, pois terá mesmo que
permanecer em jejum até essa hora, o que custa muito à Alexandrina, sobretudo
“estando umas manhãs tão frias”.
Atencioso, o Padre
Mariano Pinho tinha enviado à Alexandrina uma estampa para que ela a oferecesse
a sua mãe, Maria Ana, que “ficou muito contente, e envia-lha muitas
lembranças”.
Quanto a Deolinda,
a irmã mais velha, esta “espera ansiosa o tríduo de Outiz”, porque terá
então nova ocasião de se encontrar com o seu Director espiritual e falar-lhe da
sua alma, assim como do estado de sua irmão que permanece acamada.
Alexandrina
continua a sua carta explicando ao sacerdote os seus problemas de saúde, mas
conforma-se à vontade de Deus, “passando dia melhor, dia pior, com aquela
cruz que Nosso Senhor lhe dá”.
Mas, o seu mal não
permite de se alongar muito : apenas mais “duas palavrinhas apenas, porque
não me sinto com forças para mais”, para o informar que “amanhã acabo a
novena, como me mandou dizer pela Deolinda”. E ainda bem, porque
“parece-me que Nosso Senhor daqui só me levará para o Céu”.
Sente-se ajudada e
por isso reconfortada, porque vê e sente que o seu Pai espiritual “continua
pedindo por ela”, e afirma ela que “também nunca o esquece” nas suas
orações.
E, como em todas as
cartas, termina esta também com o mesmo pedido :
“Peço que me
abençoe. A
A. M. Costa”.
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