“Reverendíssimo Senhor Doutor”
« Viva Jesus !
Data incerta (31
de Dezembro de 1933) ?
Rev.mo
Senhor Doutor :
Então, como
passou a viagem de Braga para a nova morada de Vossa Reverência ? Tenho pedido
muito ao meu querido Jesus, para que fosse muito feliz. Sim, nova morada, não
porque eu tenha quem me diga que é deveras para não voltar para Braga, mas eu,
que já estou habituada em casos idênticos a estes de ser enganada, julgo que
desta vez me acontecerá o mesmo. Oh ! que dias tão tristes eu tenho passado !
Parece-me que não há nada que me console ao lembrar-me a distância que me separa
do meu querido paizinho espiritual. Bendito seja Nosso Senhor que me mandou a
este mundo para sofrer e passar tantos desgostos, e eu acrescentei tantos e
tantos pecados. São esses os que mais me afligem, por tanto desgostarem a Nosso
Senhor. Os sofrimentos todos os dias os peço, e sinto uma grande consolação
espiritual nas horas em que eu mais sofro, por me lembrar que tenho mais que
oferecer ao meu bom Jesus. Mas há coisas que muito custam a passar ; porém,
faça-se a vontade de Nosso Senhor e não a minha. Não deixa de eu chorar e
desabafar.
Senhor Doutor,
agora tenho a agradecer a cartinha que me mandou pela minha irmã, e os muitos
santinhos. Muito obrigada por tudo. Nosso Senhor lhe pague tudo, assim como o
grande sacrifício que fez, porque o bom Jesus não deixará de pagar o que eu não
posso fazer.
Senhor Doutor,
peço que me abençoe e peça muito por mim.
Alexandrina Maria da Costa ».
Esta carta da
Alexandrina de que se ignora a data exacta, tem algo de particular, quando é
comparada às outras que dela temos. Explicamos :
É a primeira vez
que encontramos o título de “Reverendíssimo Senhor Doutor”, o que nos parece um
pouco estranho.
O Padre Mariano
Pinho, licenciado em Teologia pela Pontifícia Universidade de Comilhas de
Santander em Espanha, era na verdade “Doutor em teologia”, desde 1929, portanto
antes mesmo que a Alexandrina o conhecesse.
Seria que até esta
data ela o ignorasse e que, sabendo-o agora lhe quisesse fazer uma pequena
surpresa chamando-lhe “Reverendíssimo Senhor Doutor”, mostrando-lhe assim o que
“descobrira” ? Não o sabemos. O que é certo é que ao terminar esta mesma carta,
voltará a tratá-lo por “Senhor Doutor”.
Sabemos igualmente
que a Alexandrina tinha muito humor e, não nos admiraria que o “trato” dado ao
bom sacerdote, fosse justamente um traço desse humor que lhe era particular e
que possivelmente a devia fazer rir algumas vezes, visto que isso lhe lembrava
as “marotices” que fazia em criança e mesmo quando, já mais tarde, trabalhava
nos campos e trepava às árvores ou corria por cima dos muros.
A carta continua
com esta interrogação que merece esclarecimento :
“Então, como
passou a viagem de Braga para a nova morada de Vossa Reverência ?”
O Padre Mariano
Pinho tinha permanecido em Braga, desde 1931 até então, onde se ocupava da
publicação do “Mensageiro do Coração de Jesus”. Os seus Superiores,
reconhecendo o mérito do zeloso sacerdote nomearam-no director da revista
Brotéria, cargo que ocupará até 1935. Mas esta revista e a sua respectiva
redacção estavam situadas em Lisboa, eis a razão porque teve de mudar e daí a
inquietação da Alexandrina para conhecer a “nova morada de Sua Reverência”,
na capital. Ali trabalhará com o Padre Agostinho
Veloso que mais tarde se tornará o maior inimigo do seu colega e até mesmo o
maior inimigo da Beata Alexandrina.
Em Lisboa o Padre
Mariano Pinho será também, neste mesmo período, superior da Casa os Escritores
de S. Roberto Belarmino.
Triste porque o seu
Pai espiritual vai para mais longe ― Braga está perto de Balasar ― ela aceita
esta nova prova e, mesmo se magoada, ela continua pedindo muito ao seu
querido Jesus, para que fosse muito feliz”.
Tendo sofrido
diversas desilusões, ela tornou-se agora mais “desconfiada” acerca de
certas coisas, por isso mesmo ela escreve :
“Sim, nova
morada, não porque eu tenha quem me diga que é deveras para não voltar para
Braga, mas eu, que já estou habituada em casos idênticos a estes de ser
enganada, julgo que desta vez me acontecerá o mesmo”.
Depois, deixando de
lado este problema da mudança do Padre Pinho de Braga para Lisboa, ela fala do
seu estado, daquilo que então sente na sua alma e no seu corpo.
“Oh ! que dias
tão tristes eu tenho passado !”
Mas, como se esta
exclamação voltasse a despertar e a reavivar nela o pesar que sentia pela
partida, “para terras do Demo”, do seu Director, ela volta a queixar-se :
“Parece-me que
não há nada que me console ao lembrar-me a distância que me separa do meu
querido paizinho espiritual”.
Mas este queixume é
apenas momentâneo, depressa o espiritual vem à tona e ei-la de novo forte e
pronta a aceitar aquilo que for da vontade do Senhor, porque será também a
dela :
“Bendito seja
Nosso Senhor que me mandou a este mundo para sofrer e passar tantos desgostos, e
eu acrescentei tantos e tantos pecados. São esses os que mais me afligem, por
tanto desgostarem a Nosso Senhor”.
Nos escritos da
Alexandrina os paradoxos são frequentes e quase mereceriam um estudo especial.
Vejamos o que a seguir diz :
“Os sofrimentos
todos os dias os peço, e sinto uma grande consolação espiritual nas horas em que
eu mais sofro, por me lembrar que tenho mais que oferecer ao meu bom Jesus”.
Ela “sente mais
consolação espiritual nas horas em que mais sofre !” E é compreensível,
visto que não há verdadeiro amor sem sofrimento, porque “amar é morrer um
pouco”, é dar a vida pelo ser amado ; não morrer, entenda-se, mas esquecer a
própria vida por amor da vida do ser amado e para que esta cresça igualmente no
seu próprio amor...
Mas, certo é que
“há coisas que muito custam a passar”.
Todavia, quando se ama, a medida do amor não existe, sobretudo quando se trata
do Amor de Deus. Então, a melhor coisa, a melhor solução, é aquela que utiliza
regularmente a Alexandrina : “Faça-se a vontade de Nosso Senhor e não a
minha”.
Mas a aceitação da
vontade divina não impede nem exclui que continuemos a ser humanos e a sentir
como humanos. É o que acontece com a “Doentinha de Balasar” que confessa
humildemente :
“Não deixa de eu
chorar e desabafar”.
Ao terminar a sua
carta, a Alexandrina vai de novo utilizar o “Senhor Doutor” por duas
vezes. Primeiramente para agradecer a carta e os “santinhos” que este lhe tinha
enviado por intermédio de Deolinda e logo a seguir para lhe pedir que a abençoe
e reze por ela.
“Senhor Doutor,
agora tenho a agradecer a cartinha que me mandou pela minha irmã, e os muitos
santinhos. Muito obrigada por tudo. Nosso Senhor lhe pague tudo, assim como o
grande sacrifício que fez, porque o bom Jesus não deixará de pagar o que eu não
posso fazer.
Senhor Doutor,
peço que me abençoe e peça muito por mim.
Alexandrina
Maria da Costa”. |