Meu bom pai espiritual
« Viva Jesus !
Balasar, 7 de Abril de 1934
Meu
bom pai espiritual :
Agradeço do íntimo da minha alma mais uma cartinha que me enviou e
um lindo santinho e umas estampazinhas, assim como tudo que fez por
mim no dia dos meus anos. Queria-lhe agradecer por minhas mãos. Com
grande sacrifício o faço, escrevendo estas poucas linhas ; com
certeza serão as últimas. Peço desculpa ; não posso mais. A Deolinda
lhe dirá o resto.
Senhor Padre Pinho, o meu sofrimento tem aumentado muito, mas muito.
É por essa razão que eu digo que serão as últimas linhas que lhe
escrevo. Está-me quase a ser impossível segurar a pena no mão por
alguns minutos. São tantas, tantas as dores, que me fazem sentir
essa impressão. Mas no meio de todos os meus sofrimentos, eu sinto
grande consolação espiritual, porque vejo que de todos os pedidos
que faço a Nosso Senhor conheço que neste sou bem atendida. Oxalá o
meu querido Jesus se digne conceder-me todos os mais que Lhe peço e
que O não ofenda pedindo-lhe graças tão grandes, sendo eu a maior de
todas as pecadoras.
Senhor Padre Pinho, estimo que tenha passado umas festas da Páscoa
muito alegres, mais do que foram as minhas. O que tive que mais me
consolou foi um bom folar com que o meu Jesus me presenteou nesse
dia com uma oferta de grandes sofrimentos. Tudo o mais se me
apresentava triste, porque além dos sofrimentos do corpo, tenho
também sofrido muito espiritualmente. Essa doença da alma só me será
curada se Nosso Senhor me conceder a graça de o tornar a ver ao pé
de mim, porque então desabafarei à minha vontade.
Senhor Padre Pinho, sabe uma coisa que me tem esquecido de lhe
falar ? É que todos os dias tenho ouvido Missa de Vossa Reverência
aí em Lisboa. Desde que me mandou dizer, me tenho unido em espírito,
e peço a Nosso Senhor que me faça participar dos frutos da Santa
Missa. Nem a Quinta-feira Santa me escapou ; estavam para dar oito
horas, quando me recordei que não havia Missa nesse dia.
Agora peço-lhe que me perdoe todas as minhas faltas, e que por
caridade não me esqueça junto de Nosso Senhor, que muito preciso das
orações de Vossa Reverência, que eu da minha parte nunca o poderei
esquecer nem na terra nem no Céu.
Muitas lembranças de minha mãe e da Deolinda.
Peço-lhe, por amor de Nosso Senhor, que me abençoe.
Sou
a pobre
Alexandrina Maria da Costa »
*****
O
começo desta carta é original : é a primeira ver que ela chama
“meu bom Pai espiritual” ao Padre Mariano Pinho, o que está mais
em harmonia com a conivência entre estas duas almas de elite do que
aquele pomposo “Reverendíssimo Senhor Doutor”, que
encontrámos em duas das cartas.
Alexandrina tendo recebido uma carta do seu “bom Pai espiritual”,
começa por agradecer esta “e um
lindo santinho e umas estampazinhas” que
este lhe enviara, como muitas vezes o fez e fará ainda.
Como
Alexandrina, também o bom sacerdote não esqueceu o aniversario da
sua dirigida ― 30 de Março ― e por ela deve ter orada e certamente
celebrado uma missa, porque na carta que hoje escreve ela agradece
igualmente por “tudo que fez por mim no dia dos meus anos”.
Em forma de agradecimento, ela escreve, ela mesma, as primeiras
linhas desta carta, como a seguir explica :
“Queria-lhe agradecer por minhas mãos. Com grande sacrifício o faço,
escrevendo estas poucas linhas ; com certeza serão as últimas”.
Mas
escrever tornou-se para ela um suplício indizível... “Peço
desculpa ; não posso mais. A Deolinda lhe dirá o resto”,
acrescenta ela, deixando depois a irmã escrever o resto, que lhe vai
ditar.
E
começa por lhe dar notícias da sua saúde que é precária :
“Senhor Padre Pinho, o meu sofrimento tem aumentado muito, mas
muito. É por essa razão que eu digo que serão as últimas linhas que
lhe escrevo. Está-me quase a ser impossível segurar a pena no mão
por alguns minutos”.
Apesar
desta impossibilidade de “segurar a
pena no mão por alguns minutos”, porque
“são tantas, tantas as dores, que me fazem sentir essa impressão”,
ela escreverá, por intermédio da sua “secretária” centenas,
milhares de páginas de grande beleza espiritual : são mais de cinco
mil !...
Mas a
submissão ― diríamos automática ― à vontade divina, supera todos
esses males, todos esses problemas que continuamente “povoam” a vida
da Alexandrina.
“Mas
no meio de todos os meus sofrimentos ― diz
ela humildemente ―, eu sinto grande consolação espiritual, porque
vejo que de todos os pedidos que faço a Nosso Senhor conheço que
neste sou bem atendida”.
Não
esqueçamos o que ela escreveu na sua Autobiografia : “Vinha,
desde há muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento”,
e porque o pediu, e porque Jesus lho concedeu, sente neste
“grande consolação espiritual”.
Na
mesma Autobiografia, ela diz ainda : “Nosso
Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a
dor por tudo quanto há no mundo”,
explicação que melhor nos ajudará a compreender o que nesta carta
diz a seguir : “Oxalá o meu querido Jesus se digne conceder-me
todos os mais que Lhe peço e que O não ofenda pedindo-lhe graças tão
grandes, sendo eu a maior de todas as pecadoras”.
Passara
a Semana Santa e as festas de Páscoa. A solicitude da Alexandrina
para com o seu “bom Pai espiritual” não diminui, mesmo se a
distância entre eles aumentou e, esta “obriga-a” a querer saber
notícias, saber como passou justamente aquela festa da Ressurreição
do Senhor :
“Senhor Padre Pinho, estimo que tenha passado umas festas da Páscoa
muito alegres”.
No que
lhe diz respeito, elas foram como sempre são os outros dias :
sofrimento contínuo, o que a leva a dizer ao seu Director e a
desejar-lhe que as dele fossem “mais felizes do que foram
as minhas”.
E, como
na Páscoa era hábito oferecer o folar, ela emprega essa expressão
para explicar como a Páscoa dela se passou :
“O que tive que mais me consolou foi um bom folar com que o meu
Jesus me presenteou nesse dia com uma oferta de grandes
sofrimentos”.
Mas ela
não se queixa, apenas explica como se sente, para que o seu Paizinho
esteja ao corrente : “Tudo o mais se me
apresentava triste, porque além dos sofrimentos do corpo, tenho
também sofrido muito espiritualmente”.
Sofrer
espiritualmente e não tendo a quem se confiar, com quem desabafar ou
de quem receber conselhos, não é tarefa fácil, mesmo se o correio
pode levar certas notícias ao longe, certas coisas há que não podem
ser explicadas por carta, mesmo se aquele ou aquela que escreve é
culta e tem a arte de desenvolver e detalhar os assuntos que deseja
tratar.
A
Alexandrina, assim como sua irmã Deolinda, nada mais tinham, do
ponto de vista escolar, que os rudimentos da língua, as primeiras
bases da instrução primária, o que pode em parte explicar esta
dificuldade, mas ela não explica tudo, visto que, como dizíamos
acima, certas coisas há que só de viva voz podem ser bem explicadas
e detalhadas.
Disso
quer a Alexandrina falar quando diz ao seu Director espiritual que
“essa doença da alma só me será
curada se Nosso Senhor me conceder a graça de o tornar a ver ao pé
de mim, porque então desabafarei à minha vontade”.
Mas a
vinda do homem de Deus a Balasar só está programada “para o
verão”...
Alexandrina lembra-se então de algo que ainda não dissera ao Padre
Pinho, mas o que lhe vai dizer tem qualquer coisa de vago, que não
conseguiremos bem explicar, certamente. Vejamos o que ela diz :
“Senhor Padre Pinho, sabe uma coisa que me tem esquecido de lhe
falar ? É que todos os dias tenho ouvido Missa de Vossa Reverência
aí em Lisboa”.
Poderíamos pensar que através da rádio ouvisse a missa celebrada
pelo seu “bom Pai espiritual”, mas parece que não, porque logo a
seguir diz ainda :
“Desde que me mandou dizer, me tenho unido em espírito, e peço a
Nosso Senhor que me faça participar dos frutos da Santa Missa”.
Perguntamos agora, como tem ela “todos
os dias tenho ouvido Missa de Vossa Reverência aí em Lisboa”,
se logo a seguir afirma que se tem “unido em espírito”. Ainda
que não parece incompatível ouvir a Missa e unir-se em espírito a
esta, ficamos mesmo assim com esta dúvida, porque em 1934, a rádio
não estava, em Portugal, tão desenvolvida que permitisse, como
agora, transmissões directas...
Outra
hipótese ainda nos surge ― e sabendo dos carismas de que beneficiou
a Alexandrina, nada nos admiraria que assim pudesse ser ― ela
assistia a essa Missa como se nesse momento estivesse em estado de
bilocação,
o que também lhe aconteceu algumas vezes.
Frisamos bem que aqui se trata de uma hipótese e não duma
afirmação !...
Esta
outra frase da mesma carta, poderia quase dar razão ao que acabamos
de dizer e de expor como sendo uma hipótese de interpretação do
texto :
“Nem
a Quinta-feira Santa me escapou ; estavam para dar oito horas,
quando me recordei que não havia Missa nesse dia”.
Vai
despedir-se agora do seu “bom Pai espiritual” e pedir-lhe,
como sempre “que lhe perdoe todas
as suas faltas, e que por caridade não a esqueça junto de Nosso
Senhor, que muito precisa das orações de Sua Reverência”.
Como
sempre também, assegura o seu Director “que
ela da sua parte nunca o poderá esquecer nem na terra nem no Céu”.
Seguem,
como sempre também as civilidades habituais e o habitual também
pedido de benção, e assina...
“Muitas lembranças de minha mãe e da Deolinda.
Peço-lhe, por amor de Nosso Senhor, que me abençoe.
Sou
a pobre
Alexandrina Maria da Costa”
Simples
carta, mas grande em profundidade espiritual !
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