a vidente da Medalha
Milagrosa
Por
muitos anos ninguém soube como surgiu a Medalha Milagrosa. Apenas em
1876 tornou-se público que uma humilde religiosa, falecida naquele
ano, é que recebera da Mãe de Deus a revelação dessa Medalha.
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Na
pequena aldeia de Fain-les-Moutiers, na Borgonha, Catarina nasceu a
2 de maio de 1806, a nona dos onze filhos de
Pedro e Luísa Labouré,
honestos e religiosos agricultores.
Quando
tinha apenas nove anos, Catarina perdeu a mãe. Após o funeral, a
menina subiu numa cadeira em seu quarto, tirou uma imagem de Nossa
Senhora da parede, osculou-a e pediu-lhe que Ela se dignasse
substituir sua mãe falecida.
Três
anos depois, sua irmã mais velha entrou para o convento das Irmãs da
Caridade de São Vicente de Paulo. Couberam a Catarina, então com 12
anos, e à sua irmã Tonete, com 10, todas as responsabilidades
domésticas. Foi nessa época que ela recebeu a Pri-meira Comunhão. A
partir de então a menina passou a levantar-se todos os dias às
quatro horas da manhã, para assistir à Missa e rezar na igreja da
aldeia. Apesar dos inúmeros afazeres, não descuida-va sua vida de
piedade, encontrando sempre tem-po para meditação, orações vocais e
mortificações.
São Vicente de Paulo indica-lhe sua vocação
O tempo
foi passando, e Catarina crescendo em graça e santidade. Certo dia
ela sonhou que estava na igreja e viu um sacerdote já ancião
celebrando a Missa. Quando esta terminou, o sacerdote fez-lhe um
sinal com o dedo, chamando-a para perto de si. Porém, tímida,
Catarina retirou-se do recinto sagrado e foi visitar um doente. O
mesmo sacerdote apareceu-lhe, e disse: “Minha filha, é uma boa
obra cuidar dos enfermos; você agora foge de mim, mas um dia será
feliz de me encontrar. Deus tem desígnios sobre você, não se
esqueça”. Catarina acordou sem entender o significado do sonho.
Mais
tarde, visitando o convento das Irmãs da Caridade de Chatillon, onde
estava sua irmã, viu na parede um quadro representando o mesmo
ancião. Perguntou quem era, e responderam-lhe que se tratava de São
Vicente de Paulo, fundador da Congregação. Catarina entendeu então
que sua vocação era a de ser uma das filhas do Santo da caridade.
Mas seu
pai não queria ouvir falar disso. Já bastava ter dado uma filha a
Deus, e ele tinha muito apego a Catarina. Para distraí-la dessa
ideia, mandou-a a Paris, para ajudar seu irmão que tinha lá uma
pensão. Foi uma provação para a santa ver-se em meio aos rudes
fregueses do estabelecimento, o que a fez redobrar as orações para
manter sua pureza de coração e o fervor de espírito.
Uma
cunhada a convidou a ir para sua casa, em Chatillon, onde mantinha
uma escola para moças. Ali Catarina podia ir frequentemente ao
mosteiro das Irmãs da Caridade, que ficava perto. E foi nessa casa
religiosa que ela entrou a 22 de janeiro de 1830, quando seu pai
deu-lhe finalmente a devida permissão. Catarina tinha então 24 anos
de idade.
Preparação para importantes revelações
Depois
de passar pelo postulantado em Chatillon, Catarina foi mandada para
o noviciado na Casa-mãe das vicentinas, na Rue du Bac, em Paris.
Nesses dias, a comunidade rezava uma solene novena preparatória para
a trasladação das relíquias de São Vicente de Paulo.
Catarina teve várias visões do Santo, e sobretudo do seu coração,
que ficara incorrupto. Mas era agraciada com outras visões
especiais. Conforme narra ela mesma, uma delas
“era a de ver
Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Eu O vi durante todo o tempo
do meu noviciado, excepto todas as vezes que eu duvidava; nesses
dias eu nada via, porque procurava aprofundar-me em indagações sobre
este mistério, e temia enganar-me”.
No domingo da Santíssima Trindade,
“Nosso Senhor me
apareceu no Santíssimo Sacramento durante a Missa cantada, como um
rei, tendo uma cruz ao peito. No momento do Evangelho, pareceu-me
que a cruz caía aos pés de Nosso Senhor e que Ele estava sem as
insígnias reais; todas tinham caído por terra. Tive então os mais
negros e tristes pensamentos: pensei que o Rei da Terra estava
perdido e ia ser despojado da realeza; e depois disso pensei, sem
saber explicar, na extensão dos grandes males que viriam”.
Com efeito, poucas semanas depois, Carlos X foi destituído do trono
e banido do reino.
Essas
graças eram uma preparação para as grandes aparições da Mãe de Deus.
Primeira visão da Santíssima Virgem
Na
véspera da festa de São Vicente, ainda em 1830, a Mestra de Noviças
tinha feito uma prelecção sobre a devoção aos santos, e
especialmente a Nossa Senhora. Isso inflamou na Irmã Catarina o
desejo de ver a Mãe de Deus. Quando foi deitar-se, pegou um
pedacinho de uma sobrepeliz de São Vicente, que a Mestra tinha dado
como relíquia às noviças, e engoliu-o, julgando assim que São
Vicente poderia alcançar-lhe essa graça.
Quando
tudo no convento estava tranquilo e todos dormiam, às onze e meia da
noite, a Irmã Catarina ouviu uma voz de criança que a chamava. Abriu
o cortinado do leito e viu um menino de uns cinco anos de idade, que
lhe disse: “Venha à capela. A Santíssima Virgem a espera”.
Catarina vestiu-se rapidamente e seguiu a criança até a capela, que
estava iluminada como para a Missa de Natal.
O
menino, que era o Anjo da Guarda de Catarina, conduziu-a ao
presbitério, para junto da cadeira do Padre Director. Aí ela
ajoelhou-se. Depois de um tempo que lhe pareceu longo, ouviu o ruído
do frufru de um vestido de seda e viu a Santíssima Virgem
sentar-se na cadeira. Conta-nos Catarina:
“Ela me disse
como eu devia proceder para com meu director, como devia proceder
nas horas de sofrimento e muitas outras coisas que não posso
revelar”.
Essas
coisas que ela não podia contar em 1830, revelou-as depois:
“Várias desgraças vão cair sobre a França; o trono será derrubado; o
mundo inteiro será revolto por desgraças de toda sorte”. Falou
também de “grandes abusos” e “grande relaxamento” nas
comunidades de sacerdotes e freiras vicentinas, e que deveria
alertar disso os superiores.
Voltou,
em seguida, a falar de outros terríveis acontecimentos que
ocorreriam em futuro mais distante, prevendo com 40 anos de
antecedência as agitações da Comuna de Paris e o assassinato do
Arcebispo; prometeu sua especial protecção, nessas horas trágicas,
aos filhos e às filhas de São Vicente de Paulo.
Revelação extraordinária da Medalha Milagrosa
No dia
27 de novembro de 1830, Catarina havia acabado de fazer a leitura da
meditação, na capela, quando ouviu o característico frufru de
um vestido de seda. Olhou para o lado e viu Nossa Senhora vestida de
branco, sobre uma meia esfera. Tinha nas mãos uma bola que
representava o globo terrestre, e olhava para o Céu.
“De
repente — narra
Catarina — percebi anéis nos seus dedos, engastados de pedras
brilhantes, umas maiores e mais belas do que as outras, das quais
saíam raios que eram, também, uns mais belos que os outros”.
Nossa Senhora explicou-lhe que tais raios simbolizavam as graças que
derramava sobre as pessoas que as pediam.
Continua Catarina:
“Formou-se um quadro em torno da Santíssima Virgem, de forma oval,
no alto do qual estavam escritas, com letras de ouro, estas
palavras: Ó Maria concebida
sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!”
Ao mesmo tempo, uma voz disse-lhe para mandar cunhar uma medalha
conforme aquele modelo, com a promessa de que as pessoas que a
trouxessem ao pescoço receberiam muitas graças,
“principalmente as que a trouxessem
com inteira confiança”.
Instantes depois o quadro girou sobre si mesmo, e Catarina viu o
reverso da medalha.
Difusão da Medalha e graças operadas
Catarina perguntou a Nossa Senhora a quem recorrer para confecção da
medalha. A Mãe de Deus respondeu-lhe que deveria procurar seu
confessor, o Pe. João Maria Aladel: “Ele é meu servidor”. No
início, o Pe. Aladel não acreditou no que Catarina dizia; mas, após
dois anos de insistência, ele procurou o Arcebispo, que ordenou em
20 de junho de 1832 que fossem cunhadas duas mil medalhas.
O modo
como se difundiram as medalhas foi tão prodigioso, juntamente com
grande número de graças operadas, que a medalha passou a ser
conhecida como Medalha Milagrosa. Por exemplo, em março de
1832, quando iam ser confeccionadas as primeiras medalhas, uma
terrível epidemia de cólera, proveniente da Europa oriental, atingiu
Paris. Mais de 18 mil pessoas morreram em poucas semanas. Num único
dia, chegou a haver 861 mortes.
No fim
de junho, as primeiras medalhas ficaram prontas e começaram a ser
distribuídas entre os flagelados. Na mesma hora refluiu a peste, e
tiveram início, em série, os prodígios que em poucos anos tornariam
a Medalha Milagrosa mundialmente célebre.
A
missão de Catarina Labouré estava cumprida. Os 46 anos que lhe
restaram de vida, ela os passou como uma humilde irmã, da qual
praticamente nada havia para falar. Só quando se aproximou sua
morte, em 1876, sua superiora soube que fora ela a privilegiada Irmã
que recebera aquela sublime missão.
Ela foi
beatificada pelo Papa Pio XI em 1933 e canonizada no dia 27 de julho
de 1947 pelo Papa Pio XII.
Cinquenta e seis anos após sua morte, o corpo de Catarina foi
encontrado inteiramente incorrupto, e é como se encontra ainda hoje
na capela das Irmãs da Caridade, na Rue du Bac, em Paris.
Plinio
Maria Solimeo
Revista Catolicismo
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