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DOMINGO
DE RAMOS
NA PAIXÃO DO SENHOR
— C — |
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Procissão de Ramos
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Lucas (Lc 19, 28-40)
Naquele tempo,
Jesus seguia à frente dos seus discípulos, subindo para Jerusalém.
Quando Se aproximou
de Betfagé e de Betânia, perto do Monte das Oliveiras, enviou dois discípulos e
disse-lhes: «Ide à povoação que está em frente e, ao entrardes nela,
encontrareis um jumentinho preso, que ainda ninguém montou. Soltai-o e trazei-o.
Se alguém perguntar porque o soltais, respondereis: ‘O Senhor precisa dele’».
Os enviados
partiram e encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito. Quando es-tavam a soltar
o jumentinho, os donos perguntaram: «Porque soltais o jumentinho?» Eles
responderam: «O Senhor precisa dele». Então levaram-no a Jesus e, lançando as
capas sobre o jumentinho, fizeram montar Jesus.
Enquanto Jesus
caminhava, o povo estendia as suas capas no caminho. Estando já próximo da
descida do Monte das Oliveiras, toda a multidão dos discípulos começou a louvar
alegremente a Deus em alta voz por todos os milagres que tinham visto, dizendo:
«Bendito o Rei que
vem em nome do Senhor. Paz no Céu e glória nas alturas!».
Alguns fariseus
disseram a Jesus, do meio da multidão:
«Mestre, repreende
os teus discípulos».
Mas Jesus
respondeu: «Eu vos digo: se eles se calarem, clamarão as pedras». |
Missa
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Leitura do Livro de Isaías (Is 50, 4-7)
O Senhor deu-me a
graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento
aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu
escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não
resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face
aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e
cuspiam.
Mas o Senhor Deus
veio em meu auxílio, e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro
como pedra, e sei que não ficarei desiludido. |
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Salmo 21 (22), 8-9.17-18a.19-20.23-24 (R. 2a)
Todos
os que me vêem escarnecem de mim,
estendem os lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é seu amigo».
Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.
Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.
Hei-de
falar do vosso nome aos meus irmãos,
hei-de louvar-Vos no meio da assembleia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel. |
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Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo
aos Filipenses (Filip 2, 6-11)
Cristo
Jesus, que era de condição divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz.
Por
isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai. |
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Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Lucas (Lc 22, 14 –23, 56)
N |
Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas |
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Quando
chegou a hora, Jesus sentou-Se à mesa com os seus Apóstolos e
disse-lhes: |
J |
«Tenho
desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer; pois
digo-vos que não tornarei a comê-la, até que se realize plenamente no
reino de Deus» |
N |
Então,
tomando um cálice, deu graças e disse: |
J |
«Tomai e
reparti entre vós, pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto da
videira, até que venha o reino de Deus». |
N |
Depois
tomou o pão e, dando graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: |
J |
«Isto é o
meu corpo entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». |
N |
No fim da
ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo: |
J |
«Este
cálice é a nova aliança no meu Sangue, derramado por vós. Entretanto,
está comigo à mesa a mão daquele que Me vai entregar. O Filho do homem
vai partir, como está determinado. Mas ai daquele por quem Ele vai ser
entregue!» |
N |
Começaram
então a perguntar uns aos outros qual deles iria fazer semelhante
coisa. Levantou-se também entre eles uma questão: qual deles se devia
considerar o maior? Disse-lhes Jesus: |
J |
«Os reis
das nações exercem domínio sobre elas e os que têm sobre elas autoridade
são chamados benfeitores. Vós não deveis proceder desse modo. O maior
entre vós seja como o menor e aquele que manda seja como quem serve.
Pois quem é o maior: o que está à mesa ou o que serve? Não é o que está
à mesa? Ora Eu estou no meio de vós como aquele que serve. Vós
estivestes sempre comigo nas minhas provações. E Eu preparo para vós um
reino, como meu Pai o preparou para Mim: comereis e bebereis à minha
mesa, no meu reino, e sentar-vos-eis em tronos, a julgar as doze tribos
de Israel. Simão, Simão, Satanás vos reclamou para vos agitar na joeira
como trigo. Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu,
uma vez convertido, fortalece os teus irmãos». |
N |
Pedro
respondeu-Lhe: |
R |
«Senhor, eu
estou pronto a ir contigo, até para a prisão e para a morte». |
N |
Disse-lhe
Jesus: |
J |
«Eu te
digo, Pedro: não cantará hoje o galo, sem que tu, por três vezes, negues
conhecer-Me». |
N |
Depois
acrescentou: |
J |
«Quando vos
enviei sem bolsa nem alforge nem sandálias, faltou-vos alguma coisa?». |
N |
Eles
responderam que não lhes faltara nada. Disse-lhes Jesus: |
J |
«Mas agora,
quem tiver uma bolsa pegue nela, bem como no alforge; e quem não tiver
espada venda a capa e compre uma. Porque Eu vos digo que se deve cumprir
em Mim o que está escrito: ‘Foi contado entre os malfeitores’. Na
verdade, o que Me diz respeito está a chegar ao fim». |
N |
Eles
disseram: |
R |
«Senhor,
estão aqui duas espadas». |
N Mas Jesus
respondeu:
J «Basta».
N Então saiu
e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou ao local, disse-lhes:
J «Orai,
para não entrardes em tentação».
N Depois
afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra
e,
pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo:
J «Pai, se
quiseres, afasta de Mim este cálice.
Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua».
N Então
apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar.
Entrando em angústia, orava mais instantemente
e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue,
que caíam na terra.
Depois de ter orado,
levantou-Se e foi ter com os discípulos,
que encontrou a dormir, por causa da tristeza.
Disse-lhes Jesus:
J «Porque
estais a dormir?
Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação».
N Ainda Ele
estava a falar,
quando apareceu uma multidão de gente.
O chamado Judas, um dos Doze, vinha à sua frente
e aproximou-se de Jesus, para O beijar.
Disse-lhe Jesus:
J «Judas, é
com um beijo que entregas o Filho do homem?».
N Ao verem o
que ia suceder,
os que estavam com Jesus perguntaram-Lhe:
R «Senhor,
vamos feri-los à espada?»
N E um deles
feriu o servo do sumo sacerdote,
cortando-lhe a orelha direita.
Mas Jesus interveio, dizendo:
J «Basta!
Deixai-os».
N E, tocando
na orelha do homem, curou-o.
Disse então Jesus aos que tinham vindo ao seu encontro,
príncipes dos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos:
J «Vós
saístes com espadas e varapaus,
como se viésseis ao encontro dum salteador.
Eu estava todos os dias convosco no templo
e não Me deitastes as mãos.
Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas.
N
Apoderaram-se então de Jesus,
levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do sumo sacerdote.
Pedro seguia-os de longe.
Acenderam uma fogueira no meio do pátio,
sentaram-se em volta dela
e Pedro foi sentar-se no meio deles.
Ao vê-lo sentado ao lume,
uma criada, fitando os olhos nele, disse:
R «Este homem
também andava com Jesus»
N Mas Pedro
negou:
R «Não O
conheço, mulher».
N Pouco
depois, disse outro, ao vê-lo:
R «Tu também
és um deles».
N Mas Pedro
disse:
R «Homem, não
sou».
N Passada
mais ou menos uma hora,
afirmava outro com insistência:
R «Esse
homem, com certeza, também andava com Jesus,
pois até é galileu».
N Pedro
respondeu:
R «Homem, não
sei o que dizes».
N Nesse
instante — ainda ele falava — um galo cantou.
O Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro.
Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor,
quando lhe disse:
‘Antes do galo cantar, Me negarás três vezes’.
E, saindo para fora, chorou amargamente.
Entretanto, os homens que guardavam Jesus
troçavam d’Ele e maltratavam-n’O.
Cobrindo-Lhe o rosto, perguntavam-Lhe:
R «Adivinha,
profeta: Quem Te bateu?»
N E
dirigiam-Lhe muitos outros insultos.
Ao romper do dia,
reuniu-se o conselho dos anciãos do povo,
os príncipes dos sacerdotes e os escribas.
Levaram-n’O ao seu tribunal e disseram-Lhe:
R «Diz-nos se
Tu és o Messias».
N Jesus
respondeu-lhes:
J «Se Eu vos
disser, não acreditareis
e, se fizer alguma pergunta, não respondereis.
Mas o Filho do homem sentar-Se-á doravante
à direita do poder de Deus».
N Disseram
todos:
R «Tu és
então o Filho de Deus?»
N Jesus
respondeu-lhes:
J «Vós
mesmos dizeis que Eu sou».
N Então
exclamaram:
R «Que
necessidade temos ainda de testemunhas?
Nós próprios o ouvimos da sua boca».
N
Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos.
Começaram a acusá-l’O, dizendo:
R
«Encontrámos este homem a sublevar o nosso povo,
a impedir que se pagasse o tributo a César
e dizendo ser o Messias-Rei».
N Pilatos
perguntou-Lhe:
R «Tu és o
Rei dos judeus?»
N Jesus
respondeu-lhe:
J «Tu o
dizes».
N Pilatos
disse aos príncipes dos sacerdotes e à multidão:
R «Não
encontro nada de culpável neste homem».
N Mas eles
insistiam:
R «Amotina o
povo, ensinando por toda a Judeia,
desde a Galileia, onde começou, até aqui».
N Ao ouvir
isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu;
e, ao saber que era da jurisdição de Herodes,
enviou-O a Herodes,
que também estava nesses dias em Jerusalém.
Ao ver Jesus, Herodes ficou muito satisfeito.
Havia bastante tempo que O queria ver,
pelo que ouvia dizer d’Ele,
e esperava que fizesse algum milagre na sua presença.
Fez-Lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu.
Os príncipes dos sacerdotes e os escribas que lá estavam
acusavam-n’O com insistência.
Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo
e, por troça, mandou-O cobrir com um manto magnífico
e remeteu-O a Pilatos.
Herodes e Pilatos, que eram inimigos,
ficaram amigos nesse dia.
Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes,
os chefes e o povo, e disse-lhes:
R «Trouxestes
este homem à minha presença
como agitador do povo.
Interroguei-O diante de vós
e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais.
Herodes também não, uma vez que no-l’O mandou de novo.
Como vedes, não praticou nada que mereça a morte.
Vou, portanto, soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N Pilatos
tinha obrigação de lhes soltar um preso
por ocasião da festa.
E todos se puseram a gritar:
R «Mata Esse
e solta-nos Barrabás».
N Barrabás
tinha sido metido na cadeia
por causa de uma insurreição desencadeada na cidade
e por assassínio.
De novo Pilatos lhes dirigiu a palavra,
querendo libertar Jesus.
Mas eles gritavam:
R «Crucifica-O!
Crucifica-O!»
N Pilatos
falou-lhes pela terceira vez:
R «Mas que
mal fez este homem?
Não encontrei n’Ele nenhum motivo de morte.
Por isso vou soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N Mas eles
continuavam a gritar,
pedindo que fosse crucificado,
e os seus clamores aumentavam de violência.
Então Pilatos decidiu fazer o que eles pediam:
soltou aquele que fora metido na cadeia
por insurreição e assassínio,
como eles reclamavam,
e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam.
Quando O conduziam,
lançaram mão de um certo Simão de Cirene,
que vinha do campo,
e puseram-lhe a cruz às costas,
para a levar atrás de Jesus.
Seguia-O grande multidão de povo
e mulheres que batiam no peito
e se lamentavam, chorando por Ele.
Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes:
J «Filhas de
Jerusalém, não choreis por Mim;
chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos;
pois dias virão em que se dirá:
‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram
e os peitos que não amamentaram’.
Começarão a dizer aos montes: ‘Caí sobre nós’;
e às colinas: ‘Cobri-nos’.
Porque, se tratam assim a madeira verde,
que acontecerá à seca?».
N Levavam
ainda dois malfeitores
para serem executados com Jesus.
Quando chegaram ao lugar chamado Calvário,
crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores,
um à direita e outro à esquerda.
Jesus dizia:
J «Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem».
N Depois
deitaram sortes,
para repartirem entre si as vestes de Jesus.
O povo permanecia ali a observar.
Por sua vez, os chefes zombavam e diziam:
R «Salvou os
outros: salve-Se a Si mesmo,
se é o Messias de Deus, o Eleito».
N Também os
soldados troçavam d’Ele;
aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
R «Se és o
Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
N Por cima
d’Ele havia um letreiro:
«Este é o Rei dos judeus».
Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
insultava-O, dizendo:
R «Não és Tu
o Messias?
Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
N Mas o
outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
R «Não temes
a Deus,
tu que sofres o mesmo suplício?
Quanto a nós, fez-se justiça,
pois recebemos o castigo das nossas más acções.
Mas Ele nada praticou de condenável».
N E
acrescentou:
R «Jesus,
lembra-Te de mim,
quando vieres com a tua realeza».
N Jesus
respondeu-lhe:
J «Em
verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
N Era já
quase meio-dia,
quando as trevas cobriram toda a terra,
até às três horas da tarde,
porque o sol se tinha eclipsado.
O véu do templo rasgou-se ao meio.
E Jesus exclamou com voz forte:
J «Pai, em
tuas mãos entrego o meu espírito».
N Dito isto,
expirou.
Vendo o
que sucedera,
o centurião deu glória a Deus, dizendo:
R «Realmente
este homem era justo».
N |
E toda a
multidão que tinha assistido àquele espectáculo, ao ver o que se passava, regressava batendo no peito.
Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres que O acompanhavam desde a Galileia, mantinham-se à distância, observando estas coisas.
Havia um
homem chamado José, da cidade de Arimateia, que era pessoa recta e justa
e esperava o reino de Deus.
Era membro
do Sinédrio, mas não tinha concordado com a decisão e o proceder dos
outros. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. E depois de o
ter descido da cruz, envolveu-o num lençol e depositou-o num sepulcro
escavado na rocha onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
Era o dia
da Preparação e começavam a aparecer as luzes do sábado. Entretanto, as
mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia acompanharam José e
observaram o sepulcro e a maneira como fora depositado o corpo de Jesus.
No
regresso, prepararam aromas e perfumes. E no sábado guardaram o
descanso, conforme o preceito. |
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PONTOS DE
REFLEXÃO
LEITURA I – Is 50,4-7
Em primeiro lugar, a missão que este “profeta” recebe de Deus tem
claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da
Palavra, através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz
a todos aqueles que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra
profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não opõe
resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia; mas
tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que
possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus para os
homens.
Em segundo lugar, a missão profética realiza-se no sofrimento e na dor.
É um tema sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das
propostas de Deus provoca resistências que, para o profeta, se
consubstanciam quase sempre em dor e perseguição. No entanto, o profeta
não se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento.
Em terceiro lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não
abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas que tem
a força de Deus, torna o profeta mais forte do que a dor e o sofrimento.
Por isso, o profeta “não será confundido”.
LEITURA II – Filip 2,6-11
Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o
motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos, quer dizer, dado
que Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados, têm a
iniludível obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de
Cristo?
O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão e Cristo.
A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe
exaltação e vida.
Em traços precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”) de
Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina,
mas aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana,
para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e
o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos
homens, fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os
homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de escândalo: Ele aceitou
uma morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar a suprema lição
do serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem
um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projectos do Pai
resultaram em ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência,
do seu amor, da sua entrega, Deus fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome
que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e
a humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece Jesus
como “o senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história.
É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida que Paulo
faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo
esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a
todos; esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glorificação, à
vida plena.
EVANGELHO – Lc 22,14-23,56
A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua
vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma
missão: anunciar a Boa Nova aos pobres, sarar os corações feridos, pôr
em liberdade os oprimidos. Para concretizar este projecto, Jesus passou
pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade
de um mundo novo, de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos.
Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os
pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam
ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que
eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham
o coração mais disponível para acolher o Reino; e avisou os “ricos”, os
poderosos, os instalados, de que o egoísmo, o orgulho, a
auto-suficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.
O projecto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável –
com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o
mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com
a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses
mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios;
não estavam dispostos a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a
conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam Jesus, julgaram-n’O,
condenaram-n’O e pregaram-n’O na cruz.
A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do Reino: resultou
das tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os
que dominavam este mundo.
Podemos também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a
afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada
com sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor,
o dom total, o serviço.
Na cruz de Jesus, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que
ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama,
este Homem Novo vai assumir como missão a luta contra o pecado, isto é,
contra todas as causas objectivas que geram medo, injustiça, sofrimento,
exploração, morte. Assim, a cruz contém o dinamismo de um mundo novo – o
dinamismo do Reino.
Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus,
convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão lucana da
paixão:
No relato da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a
dizer: “fazei isto em memória de Mim” (cf. Lc 22,19). A expressão não
quer só dizer que os discípulos devem celebrar o ritual da última ceia e
repetir as palavras de Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer,
sobretudo, dizer que os discípulos devem repetir a entrega de Jesus, a
doação da vida por amor.
Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca
de qual dos discípulos seria o “maior” e a resposta de Jesus (cf. Lc
22,24-27). Jesus avisa os seus que “o maior” é “aquele que serve”; e
apresenta o seu próprio exemplo de uma vida feita serviço e dom. Estas
palavras soam a “testamento” e convocam os discípulos para fazerem da
sua vida um serviço aos irmãos, ao jeito de Jesus.
No jardim das Oliveiras, só Lucas faz referência ao
aparecimento do anjo e ao “suor de sangue” (cf. Lc 22,42-44). Esta cena
acentua a fragilidade humana de Jesus que, no entanto, não condiciona a
sua submissão total ao projecto do Pai; e sublinha a presença de Deus,
que não abandona nos momentos de prova aqueles que acolhem, na
obediência, a sua vontade.
Também no relato da paixão aparece a ideia fundamental que
perpassa pela obra de Lucas: Jesus é o Deus que veio ao nosso encontro,
a fim de manifestar a todos os homens, em gestos concretos, a bondade e
a misericórdia de Deus. Essa ideia está presente no gesto de curar o
guarda ferido por Pedro no Jardim do Getsemani (cf. Lc 22,51); está
também presente nas palavras de Jesus na cruz: “Pai, perdoai-lhes porque
não sabem o que fazem” – Lc 23,34 (é desconcertante o amor de um Filho
de Deus que morre na cruz pedindo desculpa ao Pai para os seus
assassinos); está, ainda, presente nas palavras que Jesus dirige ao
criminoso que morre numa cruz, ao seu lado: “hoje mesmo estarás comigo
no paraíso” – Lc 23,43 (é desconcertante a bondade de um Deus que faz de
um assassino o primeiro santo canonizado da sua Igreja).
Todos os sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para
levar a cruz de Jesus (cf. Mt 27,32; Mc 15,21); no entanto, só Lucas
refere que Simão transporta a cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc 23,26). Este
dado serve a Lucas para apresentar o modelo do discípulo: é aquele que
toma a cruz de Jesus e O segue no seu caminho de entrega e de dom da
vida (“se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz
dia após dia e siga-Me” – Lc 9,23; cf. 14,27).
Padre José Barbosa Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados,Braga. |
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