A
Igreja festeja hoje o dia de uma das mais gloriosas esposas de Jesus
Cristo: A vida e ainda mais a morte desta Santa é uma prova da
verdade que vemos estampada na história da Igreja: que Deus se serve
de
preferência
da fraqueza, para confundir os fortes. É a mulher cristã que,
destinada a esmagar a cabeça de Satanás, dá provas de um heroísmo
que dificilmente encontramos entre os homens. Daí o ódio que Satanás
vota à mulher cristã, ódio este fundado no medo e na convicção da
impotência dos seus esforços.
Doroteia, filha de um senador
romano, nasceu em Cesareia, na Capadócia. De educação distintíssima,
Doroteia aliava à riqueza dotes invejáveis, naturais e
sobrenaturais. Tinha o governador Fabrício recebido ordens imperiais
para exterminar a religião cristã. Uma das primeiras vítimas foi
Doroteia. Embora pouco aparecesse em público, era uma verdadeira
apóstola de Cristo pela actividade que desenvolvia entre os
cristãos, animando-os à constância na luta contra os perseguidores.
Citada perante o governador, este sem delongas exigiu que
sacrificasse aos deuses. Pronta lhe veio a resposta: “Sendo cristã,
só servirei a Deus, rei do céu e da terra, para os deuses não tenho
senão desprezo”.
Na discussão que seguiu estas
palavras, Fabrício, cativo da formosura de Doroteia fingiu querer
sujeitá-la à tortura, para torná-la mais condescendente. Doroteia,
porém, disse aos algozes: “Que esperais? Fazei o que é vosso dever.
Sofrer pelo amado do meu coração é delícia !” Vendo que não
conseguia o intento, Fabrício entregou a Mártir a duas irmãs,
Cresta e Calixta, que, há pouco haviam negado a fé. O resultado foi
que as duas apóstolas, movidas pela argumentação e pela oração da
Santa, se arrependeram da falta e apresentaram-se a Fabrício,
declarando fidelidade a Cristo até à morte. Amarradas uma a outra,
foram ambas queimadas vivas e metidas em enxofre fervente. Doroteia,
longe de lastimar a sorte das companheiras, felicitou-as pela palma
do martírio que ganharam. Ela mesma foi estendida sobre o
instrumento da tortura, barbaramente açoitada e de mil modos
atormentada. Como sinal de desprezo pelas dores, Doroteia louvava a
Deus em altas vozes e demonstrava grande satisfação. Perguntada por
Fabrício porque tanto se alegrava, respondeu-lhe: “Hoje é o dia mais
belo da minha vida; pois arrebatei duas irmãs das garras do demónio
e ganhei-as para Cristo; regozijo-me por isto com os Anjos e Santos.
Meu coração arde de desejo de estar com meu Esposo divino. Ah !
Fabrício és tão inepto como teus deuses !” Fabrício, diante desta
ofensa, condenou a santa Mártir à morte pela espada. A donzela,
ouvindo a sentença, exclamou jubilosa: “Graças a meu Deus, que me
chama às núpcias eternas !” Era inverno e fazia muito frio. A
natureza apresentava um aspecto triste e as árvores ostentavam os
galhos desfolhados e secos. Em caminho para o lugar do suplício,
Doroteia disse às amigas que a acompanhavam: “Como é triste a terra
e sem vida: feliz de mim, que vou para uma terra onde sopram ares
mais suaves, onde é mais claro o brilho do sol, onde verdejam os
campos, brotam fontes cristalinas, onde, no jardim de meu Esposo,
vicejam as flores, desabrocham os lírios em toda formosura, abrem-se
as rosas em todo o fulgor e amadurecem os frutos do paraíso”.
Apanhou estas palavras Teófilo,
jovem advogado, espírito folgazão, que não deixava passar ocasião,
sem dizer uma sensaboria sobre a “superstição” dos cristãos. Disse à
Doroteia: “Escuta, esposa de Cristo, manda-me algumas daquelas rosas
e maçãs dos jardins e pomares de teu Esposo, de quem estás a falar
tanto”.
Doroteia respondeu-lhe, embora
lacónica, mas resolutamente: “O que desejas, hoje mesmo o terás; não
duvides, que to mandarei”. Chegada ao lugar do suplício, Doroteia
ajoelhou-se e recomendou a alma ao divino Esposo. Enquanto estava
rezando, apareceu-lhe um Anjo, em figura de um jovem formoso, que
lhe ofereceu três maçãs belíssimas e outras tantas rosas de um aroma
delicioso. Vendo o presente, Doroteia disse ao Anjo: “Peço-te o
favor de levares isto a Teófilo e dizer-lhe que são as frutas e
flores, que Doroteia lhe prometeu mandar do jardim do divino
Esposo”. Dito isto, entregou-se ao algoz que, com um único golpe,
pôs termo à existência terrestre da Santa.
Teófilo recebeu o presente de
Doroteia na hora em que, rodeado de amigos, contava a grotesca
pilhéria. Qual foi a admiração e espanto, ao ter nas mãos o penhor
da promessa da santa Mártir: maçãs maduras e rosas em tempo de
inverno ! De mofador, tornou-se admirador do cristianismo e
esclarecido por uma luz divina, exclamou: “Não existe realmente
outro Deus a não ser o dos cristãos. De hoje em diante só a ele
adorarei”. De fato, converteu-se.
Tendo Fabrício notícia desta
conversão, mandou chamar Teófilo à sua presença, para em pessoa ter
confirmação do ocorrido. Teófilo, de fato, declarou ser sua decisão
absoluta seguir o exemplo de Doroteia e abandonar o culto dos
deuses, ainda que lhe custasse a vida. Custou-lhe a vida, pois
Fabrício o condenou à morte pela espada. A pena foi executada
imediatamente e um martírio de pouca duração levou Teófilo à
bem-aventurança eterna. Pouco antes da execução, Fabrício lhe disse:
“Poupa, desgraçado, a tua vida !” ao que Teófilo respondeu: “E tu,
mais desgraçado que eu, tem pena de tua alma. Pouco importa o corpo,
contanto que salve a minha alma e entre no gozo de meu Deus”.
As relíquias de Doroteia e
Teófilo acham-se em Roma, na Igreja consagrada à memória dos dois
mártires.
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