O conteúdo desta
carta dirigida ao Padre Mariano Pinho é de grande importância, visto que nela
explica a Alexandrina como se passou a primeira intervenção “directa” de Jesus,
convidado-a para a crucifixão.
Na
Autobiografia, Alexandrina escreveu : ― “Foi em Setembro de 1934 que eu
compreendi que era a voz de Nosso Senhor e não uma exigência, como julgava. Foi
então que Ele me pediu e falou assim” : vem a seguir o texto que abaixo vamos
ler.
Na mesma
Autobiografia, a Alexandrina explica ainda, como foi, quando teve de escrever a
presente carta ao seu Director espiritual : “Nosso Senhor pediu-me isto duas
vezes. Não sei dizer a minha aflição, pois não queria escrever e não queria
dizer à minha irmã, mas também não queria ficar calada, porque compreendia que
não era a vontade de Nosso Senhor. Tinha que dizer ao meu Pai espiritual.
Resolvi-me a fazer o sacrifício, pedindo à minha irmã que escrevesse em meu nome
tudo o que lhe ia ditar. Ela não olhava para mim, nem eu para ela e, depois da
carta escrita, tudo morreu para nós ambas, não falando mais no assunto”.
A partir de
então, a “cumplicidade” entre as duas irmãs continuará desta maneira :
Alexandrina dita e a Deolinda escreve e, entre as duas, nenhum comentário, salvo
raras excepções...
Quanto ao
Director espiritual, preferiu calar-se durante um certo tempo, o tempo que lhe
foi necessário para bem estudar o caso desta dirigida diferente das outras. Na
Autobiografia podemos ainda ler :
“Até esse tempo,
sentia uma grande alegria para mim receber uma carta do meu director espiritual.
Desde então, toda essa consolação espiritual desapareceu. Temia que ele me
maltratasse, dizendo-me que tudo era falso. Eu cedi ao convite de Nosso Senhor,
mas pensava que esses sacrifícios fossem só sofrimentos, embora maiores; não
pensava em nada de sobrenatural. O meu director obrigou-me a que escrevesse
tudo, e durante dois anos e meio não me disse que era Nosso Senhor – o que me
fez sofrer bastante, apesar dos meus poucos conhecimentos.”
Daqui em diante,
Jesus virá falar-lhe regularmente e dizer-lhe o que dela espera e qual vai ser
na verdade a sua missão ou missões na terra.
* * * * *
« Balasar, 8 de Setembro de 1934
Viva Jesus !
Senhor Padre
Pinho :
Cá estou eu, no dia
do aniversário de minha querida Mãezinha do Céu, a escrever a Vossa Reverência.
Não esperei para o dia 12, porque tenho muitas saudades ; ainda está muito
fresco e também me parece necessário dizer-lhe alguma coisa daqui.
Que tal foi a
viagem para Lisboa ? E não lhe fez mal a visita que me fez numa tarde de tanta
chuva ?
Sei que fez um
sacrifício muito grande, mas penso que outras coisas lhe custaram mais do que a
chuva. Mas paciência, quanto maior é o sacrifício, maior será a recompensa de
Nosso Senhor; é esta a minha confiança.
Vou também fazer um
grande sacrifício. Nosso Senhor bem o sabe e Vossa Reverência também faz ideia
quanto me custa; mas antes de o fazer, ofereci-o ao meu bom Jesus. Quinta-feira,
dia 6, o Senhor Abade veio trazer Nosso Senhor a uma doente, minha vizinha, e ao
mesmo tempo, trouxe também para mim. Depois de comungar, não sei como fiquei,
estava fria, parecia-me que não sabia dar as graças. Mas, louvado seja, o meu
bom Jesus não olhou para a minha indignidade nem para a minha frieza; parecia-me
ouvir dizer:
— “Dá-me as tuas
mãos, quero-as cravar Comigo, dá-me a tua cabeça, quero-a coroar de espinhos,
como me fizeram a Mim, dá-me teu coração, quero-o trespassar com a lança, como
me trespassaram a Mim; consagra-me todo o teu corpo, oferece-te toda a Mim,
quero possuir-te por completo e fazer o que Me aprouver”.
Isto foi bastante
para ter ficado muito preocupada. Não sabia o que fazer ; calar-me e não dizer
nada : parece-me que o meu bom Jesus não queria que ocultasse isto. Isto
repetiu-se na sexta-feira e hoje, dia de Nosso Senhora ; assim, como também, a
obediência em tudo, como já expliquei a Vossa Reverência.
Será isto uma
ilusão minha ? Ai, meu Jesus, perdoai-me se Vos ofendo. Eu não Vos queria
ofender ; faço por obediência, e a não ser calar-me, não sei como poderia
proceder de outra forma.
A minha saúde
continua a mesma, sempre com muitos sofrimentos, mas tudo vai bem, Nosso Senhor
ajuda-me.
Senhor, ajuda-me.
Muitas lembranças
da minha mãe e muitas, muitas saudades da Deolinda.
Fará a caridade de
me abençoar e de pedir a Jesus por mim; eu também não esquecerei o Paizinho nas
minhas pobres orações. Adeus, adeus.
Alexandrina Maria da Costa. »
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