Gabriel
de Nossa Senhora das Dores, a quem Leão XIII chamava o São Luís
Gonzaga de nossos dias, nasceu em Assis a 1 de Março de 1838, filho
de Sante Possenti di Terni e Inês Frisciotti. No mesmo dia que viu a
luz
do
mundo, recebeu a graça do baptismo, na mesma pia, em que foi
baptizado o grande patriarca S. Francisco, na Igreja de S. Rufino.
O pai
do Santo, já com vinte e dois anos era governa-dor da cidade de
Urbânia, cargo que sucessivamente veio a ocupar em S. Ginésio,
Corinaldo, Cingoli e Assis. Como um dos magistrados dos Estados
Pon-tifícios, gozava de grande estima do Papa Pio IX e Leão XIII
honrava-o com sua sincera amizade. A mãe era de nobre família de
Civitanova d’Ancona. Estes dois cônjuges apresentavam modelos de
esposos cristãos, vivendo no santo temor de Deus, unidos no vínculo
de respeito e amor fidelíssimo, que só a morte era capaz de solver.
Deus abençoou esta santa união com treze filhos, dos quais Gabriel
era o undécimo. Este, no baptismo recebeu nome de Francisco, em
homenagem a seu avô e ao Seráfico de Assis.
Dando
testemunho da educação que recebiam na família, no Processo da
beatificação do Servo de Deus, os seus irmãos declararam: “Nós fomos
educa-dos com o máximo cuidado, no que diz respeito à piedade e à
instrução. Nossa mãe era piedosíssima e nos educou segundo as
máximas da nossa santa Reli-gião”. Nos braços, sobre os joelhos de
uma mãe pro-fundamente religiosa o pequeno Francisco aprendeu os
rudimentos da vida cristã e pronunciar os santos nomes de Jesus e
Maria.
A
grande felicidade que na infância reinava, experimentou um grande
abalo, quando inesperadamente o anjo da morte veio visitar aquele
lar e arrebatar-lhe a mãe. D. Inês sentindo a última hora se
aproximar, na compreensão do seu dever de mãe cristã reuniu todos os
filhos à cabeceira do leito mortal, estreitou-os, um por um, ao seu
coração, selou a sua fronte com o último beijo, deu-lhes a bênção,
distinguindo com mais carinho os de tenra idade, entre estes,
Francisco; munida de todos os sacramentos, confortada pela graça de
Deus, na idade de 38 anos deixou este mundo, para, na eternidade,
perto de Deus, receber o prémio de suas raras virtudes.
Do pai,
o próprio filho Francisco ao seu director espiritual deu o seguinte
testemunho: Meu pai, declarou, tinha por costume levantar-se bem
cedo. Dedicava uma hora à oração e meditação; se neste tempo alguém
desejava falar-lhe, havia de esperar pelo fim das práticas
religiosas. Terminadas estas, ia à igreja assistir a santa Missa e
costumava levar consigo dos filhos os que não fossem impedidos.
Finda a santa Missa metia-se ao trabalho. À noite reunia seus filhos
e dava-lhes sábios conselhos e úteis exortações. Falava-lhes dos
deveres para com Deus, do respeito devido à autoridade paternal e do
perigo das más companhias. “Os maus companheiros, dizia ele, são os
assassinos da juventude, os satélites de Lúcifer, traidores
escondidos e por isso para os temer e deles ter cuidado”.
Os
biógrafos de Francisco fazem ressaltar em primeiro lugar a
extraordinária bondade de coração do menino, principalmente para com
os pobres. Muitas vezes ficou ele sem a merenda, por tê-la dado aos
pobres. Entre seus irmãos era ele o anjo da paz, sempre pronto para
desculpar e para defendê-los, quando acusados injustamente. Não
suportava a injúria, fosse ela atirada a si ou a um dos seus. Com a
maior facilidade se desfazia de objectos de certo valor, com que
tinha sido homenageado. Assim presenteou a um de seus irmãos de uma
bela corrente de prata, que tinha recebido de um parente. Estes
belos traços no carácter de Francisco não afastam certas sombras que
nele subsistiam também. Os que o conheciam meigo, bondoso,
compassivo, sabiam-no também ser nervoso, impaciente, irascível.
Por
felicidade sua o senhor Sante, seu pai não era daqueles que
desculpam os caprichos de seus filhos, pretextando serem crianças,
sem pensar que mais tarde terão de pagar bem caro esta
condescendência e fraqueza. O verdadeiro amor cristão fê-lo combater
sem tréguas todos os defeitos. Francisco era obediente e tinha
grande respeito ao pai, o que aliás não impedia que diante de uma
severa repreensão desse largas ao seu génio impulsivo, com palavras
e gestos demonstrando o seu descontentamento, sua raiva. Mas tudo
isto era fogo fátuo. Logo voltava às boas; sua boa índole não
permitia, que estas revoltas interiores durassem muito tempo. Era
encantador ver, momentos depois, o menino desfeito em pranto,
procurar o pai e por seus modos ingénuos e infantis, assegurar-se do
perdão e do amor do Sr. Sante. Este, fingindo não dar crédito a
estas demonstrações, retrucava bruscamente: “Nada de carícias; quero
ver fatos”. Então o menino se atirava ao colo do pai, beijava-o e
sentia-se feliz, em ter voltado a paz, com o perdão paterno. Nesta
escola de sábia pedagogia Francisco cedo aprendeu combater e vencer
seus defeitos.
Por
algum tempo Francisco ficou entregue aos cuidados de um mestre;
depois frequentou o colégio dos Irmãos das Escolas Cristãs, onde fez
rápidos progressos, figurando sempre entre os melhores alunos. Na
idade de sete anos fez a sua primeira confissão.
Um ano
depois, em junho de 1846 recebeu o sacramento da confirmação. Tudo
isto prova que o menino já se achava bem instruído nas verdades da
nossa fé, graças ao sólido ensino que lhe dispensavam os beneméritos
Irmãos Sallistas.
Nesse
mesmo tempo caiu também a data da sua primeira comunhão, para qual
se preparou com todo o esmero. Testemunha de vista desse grandioso
ato diz: “O fervor com que o vi chegar-se da sagrada mesa, o
espírito de fé, que se estampava no seu semblante, o vigor dos seus
afectos foram tais, que se chegava a crer ser ele levado por um
Serafim”. Esses sentimentos de fé e de piedade, aquelas chamas de
amor ao SS. Sacramento não mais se separaram do coração de Francisco
nos anos de sua mocidade, nem no meio de uma vida dissipada de certo
modo mundana. Não menos certo é que a frequente recepção da santa
comunhão o preservou de graves desvios no meio das tentações do
mundo.
Terminados os estudos elementares, o pai pensou em procurar para
Francisco uma educação mais elevada, de acordo com a sua posição
social e confiou seu filho aos Padres Jesuítas que na cidade de
Spoleto dirigiram um colégio. Neste educandário passou Francisco os
anos todos de sua mocidade no mundo e chegou a cursar os quatro
semestres de estudos filosóficos. Estudante inteligente e cumpridor
exacto de seu dever que era, deixou boa memória naquele colégio e
formavam-se as mais belas esperanças a seu respeito. Ano não
passava, que não tirasse um prémio; no fim dos seus estudos foi
distinguido com uma medalha de ouro. Mestres e colegas igualmente o
estimavam. Tudo nele encantava: os seus modos delicados e gentis, a
modéstia no falar, o sorriso benévolo que lhe afloravam aos lábios,
o garbo com que se sabia ver em circunstâncias mais solenes, os
sentimentos nobres que dominam em todo o seu proceder. Aos seus
mestres devotava sempre a máxima estima e profunda gratidão. Das
práticas de piedade era rígido observador e com regularidade
frequentava os santos sacramentos. Não há dúvida, que, dada a
ocasião, o seu génio impetuoso e quente o levava a transportes de
veemência e de cólera. Mais estes excessos eram sempre seguidos de
lágrimas de arrependimento e de penitência. Desde a sua infância
mostrou devoção particular a Nossa Senhora das Dores, uma imagem da
qual se conservava em sua família; e cabia-lhe a ele adorná-la de
flores e manter acesa uma lâmpada diante da estátua. Afirma um dos
seus irmãos, Eurique Possenti, que viu Francisco, no último ano que
passou em casa, usar de cilício de couro com pontinhas de ferro.
Outro testemunho, da família Parenzi, declara: “Sua conduta
religiosa e moral tem sido irrepreensível; dada a grande vigilância
de meus pais, não teria sido admitido em nossa família, se não fosse
realmente virtuoso”.
Para
completar a imagem do jovem estudante e assim melhor poder
compreender a mudança que nele mais tarde se efectuou, tenha aqui
lugar a descrição da solene distribuição de prémios, da última em
que Francisco tomou parte no colégio dos Jesuítas em Spoleto, em
Setembro de 1856. Os melhores alunos tinham sido escolhidos para
abrilhantar a cerimónia com discursos e declamações poéticas. Entre
eles Francisco ocupava o primeiro lugar. Ninguém se lhe igualava em
elegância exterior, no garbo de representar, na graça de declamar,
na graciosidade da gesticulação, no timbre encantador da voz.
Podendo representar no palco, parecia estar no seu elemento e
fazia-o com toda a naturalidade e perfeição. Em sua aparência não
deixava nada a desejar: tudo obedecia às exigências da última moda:
o cabelo esmeradamente penteado, o traje elegante e ricamente
adornado, as luvas brancas, gravata de seda, sapatos luzidios e
artisticamente acabados, a tudo isso Francisco ligava máxima
importância. Em certa ocasião recitou com tanto ardor e tamanho foi
o entusiasmo que excitou no auditório, que o delegado apostólico
Mons. Guadalupe, que presente se achava, ao pai de Francisco que ao
seu lado se achava disse: “se vosso filho aqui presente estivesse,
abraçava-o em vosso lugar”.
As
raras qualidades morais, que o adornavam, a figura simpática e
atraente na flor da mocidade, a extrema vivacidade que nele se
observava, não deixaram de emprestar-lhe um leve sombreado de
vaidade, que de algum modo chegou a dominá-lo. Esta vaidade se lhe
patenteava na exigência que fazia no modo de se trajar, sempre na
última moda, de perfumar o cabelo e este sempre tratado com cuidado,
de se aborrecer com uma nódoa por mais insignificante que fosse, no
fato, no amor que tinha a divertimentos alegres e aos desportos
mundanos.
O
inimigo das almas tirou proveito dessas fraquezas. Se não conseguiu
roubar-lhe a inocência, não foi porque não lhe poupasse contínuos
assaltos, bem sucedidos. A paixão pelo teatro, a verdadeira mania
por bailes, o amor à leitura de romances eram tantos escolhos,
tantos perigos, que é de admirar que o jovem Francisco não caísse
presa das ciladas diabólicas. Tão pronunciada era sua paixão às
danças, que lhe importou a alcunha de “bailarino”. Assim um dos seus
mestres, Pe. Pinceli, Jesuíta, quando soube da inesperada fuga de
Possenti do mundo para o convento, disse: “O bailarino fez isto?
Quem esperava uma tal coisa! Deixar tudo e fazer-se religioso no
noviciado dos Padres Passionistas!”
Francisco bem conhecia o perigo em que nadava, e não faltava quem o
chamasse à atenção, o lembrasse da necessidade da oração, da
vigilância, da mortificação, da devoção a Jesus e Maria, de não
perder de vista a eternidade, etc. Em uma carta que lhe escreveu o
Pe. Fedeschini, S. J. há todos estes avisos; o conselho de fugir das
más companhias, de dar desprezo à vaidade no vestir e falar, de
largar o respeito humano, de fazer meditação diária e receber os
sacramentos.
Com
todas as leviandades e suas perigosas tendências para o mundo,
Francisco não deixava de ser um bom e piedoso jovem, a quem homens
sábios e virtuosos não pudessem escrever com confiança, benevolência
e estima e cujas palavras não fossem aceitas com respeito e
gratidão.
“Muitas
vezes” – diz quem bem o conhecia – “Possenti sentiu o chamado de
Deus, de deixar a vida no mundo e trocá-la com o estado religioso”.
Seu director, Pe. Norberto, Passionista, declara: “A vocação, se bem
que descuidada e sufocada, estava nele havia muito tempo e ele a
sentiu desde os mais tenros anos. Muitas vezes o servo de Deus
disse-me isto, lastimando a sua ingratidão e indiferença”.
O mesmo
sacerdote relata: “A sua vocação se manifestou do seguinte modo: Não
sei em que ano foi, sentiu-se ele acometido de um mal, que o fez
pensar na morte. Teve então a inspiração de prometer a Deus entrar
numa Ordem religiosa, caso recuperasse a saúde. A promessa foi
aceita, pois melhorou prontamente e em pouco tempo se achou
restabelecido. A promessa ficou como se não fosse feita. O jovem
tornou a dar o seu afecto ao mundo e se entregou à dissipação como
antes. Não tardou que Deus lhe mandasse outra enfermidade, uma
inflamação interna e externa da garganta, tão grave, que parecia a
morte iminente já na primeira noite, tornando-se-lhe dificílima à
respiração. Novamente o enfermo recorreu a Deus e invocando Santo
André Bobola, aplicou ao lugar dolorido uma estampa do mesmo Santo,
e renovou a promessa de abraçar o estado religioso. As melhoras se
acentuaram quase instantaneamente e teve o enfermo uma noite
tranquila e não mais voltaram as angústias da dispneia. Deste
extraordinário favor o jovem se lembrou sempre com muita gratidão.
Manteve também por algum tempo o propósito de fazer-se religioso,
mas diferindo-lhe a execução, o amor ao mundo voltou e no mundo
continuou a viver.
Das
paixões de Francisco, uma das mais fortes foi a da caça. A esta
paixão ele pagava tributos bem pesados e seu director espiritual não
hesitou em atribuir a este desporto a cruel moléstia, que o ceifou
na flor da idade. Certa vez, em pular uma cerca, chegou a cair e com
tanta infelicidade, que quebrou-lhe um osso do nariz. O fuzil
disparou e o projéctil passou-lhe rentinho pela testa, pouco
faltando que lhe rebentasse o crânio. Francisco reconhecendo logo a
providência deste aviso, renovou a sua promessa. Ficou com as
cicatrizes, mas deixou-se ficar no mundo.
A graça
divina também não se deu por vencida. Rejeitada três vezes, tentou
um quarto golpe, mais doloroso ainda. De todos de sua família
Francisco dedicava terníssima amizade a sua irmã Maria Luzia, nove
anos mais velha que ele, e esta amizade era correspondida com todo
afecto. Em 1855 irrompeu em Spoleto a cólera e Maria Luiza foi a
primeira vítima da terrível epidemia. Foi no dia Corpus Christi, e a
notícia alcançou Francisco, quando, na procissão, levava a cruz. A
morte da irmã feriu profundamente o coração do jovem e mergulhou sua
alma em trevas nunca antes experimentadas. Perdeu o gosto de tudo e
se entregou a uma tristeza inconsolável. Parecia, que com este golpe
a graça divina tivesse removido o último obstáculo de a promessa se
cumprir. Assim ainda não foi. Todo acabrunhado, Francisco manifestou
ao pai sua resolução de entrar para o convento chegando a dizer que
para ele tudo se tinha acabado nesta vida. Possenti, receando perder
seu filho a quem muito amava, não recebeu bem a comunicação e
pediu-lhe nunca mais tocasse neste assunto. Aconselhou-o a se
distrair, a afastar os pensamentos tristes a procurar a sociedade,
frequentar o teatro; chegou a insinuar-lhe a ideia de procurar a
amizade de uma donzela distinta, de família igualmente conceituada,
na esperança de nos entendimentos inocentes ela conseguir de fazê-lo
esquecer-se dos seus intentos religiosos.
Na
igreja metropolitana de Spoleto gozava de uma veneração singular uma
imagem de Nossa Senhora; a esta imagem chamava simplesmente “a
Ícone”. Na oitava do dia 15 de Agosto esta imagem era levada em
solene procissão por dentro da igreja e não havia quem não se
ajoelhasse à sua passagem. Em 1856 Francisco Possenti achava-se no
meio dos fiéis e todo tomado de amor por Maria Santíssima, os seus
olhos se fixavam na venerada imagem como que esperando por uma
bênção especial. Pois, quando a “Ícone” vinha aproximando-se do
jovem, parecia ela lhe atirar um olhar todo especial e lhe dizer:
“Francisco, o mundo não é para ti; a vida no convento te espera”.
Esta palavra, qual uma seta de fogo cravou-lhe no coração; assim
saiu da igreja desfeito em lágrimas. Estava resolvido a realizar
desta vez o plano de alguns anos. Tratou, porém, de não dar por
enquanto nenhuma demonstração do seu intento.
Embora
certo de sua vocação, mas desconfiando da sua fraqueza, e para não
ser vítima de uma ilusão procurou seu mestre no liceu e director
espiritual Pe. Bompiani, Jesuíta e a ele se abriu inteiramente,
fazendo do conselho do mesmo depender sua resolução definitiva. O
exame foi feito com toda sinceridade e tendo tomado em consideração
todos os factores influentes no passado da vida do jovem, o Pe.
Bompiani não duvidou de se tratar de uma vocação verdadeira e animou
o jovem a seguí-la. Consultas que fez com mais dois sacerdotes de
sua inteira confiança, tiveram o mesmo resultado. Francisco se
resolveu então a pedir sua admissão na Congregação dos Passionistas.
Comunicar ao pai a resolução tomada, não foi fácil. Mas desta vez o
Sr. Sante, homem consciencioso, vendo a aflição e a firmeza de seu
filho, não mais se opôs; tomado, porém, de espanto quando soube que
a Congregação por Francisco escolhida, a dos Passionistas, era de
todas a mais austera. Se bem que não se opusesse à vontade do filho,
tratou de procrastinar a execução do seu plano e impor condições.
Francisco, porém, ficou firme. Tomou ainda e pela última vez, parte
na solenidade da distribuição dos prémios, no colégio dos Jesuítas,
fez como sempre um papel brilhante no palco, despediu-se dos seus
professores, dos seus amigos e em companhia de seu irmão Luís, da
Ordem Dominicana, por ordem de seu pai, fez uma visita a seu tio
Cesare, cónego da Basílica de Loreto e a um parente de seu pai, Frei
João Batista da Civitanova, guardião de um convento dos capuchinhos,
levando para ambos carta de Sante Possenti em que este pedia
examinassem a vocação do jovem. Tanto o cónego como o capuchinho
carregaram bastante as cores da vida austera na Congregação dos
Passionistas, que absolutamente não lhe conviria, a ele, moço de
dezoito anos, acostumado a seguir às suas vontades, sem restrição de
comodidades. A visita à Santa Casa em Loreto Francisco aproveitou
largamente para recomendar-se a N. Sra. Não mais arredou do caminho
encetado. De Loreto foi para convento Morrovale, dos Passionistas
onde já em 21 de Setembro de 1856 recebeu o hábito com o nome de
Gabriel dell’Adolorata. Admitido no noviciado, escreveu ao pai e aos
irmãos, comunicando-lhes o fato. Ao pai pede perdão, aos irmãos
recomenda amor filial e boa conduta. A carta, embora de simplicidade
encantadora, é um documento admirável de sentimento filial e
católico. Aos seus companheiros de estudo dirigiu cartas também.
Despede-se, pede perdão de maus exemplos que julgava ter dado;
aconselha-os a fugir das más companhias, do teatro, das más
leituras e das conversas inúteis.
Convencidíssimo da sua vocação religiosa, longe do mundo, da
sociedade e da família, não mais teve outro ideal que subir as
culminâncias da perfeição.
Inconfundível era sua personalidade no meio dos seus companheiros do
noviciado. Sem perder as notas características do seu carácter, a
jovialidade, a alegria de espírito, a amenidade de trato, era ele
inexcedível não só na exactidão do cumprimento dos exercícios
regulares, como também na prática das virtudes cristãs e monásticas.
E se perscrutarmos as causas profundas desta mudança radical na vida
de Gabriel, duas conseguiremos encontrar, aliás suficientes e
esclarecedoras: o ardente amor a Jesus Crucificado, à Santa
Eucaristia, sua devoção singular a Mãe de Deus, em particular à
Nossa Senhora das Dores e sua inalterada mortificação, por meio da
qual deu morte aos seus desordenados apetites, um por um.
Tendo
corrido o ano de provação, Gabriel foi admitido à profissão e
mandado para várias casas da Congregação, com o fim de completar os
seus estudos de teologia. Durante os anos de preparação para o
sacerdócio, superiores e companheiros viram no santo jovem o modelo
mais perfeito de todas as virtudes, e cumpridor exactíssimo dos seus
deveres.
Quando
chegou à idade de vinte e três anos, anunciaram-se os primeiros
sintomas da moléstia, que no prazo de um ano havia de levá-lo ao
túmulo: a tuberculose pulmonar. O longo tempo da sua enfermagem
Gabriel o aproveitou para ainda mais se aprofundar na sua devoção
predilecta à Sagrada Paixão e Morte de Jesus Cristo e à Maria
Santíssima, mãe das dores. Em fevereiro de 1862 ainda pôde andar e
receber a santa comunhão na igreja, junto com seus companheiros.
Inesperadamente o mal se agravou; foi preciso avisá-lo para receber
os últimos sacramentos. A notícia assustou-o por um momento só; mas
imediatamente recuperou a habitual calma, que logo se transformou
numa alegria antes nunca experimentada. O modo de receber o santo
viático comoveu e edificou a todos que assistiram. Não mais largava
a imagem do crucificado, que cobria de beijos, e ao seu alcance
tinha a estátua de N. Sra. das Dores, que frequentemente apertava ao
seu peito, proferindo afectuosas jaculatórias, como estas: “Minha
mãe, faz depressa!” – “Jesus, Maria, José, expire eu em paz em vossa
companhia!” – “Maria, mãe da graça, mãe da misericórdia, do inimigo
nos protegei, e na hora da morte nos recebei”. – Poucos momentos
antes do desenlace, o agonizante, que parecia dormir, de repente,
todo a sorrir, virou o rosto para esquerda, fixando olhar para um
determinado ponto. Como que tomado de uma grande comoção diante de
uma visão impressionante, deu um profundo suspiro de afecto e nesta
atitude, sempre sorridente, com as mãos apertando as imagens do
crucifixo e da Mater dolorosa, passou desta vida para a outra.
Assim
morreu o santo jovem na idade de vinte e quatro anos, na manhã de 27
de fevereiro de 1862. Foi sepultado na igreja da Congregação, em
Isola Del Gran Sasso. Trinta anos depois fez-se o reconhecimento do
seu corpo. Nesta ocasião com o simples contacto de suas relíquias
verificou-se a cura prodigiosa de uma jovem que a tuberculose
pulmonar tinha reduzido ao último estado. Reproduziram-se aos
milhares os prodígios que foram constatados à invocação do Santo. Em
1908 o Papa Pio X inscreveu o nome de Gabriel da Virgem Dolorosa no
catálogo dos Beatos e em 1920 Bento XV decretou-lhe as solenes
honras da canonização.
Pio XI
estendeu a sua festa a toda a Igreja, em 1932.
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