1 - Nascimento e
infância
O Rei
D. Afonso V e sua mulher D. Isabel andavam desolados porque os anos
iam passando sem conseguirem ter um filho para lhes suceder no trono
de Portugal.
Tendo
tomado conhecimento que no cimo do Monte Fontelo, em Queimada,
Armamar, havia uma capela dedicada a S. Domingos de Gusmão, centro
de grande devoção popular, resolveram ir lá em peregrinação pedir a
graça que desejavam. Foram ouvidos, pois em 16 de Fevereiro de 1452
nascia uma linda menina a quem puseram o nome de Joana. Aos oito
dias foi solenemente baptizada com grande regozijo, e no paço real
lhe foi religiosamente jurada fidelidade por todos os vassalos da
pequenina herdeira ao trono de Portugal.
Daí a
três anos, nascia um filho varão, o futuro D. João II, e Joana
perdia assim o direito ao trono, a favor do seu irmão por ser filho
varão.
Pouco
tempo depois morre em Évora a rainha, e o rei D. Afonso procurou
entre as damas da corte uma a quem pudesse entregar confiadamente os
seus filhos para serem educados nas mais profundas virtudes humanas
e cristãs.
Caiu a
escolha em D. Beatriz, filha de D. Pedro de Meneses, senhora
exemplar que formou estas duas crianças no temor de Deus e na
atenção aos necessitados.
Joana
sentia-se chamada a uma grande intimidade com Deus, e, por amor
dele, por baixo dos seus trajes reais usava cilício para se
mortificar e durante a noite passava horas a meditar na Paixão e
Morte do Senhor; de tal modo era a sua devoção à Paixão de Cristo,
que, quando o rei, seu pai, lhe pergunta qual o brasão que desejava
introduzir no seu escudo, ela respondeu: «A Santa Coroa de Espinhos
de Nosso Senhor Jesus Cristo»; e assim se fez, respeitando-se a sua
vontade.
Na
Quinta-Feira Santa o seu escudeiro e confidente introduzia
secretamente no palácio doze mulheres a quem Joana lavava e beijava
os pés, imitando o que o Senhor fez aos seus Apóstolos, e
entregava-lhes avultados donativos.
2 - Casamento ou vida
religiosa
Apenas
atingiu os dezasseis anos, logo se começaram a fazer projectos para
casar a princesa, que faria feliz o mais exigente admirador da
beleza humana e espiritual, pois à graciosidade risonha e afável se
juntava a sua beleza numa linda figura de loiras tranças e rosto
fino onde brilhavam uns verdes olhos que irradiavam pureza e
suavidade segundo o retrato deixado pelos seus contemporâneos.
Joana
ia deixando falar, mas a sua atenção fixava-se no pretendente já por
ela escolhido, Jesus Cristo.
Entre
as damas mais queridas, Joana estimava particularmente D. Leonor de
Meneses, por descobrir nela tendências muito semelhantes às suas. D.
Leonor, que era mais livre que a princesa para agir, foi
investigando quais eram as Comunidades religiosas mais fervorosas
que havia no país e soube que tinha muita fama de vida religiosa o;
convento das Dominicanas de Aveiro.
As duas
decidiram ir para lá, mas como as dificuldades levantadas à partida
de Joana eram cada vez maiores, seguiu D. Leonor para o convento de
Aveiro, para onde viria mais tarde a princesa Joana, depois de
vencer todos os obstáculos, que não foram poucos.
Entretanto, o rei, seu pai, que não a autorizou de maneira alguma a
ir para um convento, sobretudo onde se vivia em pobreza e trabalhos,
mas não querendo contrariar demasiado a sua tão amada filha,
autorizou-a a viver, no; palácio, o género de vida que lhe
aprouvesse. Foi o suficiente para Joana se ir desprendendo dos seus
bens materiais, dispensando as suas damas a quem dotou liberalmente,
foi-se esquivando para não comparecer nos saraus elegantes da corte
e entregou-se inteiramente à oração e às obras de caridade.
3 - Entrada para o
Convento
Aproveitando o regresso vitorioso de seu Pai, D. Afonso V, da
conquista de Arzila e Tânger, a princesa Joana preparou-se e
enfeitou-se para receber o rei vitorioso e aproveitou a ocasião para
lembrar ao pai que, por tão grandes vitórias, o rei devia oferecer a
Deus algum presente preciosa em que a vítima fosse apropriada à
dignidade de tão grande rei, como era D. Afonso V. O rei, seu pai,
achou que ela tinha razão: e perguntou que vítima entendia ela que
devia oferecer-se, aro que Joana respondeu: «EU MESMA, SENHOR»!
Assim
pediu licença para entrar em algum mosteiro do reino, pedida que o
pai não foi capaz de recusar!
Algum
tempo depois, Joana entrou no real convento de Odivelas, onde tinha
uma tia que a criara de pequenina. Mas esta tia contrariava o
projecto de clausura da sobrinha, pelo que Joana pediu ao pai que a
deixasse seguir para lugar mais retirada e tranquilo. O próprio pai
foi buscar a filha e levá-la ao Convento de Jesus, em Aveiro, na
festa de S. Domingos em 1472.
4 - Alegrias e
sofrimentos por amor à vocação
Como
não há alegrias completas para quem quiser seguir a Cristo
plenamente, o príncipe D. João, seu irmão, contrariava Joana o mais
que podia e aproveitava todas as ocasiões para ser desagradável com
a irmã, tentando dissuadi-la duma ideia que achava inconveniente
para o reino. Queria a toda o custo ter a irmã livre para que a
jurassem herdeira, no caso de ele não: ter descendência, ou para a
casar como lhe aprouvesse.
Quando
Joana tomou hábito, o príncipe desesperou e foi até Aveiro, levando
consigo: O Bispo de Évora, D. Garcia de Meneses, que teve a fraqueza
de lhe querer agradar mais do que a Deus e se dirigiu a Joana nestes
termos:
«Senhora, este modo de vida que tomastes foi decerto mais apetite de
menina que escolha de princesa; mas adverti o risco que tendes de
desgastar um irmão que é príncipe e que, desabrido com a vossa
inteireza, vos pode despir o hábito e desterrar do mosteiro».
Corou a
princesa e respondeu com simplicidade, mas com aquela eloquência e
discrição que lhe eram próprias:
«Sem
dúvida, venerável Prelado, que a paixão vos faz esquecer quem sois.
Tanto obedeceis aos interesses da terra que não reparais em ser
infiel a um Deus só para lisonjear um príncipe? Mas tendo entendido
que é esta causa tanto de Deus que Ele a tomará por sua conta, e
assim também o vosso castigo; que Ele saberá favorecer o príncipe
meu senhor, pacificar-lhe o povo e prosperar-lhe o reino, assim como
conservar-me nesta santa casa e como, também, abrir os olhos à vossa
cegueira».
Calou-se o Bispo, confuso, e fez-se luz no seu espírito quanto à
vocação da princesa.
D. João
é que se indignava cada vez mais e, tomando à sua conta o agravo,
declarou à irmã que aos pedaços lhe tiraria o hábito!
A dada
altura, porém, surgiu uma nova complicação e foi que a saúde se
abalou perigosamente, pelo que os médicos declararam que lhe era
impossível aguentar os rigores da regra.
O rei,
seu pai, radiante com o pretexto que se lhe oferecia, ordenou à
filha que deixasse o hábito dominicano e renunciasse a fazer
profissão.
Os
próprios Superiores da Ordem foram de opinião que era melhor a
princesa não insistir, visto que provavelmente nunca teria forças
para abraçar a regra, e Joana sentiu então a maior dor da sua vida,
porque lhe parecia que o seu Divino Esposo a abandonava.
Foi uma
cerimónia lancinante. Joana assinou um auto pelo qual renunciava a
pronunciar os votos solenes, declarando ao mesmo tempo, contudo, que
continuaria a habitar no convento de Jesus e a usar o hábito por
devoção.
Depois,
na linda igreja do convento, a princesa despojou-se do hábito, no
meio de uma torrente de lágrimas, beijando com ternura o véu e o
escapulário, e dizendo: «Visto que o meu Senhor Jesus Crista não
quer por sua esposa uma escrava tão indigna e inútil, não deixarei
de O servir em toda a escravidão da vontade».
Choravam as Irmãs e os próprios Superiores se maravilhavam com a
profunda humildade da princesa que retomou os vestidos seculares
como prova da sua sinceridade. Algum tempo depois, contudo, passou a
usar o hábito novamente, por devoção.
D.
Afonso, então, satisfeito com a submissão da filha e para marcar
melhor que ela não era religiosa, doou-lhe uma quinta magnífica, com
numerosos criados e capelães e fartos rendimentos. Joana aproveitou
os bens e rendimentos que lhe foram doados para melhor socorrer os
pobres e cuidar das alfaias e paramentos da Igreja.
Dedicava-se aos trabalhos mais humildes e, sabendo assegurada a
sucessão do reino, fez de modo irrevogável o seu voto de castidade
perpétua pelo qual sempre lutara.
Seu
irmão D. João, depois de várias tentativas falhadas de lhe arranjar
casamento, porque entretanto os pretendentes morriam, reconheceu a
santidade da sua irmã e não voltou a importuná-la. Assim ela pôde
dedicar-se inteiramente ao seu único Senhor a quem tinha entregue,
há muito, todo o seu coração, dando às outras religiosas um exemplo
de vida humilde e santa. Aquela que tinha sido concebida por
intercessão de S. Domingos de Gusmão, aos seus filhos havia de
pertencer até ao fim da sua vida, tornando-se uma das suas glórias
de santidade.
Faleceu
santamente aos 38 anos de idade no seu Mosteiro de Aveiro, em 1490,
depois de uma vida humilde e penitente, como fica dito, pela
conversão dos pecadores e resgate dos cristãos cativos dos mouros em
África. O papa Inocêncio XII confirmou o seu culto imemorial em 31
de Dezembro de 1692.
É a
Padroeira principal da Diocese e da Cidade de Aveiro. |