São José de Cupertino, maravilhas da graça divina
em meio a indigências da natureza humana
Desprovido de qualidades naturais, esse Santo, cuja festa
comemoramos neste mês, teria seu nome varrido pelo vento da História
não fosse sua radicalidade no amor a Deus e o recíproco amor do
Criador àquele servo fiel, imitador do Profeta Job.
Assim narra um autor a
infância desse santo:
“A natureza foi com ele
uma madrasta: não lhe deu nem riqueza, nem saúde, nem talento, nem
ouro, nem prestígio, nem nobreza... Não teve sequer um berço no
momento de vir ao mundo. Seus companheiros o desprezavam e todo o
mundo se ria dele. Susteve-se largo tempo entre a vida e a morte,
até que um ermitão o esfregou com azeite e o curou. No entanto,
continuou a ser olhado como o homem mais desgraçado do mundo, por
essa confusão estranha de nossa linguagem, pois se em algo
superabundava aquele menino, era precisamente na graça que o ia
tirar da obscuridade e desprezo, para aureolar sua fronte com as
luzes [até ali] inverossímeis da glória” (1).
O inútil
Boca-aberta
Cupertino
era uma pequena cidade no Reino de Nápoles, na Itália, entre
Brindisi e Otranto, cerca do Golfo de Tarento. Nela vivia um piedoso
carpinteiro, tão pouco capaz que seu nome não foi retido pelos
biógrafos do filho. No momento em que sua esposa estava para dar à
luz, o casal teve que fugir dos agentes da Justiça que procuravam o
carpinteiro por dívidas não pagas. Foi assim que José teve a dita
de, à semelhança do Deus Menino, nascer no estábulo que lhes serviu
de refúgio, em 17 de
junho de 1603.
Crescendo, viu-se que o menino, sempre distraído, era incapaz de
manter um diálogo, de segurar algo sem deixar cair; enfim, na aula
ficava pensando em outra coisa, numa atitude que mereceu-lhe o
apelido de Boca aberta. Ninguém podia acreditar que, por detrás
daquele exterior ridículo e quase idiota, escondiam-se pepitas de
ouro que só têm valor no Reino celeste.
Função: zelador da
mula conventual
Mal sabendo ler e, pior, escrever, aos 17 anos José pediu admissão
no convento dos Franciscanos Conventuais, onde tinha dois tios. Mas
foi recusado por sua aparência tão desfavorável. Os Capuchinhos
aceitaram-no para experiência, passando ele por todas as funções.
Mas José mostrava-se tão estabanado, que quebrava tudo o que lhe
davam. Quando ia pôr a mesa, bastava olhar para o Crucifixo, soltava
um grito, largava os pratos – que se espatifavam no chão – enquanto
ele entrava em êxtase. Com o pensamento “nas nuvens”, servia o pão
preto em vez do branco, porque “não sabia distingui-los”. Foi
mandado embora descalço e só com a roupa do corpo.
Mal tinha saído do convento, cães o atacaram, deixando seu hábito em
tiras. Andando pelos campos, pastores tomaram-no por um ladrão, e
caíram sobre ele a pauladas. Na estrada, foi perseguido por um
cavaleiro que o julgava um espia.
Chegando em lastimável estado a Cupertino, nenhum parente quis
recebê-lo, considerando-o vagabundo; a própria mãe (o pai tinha
falecido) lançou-lhe em face: “Se te mandaram embora de uma casa
santa, algo fizeste. Agora só te resta o cárcere, o desterro, ou
morrer de fome”.
Mas finalmente a genitora intercedeu por ele junto aos Conventuais,
convencendo seus irmãos a receberem o sobrinho pelo menos para
cuidar da mula do convento, revestido do hábito
da Ordem Terceira de São Francisco.
Ordenação
sacerdotal, após sucessivos fatos miraculosos
Aos poucos, entretanto, os religiosos foram observando aquele
silencioso jovem, e descobrindo brasas que fumegavam sob a áspera
cinza. Sempre alegre, sorridente e aceitando as humilhações com
desapego angélico, sua linguagem revelava tocante simplicidade de
coração e pureza de alma. Obedecia incontinenti, e levava uma vida
de mortificação
extraordinária. Viram que José tinha verdadeira piedade e vocação
sacerdotal. Foi admitido aos estudos como postulante.
O
estudo foi-lhe uma cruz bem pesada, pois sua memória era fraca e,
sempre absorvido nas coisas divinas, não conseguia reter no dia
seguinte uma palavra aprendida no anterior.
A
Providência queria dele amor, e não erudição. O Bispo de Nardo, que
apreciava sua virtude, foi lhe conferindo, sem dificuldade, as
ordens menores e o subdiaconato.
Mas, não tinha jeito! -- para o diaconato era necessário exame.
Acontece que José, por causa de sua devoção à Mãe de Deus, só
conseguira reter na memória uma passagem do Evangelho: a que diz
“bendito o seio que te portou”, na qual meditava constantemente.
E
foi exatamente a que lhe tocou comentar! E ele o fez tão
magnificamente, como o faria o melhor dos teólogos!
Para a ordenação, outra intervenção miraculosa: o examinador, vendo
que os 10 primeiros candidatos saíram-se magnificamente bem, julgou
inútil examinar os demais!
Lutas e visões
A
partir de sua ordenação sacerdotal, José passou a “considerar-se
como exilado do paraíso, e como condenado a habitar uma terra de
inimigos. Por isso ele se propôs a combater, e, pela luta, chegar ao
Céu” (2).
Para isso jejuava e flagelava-se, passando vários dias sem alimento,
só com a Sagrada Eucaristia.
O
demônio agredia-o ora fisicamente, ora insinuava-lhe pensamentos de
avareza ou de apego a algum objeto, tentando vencer sua virtude. O
combate era tão acirrado que mais tarde o Santo comentou: “Não
suspeitava que a trama das redes do diabo fossem tão subtis. Agora
compreendo perfeitamente que o mérito da pobreza não está
precisamente em não possuir nada, senão em não ter afeto às coisas
da Terra” (3). José gozava entretanto da companhia dos anjos,
vendo-os muitas vezes pessoalmente e com eles conversando como de
amigo a amigo. Sua devoção ao mistério da natividade de Nosso Senhor
era profunda. Muitas vezes o Menino Jesus aparecia-lhe. Ele,
tomando-O nos braços, acariciava-O e dizia as palavras mais ternas
que podia conceber.
Começou para
São José de Cupertino, depois de dois anos de terríveis provações, a
série de êxtases tão extraordinários, como dificilmente se ouvira
narrar antes e depois dele na Hagiografia. Bastava ouvir o nome de
Jesus ou de Maria, que ele dava um grito e, literalmente, voava rumo
ao objeto amado. Se estava na igreja, voava para junto do altar da
Virgem ou do Santíssimo. Se no jardim, para o cimo de uma árvore,
permanecendo ajoelhado na ponta de um de seus galhos como se fosse o
mais leve passarinho.
Em
Roma, quando ele se viu diante do Vigário de Cristo na Terra, entrou
em êxtase, ficando suspenso no ar durante a audiência, até que o
Superior lhe ordenasse em nome da obediência que voltasse a si.
Ovelhas acompanham
a Ladainha...
Verdadeiramente imbuído do espírito de São Francisco, ocorreram com
ele inúmeros fatos dignos de constarem nos Fioretti do Poverello de
Assis. Certa vez, por exemplo, não estando os agricultores numa
capela rural para a Ladainha, por causa da colheita, viu ao longe
rebanhos que pastavam. Dirigindo-se aos animais, o Santo exclamou:
“Ovelhinhas de Deus, vinde aqui honrar a Mãe de meu Deus, que é
também a vossa”. Deixando atrás pasto, filhotes, tudo, elas
acorreram em tumulto ao apelo de José, sendo que naturalmente não
podiam tê-lo ouvido devido à distância. Entrando na capela, todas
caíram de joelhos e, com um longo balido, respondiam às invocações
da Ladainha dirigida pelo Santo.
Outra vez, tendo uma peste dizimado os rebanhos, dirigiu-se, a
pedido dos camponeses, de ovelha em ovelha morta, ordenando-lhes que
se levantassem em nome de Jesus. E todas voltaram à vida.
Às
freiras clarissas de sua cidade, mandou que um passarinho lhes
cantasse durante o Ofício para incitá-las a fazê-lo bem.
Conselheiro dos
grandes deste mundo
O
Duque de Brunswick e de Hanover, o protestante João Frederico, então
com 25 anos, curioso, obteve do superior de Assis o favor de
assistir a uma Missa do “santo que voava”. José não foi avisado de
nada. Na hora de partir a Hóstia, estranhamente não conseguia
fazê-lo, pois esta oferecia resistência. Aflito, os olhos em
lágrimas, o Santo levitou alguns palmos acima do solo, e nessa
posição retrocedeu alguns passos, dirigindo a Deus fervorosa prece.
Pôde depois partir a Hóstia com a costumeira facilidade.
O
Duque quis saber o motivo do sucedido. José respondeu ao Superior:
“Vós trouxestes gente que tem o coração muito duro e que se obstina
em não crer no que ensina a Santa Madre Igreja. Esta é a causa pela
qual o Cordeiro sem mancha endureceu-Se em minhas mãos, de modo que
não conseguia dividi-Lo”.
Obtendo licença para manter conversas e receber conselhos do Santo,
o Duque foi testemunha de novo milagre. Durante outra Missa do
Santo, viu na Hóstia sagrada, durante a Elevação, uma cruz negra.
Frei José soltou um grito, e permaneceu suspenso no ar enquanto
dizia olhando a cruz: “Senhor, esta é vossa; não quero senão a vossa
glória. Tocai e abrandai, Senhor, esse coração. Fazei com que seja
aceito por vossa Divina Majestade”. Sua oração foi aceita, pois o
Duque de Brunswick converteu-se (4).
Frei José chegou a um tal grau de discernimento dos espíritos, que
parecia ler os corações. Ele via as pessoas freqüentemente sob a
forma do animal que representava o estado de sua alma. Ele sentia
também os odores do pecado ou da virtude, de maneira que,
chegando-se a um pecador, dizia: “Cheiras mal. Vai te confessar”.
Santidade atrai multidões apesar dos obstáculos
Numa época em que a heresia de Lutero tentava fortemente penetrar
nos países católicos, o Sagrado Tribunal da Inquisição vigiava sobre
qualquer anormalidade. Vendo as grandes multidões que atraía Frei
José de Cupertino, julgou prudente, de acordo com o Papa, retirá-lo
para um convento menos conhecido, onde ele deveria viver
praticamente recluso. Foi-lhe proibido falar com qualquer pessoa
além dos religiosos do convento, e mesmo de escrever cartas a quem
quer que fosse.
Foi inútil. Embora o convento fosse construído na parte mais
escarpada de uma montanha, isso não impediu que uma multidão
crescente para lá se dirigisse “para ver o santo”, de tal modo que
nas cercanias começaram a surgir hospedagens e comércio para atender
os peregrinos. Frei José foi então transferido para outro convento,
e assim sucessivamente, até chegar ao de Ósimo, onde predisse que
terminaria seus dias, o que ocorreu poucos anos depois, a 18 de
setembro de 1663. A multidão que passou a acorrer a seu túmulo
indicava sua fama de santidade.
Plinio
Maria Solimeo
Bibliografia
1 - Frei Justo Pérez de
Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones FAX, Madrid, 1945, 3ª
edição, vol. III, p. 642.
2 - Les Petits Bollandistes, –
Vies des Saints, d’après le Père Giry, par Mgr Paul Guérin, Paris,
Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo XI, p.
223.
3 - Edelvives, O
Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1955, tomo
V, p. 184.
4 - Edelvives, op.
cit., pp. 187-188.
http://www.catolicismo.com.br/ |