Na
cidade de Florença havia dois irmãos, nobres e ricos, Caríssimo e
Aléssio Falconieri; exerciam o comércio como a maior parte das mais
ilustres famílias de Florença e de outras cidades da Itália. O
bem-aventurado
Aléssio
Falconieri tinha devoção particular pela Mãe de Deus. Foi um dos
sete comerciantes de Florença, todos bem-aventurados, que, com São
Felipe Beniti, seu compatriota, fundaram a ordem dos Servitas.
Chama-se servitas pessoas religiosas que se consagram ao serviço de
Deus sob a protecção especial da Santa Virgem. Caríssimo Falconieri,
avançando em idade, impressionou-se com o exemplo e as exortações do
piedoso irmão.
Passando uma acurada revista na vida, muito se inquietou com a
possibilidade de ter adquirido algo por vias injustas. Pediu
esclarecimentos a Deus, fez restituições e esmolas. Enfim, em 1263,
suplicou ao Papa Urbano IV lhe concedesse uma absolvição geral por
todos os erros que poderia ter cometido sem saber. O soberano
Pontífice concedeu-lha sob certas condições, que Caríssimo cumpriu
com zelo.
Além
das restituições e das esmolas, mandou construir em Florença uma
igreja da Anunciação que, pela riqueza e beleza de arquitectura, é
ainda hoje considerada uma maravilha. Foi recompensado de mais de
uma maneira. Era já velho, quando lhe nasceu uma filha, que foi
Santa Juliana Falconieri. Era pelo ano de 1270: a alegria foi grande
para toda a família.
Juliana
perdeu o pai pouco depois; apenas se lembrava de tê-lo visto. Mais
tempo conservou o bem-aventurado tio Aléssio, que foi seu pai na
piedade. As primeiras palavras que Juliana aprendeu a balbuciar
foram os nomes de Jesus e Maria. Pronunciava-as tão frequentemente,
que a ama muito se admirava, e sua piedosa mãe a via com alegria.
O
bem-aventurado Aléssio dizia à cunhada que ela havia dado à luz não
uma menina, mas um anjo, À medida que crescia, Juliana ocupava-se
muito mais nos exercícios de devoção que lhe ensinava o santo tio,
do que nos afazeres das mulheres, a que sua mãe se empenhava por
habituá-la. Em lugar de manejar as agulhas e o fuso, construía
pequenos altares, lia livros de piedade, cantava louvores da santa
Virgem, recitava orações. Sua mãe com ela ralhava por vezes, dizendo
que não sabia manter um ofício e dificilmente encontraria um marido.
Juliana contentava-se em responder: Quando vier o tempo, a santa
Virgem providenciará.
Como se
tornasse muito bela com o correr dos anos, e virtuosa, a mãe
alimentava dia por dia maiores esperanças em vê-la encontrar um dos
mais honrosos partidos; já falava disso com o pessoal da casa. Mas
Juliana tinha pensamentos inteiramente outros. De acordo com as
inspirações do santo tio, havia resolvido guardar a virgindade, e
consagrar-se ao serviço da Santa Virgem. Eis porque, nada obstante
as exortações de sua mãe, nada obstante as carícias da família e do
mundo, ligou-se pelo voto de continência, pronta a renunciar ao
mundo e à família, para seguir Jesus Cristo pobre, desde que
obtivesse permissão.
Completados, pois, seus dezasseis anos, recebeu das mãos de São
Felipi Beniti o hábito da ordem terceira dos servitas. Meditou
piedosamente nos mistérios durante o ano de provação. A túnica negra
representava-lhe a tristeza de Maria sobre o Calvário, e a grandeza
de seu martírio entre os sofrimentos do filho: a cintura de pele
representava-lhe a pele do Salvador dilacerada pelos açoites, pelos
pregos e pela lança; o véu branco a pureza da Virgem; a coroa os
louvores que lhe foram rendidos pelo arcanjo. O livro lhe sugeria as
meditações sobre a paixão de Jesus Cristo; o manto lhe recordava a
protecção da mão de Deus, a quem se rejubilava em pertencer; o círio
esta lâmpada acesa que devia trazer pronta, como virgem prudente,
para ir ao encontro do esposo. Meditando assim sobre o seu piedoso
hábito, Juliana foi uma edificação constante para a mãe, a família e
todas as irmãs. No ano seguinte, 1285, fez profissão diante de São
Filipe, que morreu pouco após.
A
lembrança desse santo homem despertava nela de dia para dia, maior
desejo de perfeição. Continuou junto de sua mãe, mas aumento muito
as austeridades precedentes. Nas quartas e sextas-feiras tomava por
alimento apenas a santa comunhão. Jejuava ainda no sábado, a pão e
água, em honra da Virgem Santa, em cujas sete dores meditava.
Empregava as sextas-feiras na meditação da paixão do Salvador. Para
se tornar semelhante a ele, macerava a carne até o sangue, com rudes
disciplinas. Muitas vezes foi arrebatada em êxtases, pelo veemente
desejo de ser crucificada com Jesus sofredor. À sua morte
encontraram-lhe uma cintura de ferro sobre os rins e tão fundo tinha
penetrado na carne, que não puderam retirá-la sem lesar o corpo;
isso faz crer que ela a carregasse desde a juventude. Seu tio, o
bem-aventurado Aléssio Falconieri, dava-lhe o exemplo; recusou
sempre ser promovido nas ordens sacras, e permaneceu a vida inteira
na ordem leiga, dedicando-se aos mais humildes misteres, e
mendigando todos os dias o pão para os irmãos. Da mesma maneira a
sobrinha, em lugar de viver nobremente de seus bens, preferia ganhar
a vida com o trabalho das mãos e partilhar o lucro com as irmãs.
Imitou principalmente Filipe Beniti, no zelo pela conversão das
almas.
Com a
morte da mãe, entrou no convento de suas irmãs da ordem terceira, e
atraiu para lá várias nobres jovens de Florença. Em 1316, foi mister
dar a esta casa uma regra definitiva e uma superiora. Juliana foi
eleita prioresa por unanimidade. Recusou por longo tempo,
julgando-se incapaz e indigna, e acabou aceitando por lembrar-se das
palavras de São Filipe Beniti, que lhe recomendara a congregação
nascente, como prevendo que ela seria, um dia, a segunda fundadora.
Foi-o menos pela autoridade do que pelo exemplo. A longevidade era
como que um privilégio hereditário na família; seu tio, o
bem-aventurado Aléssio, tinha cento e dez anos quando morreu, em 17
de Fevereiro de 1310. Se Juliana não ultrapassou os setenta, deve-se
atribuir o fato às grandes austeridades. As religiosas da ordem
terceira dos servitas devotavam-se particularmente ao serviço dos
enfermos e a outras obras de caridade. Juliana sofreu também longa e
penosa enfermidade, que suportou com paciência inalterável. Um
vómito contínuo não permitia lhe administrassem o santo viático nos
últimos momentos.
O
Salvador dignou-se fazer um prodígio para unir-se à esposa: a santa
hóstia, colocada sobre o seu coração, desapareceu subitamente. No
mesmo instante ela faleceu. Era no dia 19 de Junho de 1340. A
verdade de diversos milagres, operados por sua intercessão, foram
juridicamente provados, e Bento XIII beatificou-a em 1729 e Clemente
XII terminou o processo de canonização. |