Uma outra figura que merece
relevo — e não pouco — neste meu humilde trabalho, é a do Padre
Abílio Gomes Correia, descrito nas redes sociais como «uma
pessoa privilegiada pela natureza: homem de saúde de ferro, alto,
fisicamente bem constituído, apreciador das coisas boas e belas,
capaz de suportar grandes cargas de trabalho e de aguentar, impávido
e sereno, as maiores contrariedades. Perante as adversidades nunca
cruzava os braços e lutava, teimosamente, até resolver os
problemas.»
Impressionante!
O
Padre Abílio Gomes Correia nasceu em Padim da Graça (Braga) em 9 de
Fevereiro de 1882. Teve como pais Manuel José Gomes e Maria Gomes
Correia.
Depois de uma meninice comum a
todas as crianças e de frequentar a escola da terra natal, em 1900 —
tinha então dezoito anos — entrou no seminário de Braga, onde teve
como colega António Bento Martins (1881-1963) que mais tarde será
Arcebispo Primaz de Braga.
Foi ordenado sacerdote por D.
Manuel Baptista da Cunha, a 24 de Setembro de 1904, e continuou —
durante três anos — sacerdote na sua terra natal, como auxiliar do
pároco. Depois deste período que se poderia chamar “tempo de
aprendizagem”, foi nomeado, a 20 de Junho de 1907 pároco de S.
Mamede d’Este, na periferia de Braga.
Quando ali chegou ficou
espantado com o estado em que se encontrava a paróquia :
«A casa que lhe era destinada estava em ruínas:
chovia lá dentro, só tinha um quarto razoável e um espaço bastante
amplo que servia de cozinha, sala de jantar e local de atendimento;
para a empregada — quando fosse preciso encontrá-la — apenas um
cubículo sem ar nem luz onde só cabia a cama; o quarto de banho, nem
prático nem cómodo; o soalho esburacado e a janela sem vidros. Não
era famoso nem vistoso o palácio que her-dou…»
O edifício religioso não estava
em melhor estado:
«Telhas partidas, janelas sem vidros, altares sem
toalhas e o próprio Sacrário estava “adornado” por dentro, com teias
de aranha. O inventário de bens não lhe levou muito tempo a fazer:
não havia valores nem sequer as coisas mais usadas no dia-a-dia duma
Paróquia.»
“Teias de aranha no interior do
sacrário” !...
Estas palavras fazem lembrar
aquelas do Fundador das Maria dos Sacrários, que muitas vezes fala
destas “teias de aranha”, tanto no sentido próprio como no figurado.
Lê-se ainda, nas redes sociais,
onde pesquizei que «as pessoas da freguesia eram poucas e muito
pobres; raramente frequentavam os actos religiosos e a vida moral,
de cristã, tinha muito pouco. Quando chegou, com 25 anos de idade,
foi recebido com indiferença pela Junta da Paróquia e mais algumas
pessoas curiosas.»
O jovem Padre Abílio chegou à
sua nova paróquia sozinho e instalou-se, como pôde, na residência
paroquial, logo seguido pela chegada de sua mãe e um pouco mais
tarde chegou sua irmã — uma irmã de leite, uma moça que a mãe criou
juntamente com ele, pois os pais dessa menina tinham morrido quando
ainda era bebé. Esta irmã acompanhará o Padre Abílio durante toda a
sua vida e lhe sobreviverá durante ainda alguns anos.
O jovem sacerdote que se sentia
só, mesmo na companhia dos seus, irá encontrar na sua própria igreja
um amigo fiel que ele jamais abandonará, tornando-se mesmo dele o
maior arauto que Portugal conheceu: quero falar aqui do Santíssimo
Sacramento.
«Com os seus 25 anos de
idade —
como o
explica Dom Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz de Braga
—, e sem estruturas
materiais nem apoios humanos, voltou-se para o Santíssimo
Sacramento, devoção que sempre o atraiu.»
Esta amizade tornou-se tão
grande e possessiva que o Padre Abílio passava diante do Sacrário da
sua igreja todos os momentos livres que o seu ministério permitia e,
como não lhe parecessem suficientes, ele passou a dormir só três
horas e a passar o resto da noite na companhia do seu “Amigo” Jesus
Sacramentado.
«Em S. Mamede d’Este
—
escreve ainda Dom Jorge Ortiga
—, o seu carisma
eucarístico desenvolveu-se a ponto de se identificar
espiritualmente com a Eucaristia, que celebrava com fervor e adorava
continuamente.»
Naqueles tempos, pouco após a
implantação da República e a separação da Igreja e do Estado, o
governo chefiado pelos maçons desencadeou contra a Igreja uma
perseguição insidiosa que obrigou muitos dos seus mais ilustres
bispos ao exílio e levou outros às prisões do Estado. Homens como
Afonso Costa — certamente um dos mais violentos, senão o mais
violento de todos —, que em plena Assembleia Nacional, não escondiam
o seu anticlericalismo feroz e prometiam fazer como a quando da
revolução francesa: acabar com a Igreja em Portugal. Um dos
discursos do Dr. Afonso Costa sobre os bispos e mais particularmente
sobre Dom António Barroso, Arcebispo do Porto, é uma “obra-prima”
desta fúria anti-religiosa.
Foram extintas as ordens
religiosas e os sacer-dotes proibidos de lerem nas igrejas a
pastoral publicada pelo episcopado português, sob pena de prisão.
O Padre Abílio foi um dos que
não aceitou esta ordem e leu na igreja o documento do episcopado,
por isso mesmo foi perseguido pela “Carbonária” e obrigado a fugir
para Rio Caldo, no Gerês, em 1911, para escapar à prisão e para
poder continuar, secretamente o seu ministério sacerdotal.
Com o passar do tempo e as
mudanças de governantes, as coisas foram melhorando pouco a pouco e
o zeloso sacerdote pode assim continuar o seu ministério mais
folgadamente.
Este zelo ardente pelo
Sacramento do amor levou o Padre Abílio a pôr-se em contacto com os
Pa-dres Sacramentinos que trabalhavam em Roma, na igreja dos Doze
Apóstolos, com o fim de fundar na sua paróquia uma Agregação da
Adoração ao Santíssimo Sacramento, o que aconteceu em 30 de Dezembro
de 1910.
Em S. Mamede d’Este as crianças
não tinham qualquer formação especial e foi então que ele fundou, em
1914, os Pajens da Eucaristia.
Em Janeiro de 1915 — já a
Primeira Guerra Mundial tinha começado —, porque havia uma adesão
muito grande, não apenas na sua paróquia mas também no arciprestado,
ele pensou e começou a editar uma revista que publicou até ficar
cego : o Mensageiro Eucarístico.
Como em S. Mamede d’Este não
havia electricidade, telefone, nem estradas, nem comunicações, ele
era o director, redactor, administrador e também o correio da
revista. Ia a Braga “pela estrada construída pelos romanos” —
quase 10 km — e ali tratava de todos os assuntos que a publicação
impunha. «Logo a seguir à publicação da revista as assinaturas
começaram a multiplicar-se.»
Entretanto chegou o momento do
serviço militar:
foi à inspecção e ficou
apurado. Esta situação causou
nele
alguma perturbação, sobretudo
que o país estava envolvido na Guerra de 1914-1918, que causou
milhões de mortes. Mas como sempre, confiou e entregou ao “bom
querer” do Senhor es-ta preocupação que lhe causava um certo medo… E
acabou mesmo por não ser chamado, escapando assim ao
que
lhe causava um santo horror,
por ser contrário à sua vocação: ter de matar.
Deus nun ca abandona aqueles que n’Ele confiam!
Num dos meios de comunicação
social, lemos este texto que não tem assinatura:
«Em 1922 acompanhou o Arcebispo de Braga, D. Manuel
Vieira de Matos, a Roma onde se celebrou um Congresso Eucarístico
Internacional. A viagem foi feita de barco. De regresso, inflamado
pela participação no extraordinário acontecimento eucarístico,
disparou uma pergunta — sugestão — ao seu Prelado:
– E depois de tudo o que vimos, Braga, a Roma
Portuguesa, não erguerá também a voz a cantar os louvores do
Santíssimo Sacramento?.
A resposta do Arcebispo não se fez esperar:
– Faria, se tivesse meios materiais. Mas como não
tem, não pode fazer. E surge novo ataque do Padre Abílio:
– Eu encarrego-me de arranjar o dinheiro e tudo o
mais que for necessário para que se faça um Congresso Eucarístico
Diocesano. O problema ficou imediatamente resolvido:
– Faz-se mesmo e já no próximo ano. E realmente
assim aconteceu. Em 1923, Braga engalanou-se e cantou
desassombradamente a sua fé eucarística, acordando o país
amedrontado. Foi um despertar geral na Primavera desse ano difícil
para as gentes portuguesas.»
No mesmo documento citado
acima, podemos ler igualmente esta saborosa conversa entre o Prelado
e o Padre Abílio Gomes:
«Arrumadas as contas –
do Congresso de Braga
–, o Padre Abílio apresentou ao Prelado um
saldo positivo de doze contos; muito dinheiro na época. D. Manuel
Vieira de Matos fica admirado com tanto dinheiro e agradeceu a Deus
por lhe ter colocado nas mãos os meios de que necessitava para pôr
em dia as contas da Diocese e continuar com as obras da construção
do Seminário da Rua de Santa Margarida. De tão satisfeito que
estava, rezou acções de graças em voz alta, sem se importar com a
presença do P. Abílio. Este não gostou do que ouviu e foi frontal na
manifestação do seu desacordo:
– Desculpe o Sr. Arcebispo, mas não é justo pegar
nas migalhas do pão que os pobres não comeram para louvar pública e
solenemente a Deus e aplicá-las a pagar dívidas e a construir
edifícios de pedra, por mais necessários que sejam. A Deus o que lhe
pertence. Estes doze contos são uma dádiva de gente muito pobre ao
Santíssimo Sacramento e não ao Arcebispo de Braga.
Foi como se tivesse rebentado uma bomba de grande
potência…
Reacção imediata do Arcebispo surpreendido:
– Então que pensa fazer? Vai devolvê-lo a quem lho
deu?
– Não penso assim, Sr. Arcebispo. Julgo que a boa
aplicação deste dinheiro seria na organização de outro Congresso
Eucarístico, mas a nível nacional.
– Só pensas no Santíssimo Sacramento. Não és capaz
de ver as coisas com realismo e sensatez. Valha-me Deus!
– Não é verdade que esteja cego… nem sequer preciso
de óculos. E neste caso vejo claramente para onde deve ir esta
ele-vada quantia. Quanto às obras materiais, elas não ficarão por
fazer por falta de dinheiro. Para elas Deus também providenciará.
– Vamos a isso, respondeu o Prelado. Comece já a
tratar do Congresso Nacional.
E assim se deram início aos trabalhos de organização
do primeiro Congresso Eucarístico Nacional, celebrado em Braga no
ano de 1924».
A este Congresso participou
ainda — e foi a última vez que saiu — uma certa Alexandrina Maria da
Costa, que todos conhecemos e amamos.
Nas páginas do Mensageiro
Eucarístico, o Padre Abílio faz um resumo da Assembleia Geral das
Marias do Sacrários, realizado em Málaga, na Espanha e ao qual
participou um grupo de “Marias” da Arquidiocese de Braga. A dita
Assembleia foi presidida pelo Fundador da Obra, Dom Manuel Gonzalez
Garcia. Mas deixemos ao encargo do Pároco de S. Mamede d’Este e
Director da Revista, o prazer de nos contar esses três dias:
«De 31 de Maio a 2 de Junho [de
1929] celebrou-se a nossa Assembleia Geral com grande satisfação e
aproveitamento de quantos a ela assistiram. Houve exercícios
espirituais dirigidos por um zeloso Missionário Eucarístico, e
seguidos com grande recolhimento pelas “Marias” e Aspirantes da
capital, e d’alguns povos da província.
As Missas de Comunhão
celebradas nos três dias pelo amado Fundador foram concorridíssimas.
Quanto às práticas… só ouvidas e saboreadas, mas sempre direi alguma
coisa delas. O tema foi a aparição de Jesus ressuscitado à nossa
irmã maior Maria Madalena junto do sepulcro, cena em que nos oferece
um perfeito modelo de “Maria”. E para o provar expõe-nos o exame a
que Jesus e os anjos a submetem; é no exame que se conhece a
“Maria”. Um e outros lhe perguntam: “Mulher, porque choras?” As
lágrimas e a dor da Madalena atraíram a atenção de Jesus e dos seus
Anjos; e assim como ela não tem outra pena nem outra queixa senão a
do seu Senhor desaparecido, roubado, injuriado e abandonado, também
a verdadeira Maria e discípulo de S. João só têm compaixão e
lágrimas para o seu Sacrário abandonado, esquecendo as suas próprias
penas, que todas são ínfimas em comparação daquela; e a Maria que
sair aprovada deste exame será aquela que tudo fizer por
compaixão e dor do abandono de Jesus, tendo essa ferida sempre
aberta no coração.
Na segunda prática explicou a
acção da Maria, que vai procurar Jesus onde Ele
estiver abandonado, e é engenhosa em buscar meios para o desagravar.
A acção da Madalena que disse: “Se tu o tiraste diz-me onde o
puseste, que o irei buscar”, é a da Maria, que, como arrebatada pelo
amor do seu Jesus, e pela dor do seu abandona conjura o inimigo para
que lhe descubra as causas do roubo de almas que padecem os
Sacrários, e do roubo de Jesus que padecem as almas… e sem se
amedrontar ante as dificuldades, vai expulsar, destruir os ladrões,
quer seja a ignorância religiosa, o desconhecimento de Jesus, maus
exemplos, friezas, etc., para restituir, custe o que custar, Jesus
às almas e as almas a Jesus.
Na terceira prática fez um
resumo das anteriores e disse que depois do exame e da acção da
“Maria” vem o chama-mento, Jesus descobre-se-lhe com a
deliciosíssima palavra que Madalena mereceu como rico e delicado
prémio da sua fidelidade e amor: “Maria“… e ela toma posse de tão
doce nome, prostrando-se em extase e aniquilada pela gratidão aos
pés do seu “Mestre”. Explicou a significação desta formosa palavra
com relaçõo a nós, e disse como Jesus do seu Sacrário abandonado,
quando ali nos vê chegar, nos obsequia dando-nos esse doce nome, que
com a delícia recebem as verdadeiras imitadoras das nossas Irmãs
maiores. Comenta o encargo que Jesus dá a Maria Madalena e nela a
todos nós: o de anunciar a resurreição do Senhor a seus ir-mãos, e
como deseja que préguemos o Evangelho da Fraternidade do nosso Deus,
para que todas as almas saibam que o Pai de Jesus é Pai
delas, e Jesus seu Irmão mais velho, e que portanto os devem
tratar como tais: com todo o respeito e reverência que como Deus lhe
devemos, mas também com grande confiança e ilimitado amor.
A brevidade duma simples
crónica não permite desenvolver mais as pfráticas do nosso Fundador
e Prelado, que foram um completíssimo programa para as Marias e
Discípulos de S. João. As três Missas foram acompanhadas de formosos
motetes cantados pelo côro das Marias.»
(Mensageiro Eucarístico, páginas 277-278)
Durante esta “Assembleia Geral”
deu-se provavelmente o encontro entre os dois Fundadores e, fácil é
imaginar que entre eles um mesmo amor e um mesmo zelo animavam seus
corações cheios de Deus e do seu amor Misericordioso. Um e outro
visavam a mesma meta: Jesus Sacramentado.
Já tive ocasião de citar alguns
textos do Venerável Padre Abílio Correia, por isso mesmo não vou
insistir, não sendo este trabalho apropriado para isso.
Tudo leva a crer, para não
dizer que é uma certeza incontestável, que os nomes da Alexandrina e
da Deolinda, sua irmã — assim como o da professora Çãozinha —,
figuram na lista dos membros do Centro de Adoração ao Santíssimo
Sacramento, fundado pelo Padre Abílio Gomes Correia, sabendo-se que
na casa do Calvário, em Balasar, lia-se regularmente o Mensageiro
Eucarístico, visto que, segundo informações que pude obter, ainda lá
existem alguns exemplares da Revista.
Depois de ter passado alguns
anos naquela aldeia onde desenvolveu um frutuoso ministério, o Padre
Abílio foi chamado, em 1931, pelo Arcebispo.
D. Manuel Vieira de Matos pediu
ao seu amigo e conselheiro, para deixar S. Mamede de Este e assumir
a tarefa de Capelão do Hospital de S. Marcos, ainda governado por
republicanos
laicos,
porque muitos doentes ali morriam sem os auxílios da religião. Este
pedido não deve ter sido para o bom sacerdote um motivo de regozijo,
sobretudo que nessa altura, a verdade seja dita, ele amava a
paróquia e os paroquianos; e os fiéis viam nele um pai bondoso e
esclarecido, a quem amavam e obedeciam com alegria.
«Mas para o Padre Abílio a voz
dos seus superiores era a manifestação clara da Vontade de Deus. Por
isso, a resposta dada ao seu Bispo foi um “sim” imediato e
incondicional», como
se pode ler no documento já várias vezes aqui citado.
Antes de deixar a sua paróquia,
o Padre Abílio, no dia 30 de Outubro de 1930, foi até junto do
altar, eram 24 horas e humildemente falou ao seu Amigo de sempre:
“Vou para capelão do Hospital de S. Marcos. Deixo este Sacrário com
eterna saudade”.
Esta ausência da paróquia que
ele tanto amava durou oito longos anos, durante os quais ele se
ocupou de pôr ordem no Hospital de S. Marcos, como lhe tinha pedido
o Arcebispo.
Voltou para ela em 1938. No seu
jornal — Mensageiro Eucarístico — escreveu esta longa declaração,
que se assemelha a uma declaração de amor:
«Quando deixei esta freguesia em Outubro de 1930,
saí com intenção de não mais voltar para ela. Mas depois, em 1938,
instado pelo povo para voltar a paroquiá-la, condoíme da sua triste
situação e voltei, sobretudo para ver se podia realizar uns
projectos grandiosos, visto os tempos serem mais favoráveis e a
situação religiosa melhor.
No hospital ganhava muito mais dinheiro do que aqui
na freguesia e quando o deixei, poderia ir paroquiar freguesias mais
rendosas e próximas da minha naturalidade, Padim da Graça. Tinha à
minha escolha S. Paio de Merelim, Cabanelas, Tibães e Pousa. Mas por
causa dos meus projectos e por causa do Santíssimo Sacramento
sacrifiquei tudo e voltei, porque foi aqui nesta pobre freguesia, e
pobre igreja e junto ao seu pobre sacrário que eu recebi as maiores
graças temporais e espirituais da minha já longa vida. Foi aos pés
do pobre sacrário desta pobre igreja que eu recebi as melhores
inspirações da minha vida sacerdotal e paroquial; foi aos pés do
pobre sacrário desta pobre igreja que eu recebi a paixão eucarística
que sempre conservei e desejo conservar até ao último momento da
minha vida terrena. Quase se pode dizer, foi nesta pobre freguesia
que se fundou o primeiro centro da Agregação do Santíssimo
Sacramento; o primeiro centro da visita diária; o primeiro centro da
Adoração Nocturna ao Santíssimo Sacramento; o primeiro centro dos
Pagens do Santíssimo Sacramento. Os respectivos documentos de
Erecção e Agregação às Arquiconfrarias Primárias são documentos
históricos e muito honrosos e gloriosos para esta pobre freguesia,
abandonada e desprezada por quase toda a gente.
Foi nesta pobre freguesia junto ao pobre sacrário da
sua pobre igreja que resolvi fundar o Mensageiro Eucarístico como
órgão da adoração ao Santíssimo Sacramento em Portugal e que tanto
bem tem incutido nas almas que o assinam, e tem a honra e a glória
de ser a primeira e única revista eucarística que há em Portugal e
que já conta 39 anos de existência... Nestes 39 anos são milhões de
páginas, milhões de linhas e milhões de letras louvando unicamente o
Santíssimo Sacramento e cantando as suas misericórdias e chorando os
seus abandonos, esquecimentos, desprezos e sacrilégios da grande
maioria dos homens que O não conhecem. Foi aos pés do pobre sacrário
desta pobre igreja que passei tantas horas, tantos dias e tantas
noites inolvidáveis...
A paixão eucarística que Nosso Senhor me concedeu
logo após a minha vinda para esta pobre freguesia em Julho de 1907,a
santa obra da Adoração ao Santíssimo Sacramento fizeram com que eu
encontrasse o Céu neste triste exílio e consagrasse a esta pobre
freguesia, a esta pobre igreja, a esta pobre residência um amor
maior do que o da freguesia em que fui baptizado e da casa em que
nasci. Por isto tudo, e pelo muito mais que podia dizer mas não
posso, nem tenho tempo, sacrifiquei tudo, e voltei para o meio deste
pobre povo para continuar a levá-lo pelos caminhos de Deus para o
Céu, enquanto as minhas forças mo permitirem. S. Mamede de Este, 17
de Novembro de 1953, às 24 horas. Abílio Gomes Correia.»
Durante o resto da sua vida
como pároco de S. Mamede d’Este, o Padre Abílio empenhou-se na
restauração da igreja paroquial e na construção do monumento do
Monte Chamor, consagrado ao Coração de Jesus.
Mesmo este monumento tem a sua
história que mereceria de ser contada, mas deixo para outros, mais
conhecedores do que, esse cuidado.
Os anos e a doença começaram a
vergar aquele “homem de saúde de
ferro, alto, fisicamente bem constituído, apreciador das coisas boas
e belas, capaz de suportar grandes cargas de trabalho e de aguentar,
impávido e sereno, as maiores contrariedades.
Ele tinha agora 75 anos e
começava a ter graves problemas de vista que o obrigaram a delegar
as suas “crónicas” do Mensageiro a outras mãos mais ágeis e a outros
olhos melhor esclarecidos do que os dele. Também os paroquianos
começaram a rodeá-lo de mais carinho, de mais solicitude, sentindo
que em breve ficarão órfãos daquele “pai” que tanto amavam e por
quem eram tanto amados. Mas ainda viveu no meio dos seus paroquianos
mais dez anos.
Quando chegou a hora de Deus, o
Padre Abílio foi internado no Hospital de S. Marcos, onde tinha sida
capelão durante oito anos e ali faleceu a 29 de Junho de 1967.
Sobre esta morte esperada, mais
sempre dolorosa, escreveu o cronista, falando da paróquia e dos
paroquianos de S. Mamede d’Este:
«Quando chegou do Hospital de S. Marcos a notícia da
sua morte, mergulhados em lágrimas, prepararam tudo o que era
necessário para o funeral. O cadáver esteve pouco tempo na igreja.
As Exéquias foram solenes. A separação foi muito custosa.
E aquele que há 60 anos foi recebido por meia dúzia
de pessoas agora recebeu as lágrimas amorosas e agradecidas de todos
os que foram por ele profundamente amados.»
A sua sepultura continua a ser
florida pelos paroquianos e por todos aqueles que recorrem ao
“Apóstolo da Eucaristia”, para receberem por seu intermédio uma
graça divina, ou para agradecerem graças já recebidas.
Em 24 de Setembro de 1997, D.
Eurico Dias Nogueira, então Arcebispo Primaz, assinou o decreto que
introduziu a causa de canonização.
Mais tarde, em 2002, depois de
julgado pelo Tribunal Eclesiástico de Braga e da aprovação por
unanimidade da Conferência Episcopal Portuguesa, o processo foi
apresentado no Vaticano, encontrando-se actualmente na Congregação
para as Causas dos Santos, ao cuidado do Postulador.
Mas estes processos são longos,
podem demorar dezenas de anos — conhecem-se processos que demoraram
séculos! – por isso é necessário rezar e pedir a Deus, pela
intercessão do Padre Abílio, que ocorra um milagre que a ciência
humana — que hoje tudo quer compreender e justificar — se julgue
incapaz de o explicar, para que a beatificação aconteça e, mais
tarde outro milagre que permita a canonização.
Cada um de nós pode e deve ser um obreiro nesta “vinha” tão grande,
nesta aventura celeste e ajudar a causa, “provocando” com orações o
“bom querer” de Deus. |