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13 de Maio de 1917.
Escolhemos nesse dia, por acaso, se é que nos desígnios da
Providência há acasos, para pastagem do nosso rebanho, a
propriedade pertencente a meus pais, chamada Cova de Iria.
Determinámos, como de costume, qual a pastagem do dia, junto
do Barreiro e tivemos, por isso, que atravessar a charneca,
o que nos tornou o caminho dobradamente longe. Tivemos, por
isso, que ir devagar, para que as ovelhinhas fossem pastando
pelo caminho; e assim chegámos cerca do meio-dia. (...)
Antes de começar a contar-vos, o que me lembro do novo
período da vida da Jacinta, tenho que dizer que há algumas
coisas, nas manifestações de Nossa Senhora, que nós tínhamos
combinado nunca dizer a ninguém e talvez agora me veja
obrigada a dizer alguma coisa disso, para dizer onde a
Jacinta foi beber tanto amor a Jesus, ao sofrimento e aos
pecadores, pela salvação dos quais tanto se sacrificou. Não
ignora como foi ela que, não podendo conter em si tanto
gozo, quebrou o nosso contrato de não dizer nada a ninguém.
Quando, nessa mesma tarde, absorvidos pela surpresa,
perma-necíamos pensativos, a Jacinta, de vez em quando
exclamava com entusiasmo:
–
Ai! que Senhora tão bonita!
–
Estou mesmo a ver – dizia-lhe eu. – Ainda vais dizer a
alguém.
–
Não digo, não! – respondia. – Está descansada.
No
dia seguinte, quando seu irmão correu a dar-me a notícia de
que ela o tinha dito, à noite, em casa, a Jacinta escutou a
acusação sem dizer nada.
–
Vês? Eu bem me parecia! – disse-lhe eu.
–
Eu tinha cá dentro uma coisa que não me deixava estar calada
– respondeu, com as lágrimas nos olhos.
–
Agora não chores; e não digas mais nada a ninguém do que
essa Senhora nos disse.
–
Eu já disse!
–
O que disseste?!
–
Disse que essa Senhora prometeu levar-nos para o Céu!
–
E logo foste dizer isso!
–
Perdoa-me; eu não digo mais nada a ninguém!
Lúcia de
Fátima, “Memórias”. |